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Dante Senra

Poluição e frio prejudicam o pulmão e o coração; saiba como

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

28/09/2019 04h00

Todos sabemos que, além de problemas ao meio ambiente, a poluição atmosférica também ocasiona inúmeros e graves problemas de saúde. A relação entre baixa qualidade do ar e doenças respiratórias e cardiovasculares, e até com a saúde dos bebês que ainda estão sendo gerados, já é bem estabelecida.

Peguemos o exemplo de Cubatão, cidade paulista que, no inicio da década de 80, vivia frequentes episódios críticos de poluição do ar na área industrial, que ultrapassavam a casa dos 500 mcg/m3 por dia. Para se ter uma ideia, o padrão de qualidade da legislação brasileira é de 150 mcg/m3 para as 24h.

Entre outubro de 1981 e abril de 1982, cerca 1.800 crianças nasceram na cidade. Destas, 37 nasceram mortas, enquanto outras chegaram com problemas neurológicos sérios e anencefalia. Cubatão era líder em casos de problemas respiratórios no país e conhecida como "Vale da morte". O cenário só mudou após investimentos, que conferiram à cidade, na década de 90, um selo verde da ONU (Organização das Nações Unidas), que reconheceu a cidade como exemplo de recuperação ambiental.

Mesmo com bons exemplos surgindo aqui e ali, o cenário mundial ainda é crítico. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), mais de sete milhões de pessoas morrem anualmente por causa da contaminação do ar. Ainda segundo a mesma entidade, apenas 12% da população mundial vive em áreas consideradas aceitáveis (com ar limpo). Além disso, metade dos habitantes do planeta vive em cidades com taxa de poluição duas vezes maior do que o nível considerado razoável pela OMS (inclusive São Paulo). Atualmente, estima-se que uma em cada oito mortes no mundo está relacionada com a aspiração de poluentes.

Quando não causam mortes, os poluentes provocam uma queda na qualidade de vida. Isso porque eles estão relacionados à diminuição da eficácia do sistema mucociliar das nossas narinas (o sistema protetor contra aspiração de impurezas) e também ao aumento da incidência de câncer de pulmão e de doenças cardiovasculares.

É importante lembrar que, nesse contexto, crianças e idosos são os públicos mais vulneráveis, sendo frequentemente internados com doenças respiratórias.

O que são poluentes?

Para efeito didático, podemos dividir os poluentes do ar em duas categorias: os primários e os secundários. Os primários são todos os que chegam ao ar diretamente do agente poluidor, a partir dos carros, por exemplo. Já o secundário é aquele que se forma no ar como consequência de reações químicas dos poluentes primários. Esta poluição pode, ainda, vir dos próprios poluentes que fazem parte da atmosfera.

Dentre os principais poluentes do ar estão a fumaça, a poeira e qualquer outro material que fique no ar, não importa o tamanho e se é líquido ou sólido (chamados de material particulado), dióxido de enxofre, ozônio, dióxido de nitrogênio e monóxido de carbono.

As principais fontes de emissão de materiais particulados para a atmosfera são veículos automotores, processos industriais, queima de biomassa e ressuspensão de poeira do solo, entre outros.

No sistema respiratório, a ligação do monóxido de carbono (produto resultante da queima incompleta dos combustíveis) e da hemoglobina (pigmento do sangue) reduz a oxigenação das células, do cérebro e do coração. Dependendo de sua concentração, pode causar desde dores de cabeça, vertigens, perturbações sensoriais até à morte por asfixia.

Já o ozônio (molécula composta por três átomos de oxigênio; ele é formado quando as moléculas de oxigênio se rompem devido à radiação ultravioleta que vem do sol e os átomos, separados, combinam-se individualmente com outras moléculas de oxigênio) possui atividade oxidante e tóxica para as células, podendo causar irritação nos olhos e diminuição da capacidade pulmonar.

O dióxido de enxofre (produto resultante da queima de qualquer matéria orgânica, óleo combustíveis industrial, óleo diesel, enxofre ou gasolina) causa ou agrava os problemas respiratórios, produzindo irritações das vias aéreas, provocando ou piorando quadros de asma, bronquite crônica e pneumonia. Por causa desse poluente é que temos o fenômeno da chuva ácida. Outro poluente, o dióxido de nitrogênio, pode produzir o mesmo efeito, causando graves danos aos pulmões.

Já o chumbo (produto usado na gasolina para aumentar sua octanagem) causa perturbações nervosas, principalmente em crianças. A inalação desse metal causa anemia pois dificulta a síntese da hemoglobina no sangue. No Brasil, o chumbo foi substituído por álcool etílico anidro em 1992. Porém, esse poluente ainda pode ser encontrado em grandes quantidades próximo a fábricas e indústrias que trabalham com chumbo.

Existem ainda os chamados hidrocarbonetos (uma extensa quantidade de substâncias em que as mais conhecidas são constituintes do petróleo e gás), também considerados poluentes que podem causar grandes malefícios a saúde. Resultado de vapores e gases que não se queimam completamente, essas substâncias são responsáveis, por exemplo, pela produção de mutações genéticas importantes e até pela indução ao surgimento de câncer.

Os efeitos ao pulmão e ao coração

Os malefícios da poluição à saúde não são exatamente uma novidade. Mas, cada vez mais, surgem estudos com evidências mais sólidas sobre o assunto. Um time de pesquisadores da escola de medicina da Universidade de Nova York, por exemplo, recentemente forneceu evidências de que exposição à poluição do ar, mesmo dentro dos níveis aceitáveis pela legislação federal americana — e muito mais exigente que a brasileira neste aspecto — provoca doenças no coração.

Em outro estudo, ficou demonstrado que a exposição às micropartículas produzidas na queima de combustíveis fósseis, como as produzidas pelos veículos, aumenta o risco de infarto do miocárdio.

O coração acaba sofrendo porque, quando respiramos ar poluído, o pulmão tem dificuldade para executar a filtração, fazendo com que cheque menos oxigênio até ele. O órgão, então, precisa trabalhar mais para suprir essa carência — o que pode ser um problema para quem tem problemas cardiovasculares. Infarto, arritmias cardíacas, constrição dos vasos provocando hipertensão arterial, aumento de coagulação e risco de trombose são todos problemas que a poluição pode causar.

Nos hospitais cardiológicos de São Paulo, por exemplo, sabe-se que há um aumento de 16% a 18% no atendimento de pacientes com infarto e dor no peito nos dias com maiores índices de poluição.

A influência da temperatura

Como se não bastassem os problemas causados pela poluição, as flutuações de temperatura, que estão se acentuando cada vez mais nos últimos anos, também provocam problemas na saúde.

Diversos estudos mostram que a mortalidade por infarto agudo do miocárdio é cerca de 30% maior nos meses mais frios, chegando a 44% a mais entre as pessoas com mais de 75 anos. Também o frio aumenta o risco de acidente vascular cerebral em torno de 20%.

Em um estudo publicado no em 2018 na revista JAMA Cardiology, a incidência de ataques cardíacos em uma amostra de mais de um quarto de milhão de pessoas aumentou com a menor temperatura do ar, menor pressão atmosférica, maior velocidade do vento e menor duração da luz solar. Nesse estudo, a temperatura parece ser o fator mais relevante, já que um aumento de 7,4% no termômetro foi associado a uma redução de 2,8% no risco de ataque cardíaco.

O que percebemos é que as pessoas têm mais problemas cardiovasculares nas temperaturas menores e nas variações térmicas grandes.
Além da qualidade do ar e da dispersão de poluentes ficar mais difícil nesse cenário, ao sentir o frio, os receptores nervosos da pele estimulam a liberação de adrenalina e noradrenalina, hormônios responsáveis por contrair os vasos sanguíneos. Esse é um mecanismo que diminui a dissipação do calor, muito importante para enfrentarmos o frio (por isso a ponta do nariz e as mãos ficam mais frias).

Por outro lado, essa diminuição do calibre das artérias pode aumentar a pressão arterial. Pode, ainda, gerar rupturas de placas de gordura no interior das artérias coronárias, que irrigam o coração.

Outro fator a ser considerado é que, com o frio, o sangue pode ficar mais denso (já que ingerimos menos líquidos em baixas temperaturas), dificultando a circulação por desidratação. Por isso, é necessário ingerir muito líquido, até mais que durante o verão.

Grandes variações de temperatura também podem produzir os chamados espasmos (contrações das artérias do coração). Há inúmeros relatos de pessoas que sofreram infartos e até morte súbita ao saírem de saunas e se lançarem em piscinas geladas.

Combinação de fatores pode ser perigosa

Não é possível saber qual dos dois fatores — poluição ou frio — é pior para saúde cardiovascular. Mas a presença de ambos aumenta em muito o risco, especialmente para quem já convive com alguma condição. Isso faz com que medidas de proteção (como ingerir bastante água mesmo nos dias de temperatura mais baixa) um cuidado fundamental para as nossas vidas.

A experiência de Cubatão nos mostra que é, sim, possível construir cidades sustentáveis, onde proteção ambiental, qualidade de vida e eficiência econômica coexistem de forma equilibrada e harmônica.

O ponto é que nada foi aprendido com esse exemplo, já que ele não foi replicado. Quantos bebês anencéfalos precisam nascer novamente para que a qualidade do ar que respiramos seja repensada?

Como disse o quadrinista americano Bob Thaves, que faleceu em 2006 vítima de problemas respiratórios: "Entende-se que a poluição é o preço do progresso. Mas, por que temos que pagar o preço antes?"