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Dante Senra

Pandemia mostra que a saúde pública precisa ser priorizada novamente

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

18/07/2020 04h00

Considerando que a saúde é nosso bem maior, ela sempre foi motivo de atenção da classe política, pelo menos durante as campanhas eleitorais. Como crises expõem fragilidades, sentimos na pele durante essa pandemia as dificuldades do enfrentamento.

Entretanto, imaginar que a medicina pudesse resolver sozinha a pandemia é ignorar que o termo política de saúde tenha sido criado por uma necessidade da sociedade. Há de se ter uma rede de proteção social porque nossa sociedade é absolutamente desigual.

Como disse o médico, escritor, paleontólogo e político alemão Rudolph Virchow: "A medicina é a ciência social e a política não é, senão, medicina em larga escala".

Vejamos alguns fatos históricos para corroborar esta afirmação.

A preocupação com a saúde e a previdência começam a se organizar no Brasil nos anos 20, com o surgimento de caixas de aposentadorias e pensões (CAPs). Eram entidades que, geridas pelos trabalhadores de empresas, ofereciam aos associados aposentadoria, remédios e assistência médica.

Mas foi na chamada era Vargas (1930-45), que inegavelmente conquistas sociais e trabalhistas tiveram um lugar de destaque.

A busca pela modernidade e projeção internacional não combinavam mais com um país doente. Assim, embora medidas de intervenção na saúde pelo estado brasileiro já tivessem marcado a chamada República Velha, como campanhas de vacinação da população (revolta da vacina, ocorrida em 1904) e lutas contra as principais doenças infecciosas como febre amarela, varíola e tuberculose, se aprimoraram neste período as ações de Estado acerca da saúde pública.

Ficava claro que não era possível a construção de um Estado forte com um povo fraco, aqui no sentido estrito de saúde frágil, ou se preferirem, doente.

Assim, segundo dados na Funasa (Fundação Nacional de Saúde), nesse governo a saúde pública foi institucionalizada pelo Ministério da Educação e Saúde Pública, mas o Ministério da Saúde, exclusivamente, surgiu apenas em 25 de julho de 1953 pela Lei nº 1.920.

No mesmo ano, tornou obrigatória a iodação do sal de cozinha destinado a consumo alimentar nas regiões onde o bócio era comum do país (Lei nº 1.944, de 14/8/1953).

Em 1954, o estado estabelece normas gerais sobre a defesa e proteção da saúde: é dever do Estado, bem como da família, defender e proteger a saúde do indivíduo (Lei nº 2.312, de 3/ 9/1954).

Ainda em 1970, a taxa de mortalidade infantil (número de mortes antes de completar um ano de idade) era de 120,7 a cada mil nascimentos vivos, que é um dado relevante para se obter a eficácia dos sistemas públicos, (para comparação, em 2019 foi de 12,4 a cada mil nascidos vivos), ficando assim, evidente a necessidade de atuação.

Cria-se o Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), autarquia federal, em 1977, pela Lei nº 6.439 no regime militar, com o desmembramento do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), que hoje é INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).

A ele tinham direito os trabalhadores com carteira assinada e seus dependentes (estima-se que menos que 50% da população brasileira). O restante da população ou pagaria com recursos próprios ou contava com a caridade de hospitais filantrópicos, como as Santas Casas de Saúde.

O SUS (Sistema Único de Saúde) foi criado apenas em 1988 pela Constituição Federal Brasileira, que determina que é dever do Estado garantir saúde a toda a população brasileira e estabelece atendimento de saúde de forma integral a todos os brasileiros, transformando-o no maior sistema de saúde público do mundo.

Claro está que críticas a este sistema que se propõe a assegurar direitos a nossa carente população têm fundamentos no sentido de cumprimento de seus princípios doutrinários, tais como Universalidade, Integralidade, Participação Popular e Controle Social e Equidade. Isso porque carece de investimentos.

Os gastos públicos com saúde no Brasil equivalem a 3,8% do PIB (Produto Interno Bruto), o que coloca o país na 64ª posição em gastos com saúde, no ranking com 183 países.

Entretanto, mesmo os críticos mais fervorosos desse sistema tiveram que curvar-se e reconhecer a importância do nosso sistema público de saúde nesta pandemia.

Nos EUA, ficou clara a falta de um sistema público de saúde neste momento.

E isso com certeza será o grande legado que a pandemia deixará naquele país, pois como dizia Winston Churchill: "Os Estados Unidos sempre fazem a coisa certa, mas só depois de tentarem todas as outras alternativas".

Torçamos para que o investimento e a valorização do nosso SUS sejam o legado. Mas o que fica claro globalmente é que a saúde pública precisa ser priorizada novamente.

Óbvio que os profissionais de saúde fizeram e estão fazendo sua parte de forma primorosa, mas precisam de um sistema estruturado.

Como afirmou o presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina) em 2016, "os médicos são importantes agentes políticos, em defesa das causas públicas. Nesse sentido, sem interesses político-partidários".

Vimos, neste momento, além de todas as dificuldades para o enfrentamento deste poderoso inimigo, a inaptidão que tornou maior do que deveria essa pandemia. A politização de medicamentos de forma tão folclórica quanto ridícula.

Essa ode ao ódio político seguramente tirou vidas e cerceou a atuação da medicina.

Sem entrar no mérito da eficácia, cabe ao médico prescrever medicamentos e, ao estado, simplesmente fornecê-los.

Nosso país, governo e sociedade têm agora a oportunidade de rever os problemas de desigualdades sociais e priorizar os sistemas públicos de saúde.

O Estado, por sua vez, deve continuar a ajudar a ciência a proteger a sociedade e, se possível, como dizia a música composta pelo sambista baiano Clementino Rodrigues conhecido pelo apelido de Riachão, "cada macaco no seu galho".