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Dante Senra

Medicina de um futuro bem próximo tem uma pitada de Jetsons e Star Trek

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Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

21/12/2019 04h00

Certamente quando me formei, há mais de 30 anos, sabíamos que em sua evolução natural a medicina seria muito menos invasiva e quiçá, nada agressiva. O caminho é longo, mas andamos muito!

Certa vez li um texto intitulado "How Much of the Jetsons' futuristic world has become a reality?" (Quanto do mundo futurista dos Jetsons se tornou realidade?, em tradução livre) por Rupal Parekh, 2012 (AdAge) e fiquei pensando sobre a evolução da medicina.

Para os que desconhecem "A família Jetsons", trata-se de uma criativa animação do estúdio Hanna-Barbera do início dos anos 60, em que os personagens tinham um estilo de vida futurista, já que viviam em 2062.

Muitas situações vivenciadas no cotidiano da família transformaram-se em nossa realidade hoje, como a telefonia móvel e ferramentas de conversa por vídeo (ainda esperamos pela perfeita funcionária-robô e os carros voadores!).

Na medicina já se acredita que exista tecnologia para repetir a clonagem experimentada por George, o patriarca da família, (ele resolveu copiar a si mesmo para ficar em casa descansando enquanto seu clone trabalhava) mas a prática é impedida por dilemas éticos e legais e muitas leis em todo o mundo que a proíbem.

Cães e ovelhas já foram clonados, como sabemos, e estamos quase podendo duplicar órgãos através do DNA, o que resolveria o problema dos transplantes.

Outra série que pode ter nos servido de exemplo, ou pelo menos inspiração, foi Jornada nas Estrelas (Star Trek), nos mostrando que seus idealizadores podem ter tido premonições de como seria a medicina no futuro.

O sonhado tricorder médico do Dr. McCoy, um dispositivo portátil que era capaz de realizar diagnósticos rápidos e precisos após escaneamento, parece estar mais próximo. Um prêmio-incentivo de US$ 10 milhões, oferecido pela Qualcomm (empresa americana que produz chipsets e processadores para smartphones), o Tricorder X PRIZE, que foi anunciado em 2012, tem estimulado uma competição em nível global entre as comunidades científicas e médicas de 30 países para criar tal dispositivo.

A ideia sobre os tricorders é de que eles irão ser aparelhos multifuncionais, capazes de medir a pressão sanguínea, frequência cardíaca e temperatura corporal de uma forma não invasiva, como um dispositivo individual (sem qualquer tipo de conexão), ou ligado a bancos de dados médicos através de uma conexão com a internet. Também poderão analisar batimentos cardíacos, oximetria (oxigenação do sangue) e realizar um eletrocardiograma.

A discriminação

Outro aspecto interessante da série é a manutenção do princípio hipocrático de ética e igualdade de tratamento para todos como quando Dr. McCoy fazia o impossível para salvar seus pacientes sejam da federação ou alienígenas inimigos, com respeito a diversidade de povos e raças.

Infelizmente ainda temos discriminação, mas de ordem econômica, o que poderá parecer insano, e é mesmo, quando analisada no futuro próximo. Me refiro ao não acesso dos menos favorecidos a esses recursos tecnológicos, privando os pobres de nosso país do mais fundamental direito... a saúde de qualidade!

A Terra de 2020

Vivemos um momento na medicina no qual as cirurgias de grande porte, com grandes incisões em nossos crânios e tórax, são quase situações de exceção.

Há 30 anos, dificilmente encontrávamos uma família onde não havia pelo menos um de seus membros operados de úlcera no estômago. Hoje, complicações de úlceras tratam-se com endoscopia, em sua maioria.

Tratamos aneurismas (dilatações das artérias) cerebrais ou torácicos-abdominais com stents (dispositivos colocados com cateteres pelas artérias), trocamos válvulas do coração e abrimos artérias entupidas sem mais necessidade de abrir o tórax.

Cirurgias guiadas pela tecnologia de câmeras, como a laparoscopia, hoje são maioria com vantagens importantes como incisões (cortes) mínimas e recuperação muito mais rápida.

A cirurgia robótica pode ser considerada uma evolução da cirurgia minimamente invasiva laparoscópica. Ela tornou-se realidade e vem revolucionando as abordagens médicas.

Segundo a Sobracil (Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica), apenas no ano passado, mais de 6 mil brasileiros foram operados com o auxílio da robótica e este número não para de crescer, com expectativa de aumento de 30% ao ano.

Isso não quer dizer que vamos depender totalmente das máquinas nas cirurgias. Os movimentos do robô ainda não são autônomos, e acredito que não serão. A tecnologia depende inteiramente do ser humano e só funciona com a existência de um médico para operacionalizá-la.

Qualquer movimento realizado pelo robô foi feito pelo cirurgião no console. No entanto, diante de ações imprevistas pelo cirurgião, a tecnologia robótica aciona um comando de segurança que trava provisoriamente a máquina, evitando danos ao paciente. Se o médico tirar o rosto da tela de controle, o robô também para automaticamente.

Por serem mais complexas, as cirurgias robóticas seguem também um protocolo de checagem de todos os itens de segurança a cada uma hora de cirurgia, aproximadamente.

As vantagens são inúmeras, como incisões mínimas, acesso a áreas mais delicadas do corpo humano e execução de movimentos milimétricos, minimizando em muito a possibilidade de erro, com óbvia recuperação mais rápida do paciente.

Ainda na robótica, o médico tem, por meio do console, a possibilidade de simular o movimento do punho, com visão de 360º.

Não só cirurgias presenciais podem ser feitas hoje com robô, mas também aquelas à distância, em locais que não contam com um cirurgião especialista na área necessitada. Isso é chamado de tele-presença do médico-cirurgião. Também é possível a tele-colaboração, quando mais de um médico-cirurgião (podendo ser de hospitais diferentes) participa da mesma operação.

Robôs cadeira de rodas ou cadeira de rodas robotizada (criado pelo MIT - Massachusetts Institute of Technology - nos Estados Unidos) para pessoas deficientes, com sensores colocados à volta dos olhos do operador (deficiente) para que possa controlar a cadeira apenas com o olhar já estão em fase final de teste.

Membros artificiais robóticos já obedecem a comandos do seu utilizador deficiente. Os cientistas da área de neurociência investigam como se pode usar as nossas ondas cerebrais e a interface entre o nosso cérebro e o computador.

Órgãos artificiais que funcionam automatizados como o coração já são utilizados como pontes para realização de transplantes. No cotidiano dos hospitais, respiradores substituem os pulmões, e diálises, os rins.

No nosso cotidiano, os medicamentos estão mais eficientes, com menos efeitos colaterais e posologias muito mais cômodas (intervalo entre as doses cada vez maiores). Alguns deles podem ser tomados apenas uma vez ao mês, como o alandronato, medicamento para osteoporose.

O que podemos esperar no futuro próximo?

O transplante de células-tronco (são células imaturas, bem jovens, que têm a capacidade de se transformar em vários tipos de tecidos diferentes) de um organismo para outro já está consagrado e consolidado no tratamento de doenças hematológicas, como a leucemia, alguns tipos de anemia e linfomas.

Quando falamos de células-tronco, entretanto, para tratar AVC (acidentes vasculares cerebrais), doenças cardíacas, diabetes e lesão de medula espinhal, estamos falando ainda de pesquisa clínica. Adiantadas, mas ainda em fase de pesquisa clínica.

O futuro próximo, entretanto, nos reserva grandes avanços, como a nanomedicina. Talvez seja um dos ramos mais promissores da medicina contemporânea. Trata-se de manipulação a nível molecular ou atômico através de injeção direta na corrente sanguínea do paciente ou da ingestão de pílulas ou comprimidos dos chamados nano dispositivos que, dentre outras coisas, identificariam e destruiriam células cancerosas ou infectadas por vírus.

Segundo o futurólogo da atualidade preferido de Bill Clinton e Bill Gates, Raymond Kurzweil, "o desafio da ciência é interferir nos mecanismos biológicos através da nanotecnologia para reprogramar o RNA e melhorar a produção de enzimas e proteínas. Aí sim, o homem viverá muito mais porque será possível curar doenças antes mesmo que elas se manifestem".

Contudo, algumas coisas nesse novo universo, ainda não estão muito claras para nós:

- Que papel desempenhará o ser humano nesse mundo tecnológico?
- Como será nossa relação e a adaptação com tanta tecnologia?
- Dependeremos ou apenas usufruiremos da tecnologia no futuro?
- A quem caberá o custo de tamanha injeção de tecnologia na área médica?
- Esse custo será o grande limitante da vida saudável e longeva?

Dizem que nada melhor que um sonho para criar o futuro. A resposta a todas essas questões já nos foi dada no passado por um "futurólogo" chamado Abraham Lincoln que dizia: "A melhor coisa do futuro é que ele chega à razão de um dia de cada vez".