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Dante Senra

Vacinação contra a covid pode ser opcional? Tenho direito a não me vacinar?

Tatyana Makeyeva
Imagem: Tatyana Makeyeva

Colunista do UOL

04/10/2020 04h00

A maioria das pessoas trata esta questão como resolvida. Temos visto inúmeras manifestações no sentido de que não sabem se vão tomar essa ou aquela, ou alguma vacina.

Até o Presidente da República recentemente disse que ninguém é obrigado a tomar se não quiser.
Será que isso é verdade? Teremos de fato essa opção?

Ainda que em um primeiro momento dependa de uma decisão individual, submeter-se ou não à vacina, a imunização poderá ser considerada uma estratégia de saúde pública.

Assim, o Ministério da Saúde tem competência para torná-la obrigatória se entender que nenhum direito individual pode sobrepor ao direito coletivo e estabelecer a vacinação compulsória como uma das medidas para controle da pandemia.

Já houve vacina obrigatória?

Apesar de pouco conhecido, isto já está estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente (aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas até 21 anos de idade), que prevê (parágrafo 1º do artigo 14) sanções aos pais que não completarem o calendário de vacinação. Estas variam de pagamento de 3 a 20 salários mínimos até seu extremo, que é a perda de guarda da criança, após uma ação judicial apurando responsabilidades.

Deixar de vacinar os filhos mais uma vez, outra multa poderá ser aplicada no valor do dobro da primeira.
A Portaria nº 597, de 08 de abril de 2004 do Ministério da Saúde, estabelece que o calendário de vacinação incompleto prevê várias outras sanções como não se matricular em creches e instituições de ensino, efetuar o alistamento militar ou não receber benefícios sociais do governo.

Outras situações de obrigatoriedade para a vacinação (Portaria nº 1.986/2001 do Ministério da Saúde) aplicam-se a trabalhadores das áreas portuárias, aeroportuárias, de terminais e passagens de fronteiras.

Apesar do direito à liberdade estar previsto na Constituição, pode o Estado determinar que o interesse coletivo prevaleça sobre o individual sob a premissa de que a vacinação funciona como barreira contra a disseminação da doença e seja de interesse e direito da comunidade a vacinação de todos.

Assim como outros comportamentos individuais, como dirigir em velocidade não compatível ou sob uso de álcool e não uso de máscaras durante a pandemia são caracterizados como práticas nocivas à coletividade, a escolha de não vacinar-se pode ser caracterizada como abuso do direito individual, uma vez que a imunização da sociedade só ocorrerá se feita em larga escala.

Mas se eu me vacinar já não estarei protegido?

Possivelmente, mas este assunto ganha em importância sobretudo se houver uma parte da população que por ventura não possa receber a vacina para o novo coronavírus (gestantes por exemplo, apesar de ainda não termos como certa essa informação), ou se considerarmos que não há vacina que tenha 100% de eficiência.

No caso de crianças por exemplo, sobretudo as mais fragilizadas por comorbidades, não vaciná-las por qualquer que seja o motivo, como crenças pessoais, crenças religiosas, preconceito sobre o país de origem da vacina, colocando-as em situação de vulnerabilidade, pode ser visto como ato de negligência e irresponsabilidade dos pais.

A ponto de que se uma criança morrer por uma doença descoberta da vacinação, os pais ou responsáveis podem ser penalizados, nos termos do Código Penal, por homicídio culposo.

Lembremos que o Estado também pode ser responsabilizado se não garantir o acesso da população às vacinas obrigatórias.

O Brasil possui um dos melhores sistemas públicos de vacinação do mundo. O chamado PNI (Programa Nacional de Imunizações) foi criado em 1973. Hoje, o calendário do Ministério da Saúde conta com 15 vacinas gratuitas aplicadas antes dos 10 anos de idade.

Por que alguém deixa de se vacinar?

Dados do DataSUS demonstram que a cobertura vacinal em crianças não alcança a meta desde 2015. Nove das 10 vacinas obrigatórias até o primeiro ano de vida estão com cobertura abaixo do recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Os movimentos anti-vacinas têm, certamente, responsabilidade sobre esses dados.

Outro fator para essa diminuição de desempenho é paradoxalmente os bons resultados obtidos em anos de campanha, fazendo com que algumas doenças tenham diminuído bastante na sociedade (como a difteria, rubéola, paralisia infantil, entre outras), a ponto de alguns erroneamente acreditarem que não precisam mais se vacinar.

Assim, as vacinas são vítimas de seu próprio sucesso.

Adicione-se a estes fatores um novo elemento, que também pode interferir nesta cobertura vacinal contra o novo coronavírus, que é o preconceito da origem de algumas vacinas. Este preconceito é absolutamente injustificado, dado que todas elas serão produzidas por institutos da mais alta credibilidade e seriedade, como o Instituto Butantan e o Instituto Adolfo Lutz, e passarão pela aprovação de agências reguladoras como a Anvisa.

Curioso que essa desconfiança nunca esteve presente. Nunca nos perguntamos de onde vem as vacinas que tomamos e muitas delas já são importadas. Além disso, não teremos vacinas para todos de um só laboratório e não sei se teremos opção de escolha.

Em análise mais apurada, não me parece razoável em um estado democrático a obrigatoriedade da vacinação, mas acredito na força e na importância da vacina. Assim, também creio na eficiência das campanhas de vacinação no sentido de ressaltar sua importância e acabar com mitos.

Não é momento de briga política, de desunião entre pessoas ou Estados, ou de competição na indústria farmacêutica.

Lembremos que até 1955, a poliomielite era considerada o problema de saúde pública mais assustador do pós-guerra, com epidemias a cada ano cada vez mais devastadoras, pois a doença matava ou produzia algum tipo de paralisia.

Cientistas iniciaram uma corrida frenética para encontrar um meio de prevenir e curar a doença. Após anos de pesquisa, Jonas Edward Salk conseguiu produzir a vacina. Além do imunizante de valor inestimável, nos deixou também o exemplo de humanidade e solidariedade ao ser perguntado sobre de quem era patente da vacina da poliomielite?

Respondeu: "É das pessoas. Não há nenhuma patente. Você poderia patentear o sol?"