Topo

Cristiane Segatto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

É preciso reduzir o excesso de remédios na velhice e proteger as mulheres

iStock
Imagem: iStock

Colunista do UOL

19/05/2021 04h00

Quem nunca se espantou com a quantidade de medicamentos consumidos por um parente ou amigo idoso? Ao ver uma coleção de caixinhas, comprimidos e frascos, é difícil não se preocupar com o risco de confusão sobre as doses, os horários e as instruções de uso.

E o pior: com a possibilidade de interações indesejadas entre as drogas. Nessas condições, elas podem prejudicar a saúde de quem imaginava estar cuidando bem dela.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), polifarmácia é o uso rotineiro e concomitante de cinco ou mais medicamentos, com ou sem prescrição médica. Um fenômeno comum entre os idosos, principalmente quando eles são tratados por diferentes especialistas - e não por um médico de família ou outro profissional que tenha conhecimento sobre todas as drogas consumidas pelo paciente.

"Na Europa, um idoso tomar cinco remédios já é motivo de espanto. Durante o meu doutorado, constatei que no Brasil os idosos tomam, em média, 11 medicamentos", disse a médica Martha Oliveira em entrevista publicada recentemente aqui na coluna.

"Quando vamos à casa dos nossos pacientes e pedimos para ver os remédios, eles chegam com duas caixas de sapato cheias de medicação", afirma Martha, especialista em envelhecimento e doutora em gestão de sistemas de saúde para idosos.

Receitas demais

Repensar a necessidade e a segurança dessas múltiplas prescrições é fundamental. Uma preocupação que deveria não só estar enraizada na prática médica como também ocupar as atenções do próprio paciente e de seus familiares ou cuidadores.

Não é simples a tarefa de rever as prescrições de medicamentos que não são mais necessários, reduzir as doses e melhorar a segurança dos tratamentos, sem comprometer o controle das doenças.

Para ajudar nisso, oito geriatras com amplo conhecimento em farmacologia, que vivem em seis países, publicaram um artigo na revista científica The Lancet Healthy Longevity, na semana passada.

O trabalho propõe um guia com cinco passos (abaixo) para reduzir prescrições de forma segura e interromper o uso inadequado de medicamentos.

Mulheres em risco

Os autores argumentam que fatores relacionados ao sexo (biológicos) e ao gênero (socioculturais) devem ser levados em conta pelos médicos para tornar as prescrições mais seguras.

Esses mesmos fatores precisam estar no radar das próximas pesquisas se quisermos entender os mecanismos por trás da prescrição inadequada de drogas aos idosos em geral - e às idosas, em particular.

Por razões socioeconômicas, mulheres idosas costumam se tornar cuidadoras de seus maridos, filhos, netos e outros parentes. O inverso, homens que assumem essa posição quando envelhecem, é menos comum.

Poucas mulheres podem contar com um parceiro que as ajudem na supervisão dos medicamentos e as apoiem na saúde e na doença. Essa conjuntura faz com que o risco de danos provocados por remédios na velhice seja mais elevado em pacientes do sexo feminino.

"Mulheres e homens respondem às terapias medicamentosas de maneira diferente", escrevem os autores Paula A. Rochon, do Women's College Hospital, em Toronto, no Canadá, e colegas.

"Quando as diferenças de sexo e gênero não são consideradas, as mulheres correm risco mais elevado de danos relacionados à medicação. É notável a ausência dessa informação fundamental na literatura médica", assinalam.

No Reino Unido, por exemplo, mais de 30% dos cuidadores têm entre 55 anos e 65 anos e são do sexo feminino. Parte da explicação recai sobre o fato de que as mulheres tendem a ser mais longevas. Além disso, elas costumam ter mais problemas crônicos de saúde. Mesmo assim, as mulheres são menos incluídas do que os homens em estudos clínicos de medicamentos usados na velhice.

Como tornar o consumo de remédios mais seguro

Os autores criaram um guia com cinco passos para ajudar os médicos a melhorar a segurança das prescrições para idosos:

1) Discutir os objetivos

É fundamental entender o que realmente importa para o paciente e incluí-lo (assim como os cuidadores) na decisão sobre a escolha dos medicamentos. Lembre-se que muitas mulheres idosas não têm um cuidador para advogar por elas no momento dessa discussão

2) Rever as medicações

Encoraje o paciente a trazer a lista de remédios usados com ou sem prescrição médica. Considere o fato de que, em geral, as mulheres tomam mais medicamentos que os homens. Reveja as medicações quando os objetivos tiverem sido alcançados ou mudarem. Considere que efeitos colaterais possam ser a causa de um novo sintoma e descontinue drogas desnecessárias. Sempre que necessário, reduza as doses ou considere o uso de opções não-farmacológicas.

3) Usar ferramentas

Adote critérios criados para avaliar prescrições inadequadas como o STOPP e outros. Pergunte quais medicamentos foram prescritos para amenizar efeitos colaterais de outras drogas. Observe se o idoso poderia ser beneficiado por doses menores e lembre-se que mulheres costumam receber mais drogas psicoativas que os homens. Avalie se esses remédios são realmente necessários.

4) Observar o contexto

Assim como os geriatras, avalie como a fragilidade, o comprometimento cognitivo e a expectativa de vida limitada reduzem o benefício dos medicamentos, aumentam os eventos adversos ou interferem na adesão ao tratamento.

5) Reduzir a lista

Depois de uma avaliação cuidadosa, exclua os medicamentos desnecessários ou que estejam comprometendo a segurança do paciente. Em geral, as mulheres costumam conversar com os médicos sobre a necessidade de interrupção de uso de remédios com mais frequência do que os homens.

A discussão levantada pelo artigo publicado no The Lancet Healthy Longevity é oportuna. Melhorar a prescrição de drogas para idosos deve ser uma prioridade em todos os sistemas de saúde. Uma conversa que deve começar em família e ser expandida no consultório dos médicos de confiança. Todos ganham quando a decisão sobre consumo de remédios é embasada na melhor ciência e em informação clara e acessível.

O que você achou deste conteúdo? Comentários, críticas e sugestões também podem ser enviados pelo email segatto.jornalismo@gmail.com