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Edmo Atique Gabriel

A importância de medir a pressão arterial nos dois braços e nas pernas

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Colunista do UOL

09/01/2021 04h00

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O corpo humano, segundo consta nos autos filosóficos, é perfeito. No entanto, do ponto de vista técnico, nosso corpo é dotado de muitas assimetrias, como o comprimento dos membros superiores, membros inferiores e as medidas da face humana.

Pode parecer estranho e ilógico, mas a matemática elucida brilhantemente que, para configuração de um plano, são necessários três pontos, portanto um número ímpar, uma realidade assimétrica. Na natureza, persegue-se o trevo de três folhas, mas quando se encontra um trevo de quatro folhas, eis o delírio total. Na cultura cristã, a figura de Deus desmembra-se em três vertentes: Pai, Filho e Espírito Santo, a tríade ou trindade santa.

Nós, seres humanos, somos aparentemente imperfeitos em nossa constituição física, mas perfeitos na capacidade de adaptação, e isso se torna ostensivo quando observamos o comportamento das diferentes funções orgânicas.

Enquanto uma pessoa respira segundo uma taxa de 12 movimentos por minuto, outra pessoa executa plenamente 15 movimentos respiratórios, sendo que ambas são saudáveis. Os batimentos cardíacos de quem está lendo este texto, neste exato momento, podem ser da ordem de 70 por minuto, enquanto os batimentos de outras pessoas podem se manter ao redor de 80-90 por minuto.

Há pessoas que necessitam de 4-5 horas de sono noturno para o descanso adequado; outras pessoas necessitam de 7-8 horas para efetivamente conseguir este mesmo descanso. Há pessoas que transpiram profusamente, enquanto alguns expelem míseras gotas de suor.

Nossas funções orgânicas retratam condições assimétricas de normalidade, ou seja, podem ser considerados como normais ou como fisiológicos um determinado intervalo numérico e alguns valores numéricos em si, independentemente se os mesmos são pares, ímpares, iguais, diferentes ou semelhantes.

O modelo fisiológico do ser humano é variável no que tange a vários parâmetros, sem que isto comprometa o conceito de normalidade. Inobstante esta variabilidade, podemos nos deparar com algumas situações de gritante assimetria e, dessa forma, conseguir diagnosticar doenças.

Foquemos no quesito pressão arterial, a qual reflete a intensidade de fluxo passando pelos vasos sanguíneos. Além da variabilidade existente entre as pessoas, como aquelas que convivem muito bem com níveis pressóricos de 100 por 60 frente a outras pessoas com níveis pressóricos de 120 ou 130 por 80, deve-se considerar a variabilidade de níveis pressóricos entre os braços esquerdo e direito, como também a variabilidade pressórica entre os membros superiores e membros inferiores.

Medir a pressão arterial em ambos os braços tem sido um hábito cada vez mais raro nos consultórios, talvez devido a rotina de atendimento, mas consiste numa importante arma para suspeitar de alguns agravos cardiovasculares, especialmente dissecção de aorta e trombose arterial.

A dissecção de aorta representa, na maior parte dos casos, uma consequência direta da hipertensão arterial. O que acontece numa dissecção é que a camada interna da aorta acaba não suportando níveis pressóricos muito elevados e, literalmente, desgarra das demais camadas, comprometendo o fluxo sanguíneo.

Normalmente, a pessoa que está apresentando uma dissecção de aorta, ou seja, está na fase bem aguda do processo, costuma se queixar de dor torácica muito forte, lancinante, associada a perda de força e sensibilidade em um dos braços.

No exame clínico desta pessoa, além de níveis pressóricos elevados, o que chama atenção é assimetria dos níveis pressóricos entre ambos os braços. No braço comprometido pela dissecção de aorta, os níveis pressóricos podem estar mais atenuados, comparativamente em relação ao outro braço.

As arritmias cardíacas são muito frequentes na população, principalmente após os 50 anos de idade. Uma das complicações das arritmias é a formação de trombos ou coágulos dentro do coração. Estes trombos podem se dispersar por nossa circulação e obstruir vasos sanguíneos. Uma trombose numa grande artéria de um braço pode gerar uma assimetria de pressão arterial entre os dois braços.

No campo das cardiopatias pediátricas, especificamente as cardiopatias congênitas, que são aquelas passíveis de diagnóstico nos primeiros dias de vida, vale destacar uma doença chamada coarctação da aorta. Nesta patologia, a criança nasce com um estreitamento de um segmento da artéria aorta, o qual produz aumento da pressão arterial nos membros superiores e um descendo pressórico nos membros inferiores.

Dessa forma, a simples medição da pressão arterial e também a palpitação dos pulsos permitem reconhecer um diferencial pressórico entre os braços e as pernas da criança.

Quando houver, portanto, alteração e principalmente assimetria nos níveis pressóricos entre um braço e outro ou entre braços e pernas, consulte seu cardiologista para avaliação adequada. Este profissional poderá te ajudar a definir se esta assimetria está dentro de um intervalo de normalidade ou se existe mais algum indício que reforce a existência de uma doença.

Ainda que exames complementares sejam necessários para fins comprobatórios, nestes casos de assimetria pressórica, o simples fato da percepção clínica desta assimetria já é um poderoso recurso para otimizar a prevenção, diagnóstico e até o tratamento de um evento agravo cardiovascular.

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