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Cristiane Segatto

Covid-19: o que fazer hoje para evitar a exaustão das equipes de saúde

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

18/11/2020 04h00

Pense bem antes de planejar o reencontro presencial para matar a saudade dos amigos e dos colegas de trabalho. Ou de organizar o Natal em família e a escapadinha "com toda a segurança" para a praia no final de um ano que já vai tarde.

Estamos todos carentes de abraço, de olho no olho sem overdose de zoom, de afagos na alma, mas não é hora de relaxar. Os brindes, a comilança e as boas risadas com quem a gente mais gosta podem sair caro (muito caro) desta vez.

Sem vacinas eficazes ao alcance da maioria, não dá para abrir mão do distanciamento social, do uso correto de máscara, da água com sabão, do álcool gel. Na última semana, a média de internações de pacientes com covid-19 registrou crescimento de 18% no estado de São Paulo.

Os hospitais privados estão cheios. Não só porque as internações por covid-19 aumentaram, mas também pela retomada dos procedimentos eletivos que haviam sido adiados nos meses anteriores. Leitos públicos destinados aos pacientes com o vírus foram desativados. Diante do repique da pandemia, eles serão reativados?

Esgotados e feridos

Nesse cenário, o que temos feito para evitar a exaustão dos profissionais de saúde? Desde março, eles vivem um enorme sofrimento físico e emocional. Perderam colegas, se infectaram, colocaram seus familiares em risco a cada volta para casa. Estão esgotados e emocionalmente feridos.

Com qual energia enfrentarão a carga extra que o aumento de internações começa a exigir? Quais braços e mentes estarão disponíveis para salvar os novos doentes? Para cuidar de mim, de você ou de nossos familiares?

Durante os piores meses da pandemia, muitos profissionais de saúde precisaram trabalhar sem ter equipamentos de proteção ou assumiram funções para as quais não se sentiam preparados. Na falta de respiradores, leitos e outros recursos, precisaram decidir quem deveria ser salvo.

No Brasil, ter que eleger qual paciente deve receber a chance de continuar vivo (ao ocupar um leito de UTI, por exemplo) não é novidade, mas a pandemia agravou a intensidade e a frequência das escolhas trágicas.

Crescimento pós-traumático

Quais marcas emocionais, quais escaras difíceis de curar o enfrentamento da covid-19 tem deixado nas equipes? Contribuir para a saúde física e mental de quem cuida da nossa está ao alcance de todos. Basta ter um pouco de prudência e compaixão.

Aos hospitais e outras instituições de saúde, cabe oferecer apoio psicológico e criar condições para que os profissionais consigam lidar com esse sofrimento intenso.

Em um artigo publicado na semana passada no Journal of the American Medical Association (JAMA), a médica Kristine Olson, da Yale School of Medicine, e colegas explicam como as instituições podem estimular nos profissionais o chamado crescimento pós-traumático.

Ele é definido como uma mudança psicológica positiva que pode ocorrer depois de uma batalha em circunstâncias de vida altamente desafiadoras. O crescimento pós-traumático envolve cinco domínios:

* Desenvolvimento de relacionamentos mais profundos

* Abertura para novas possibilidades

* Maior sensação de força

* Sentido de espiritualidade

* Autoconfiança e reconhecimento do que é importante

O sofrimento intenso pode funcionar como uma chamada, um forte estímulo para que a pessoa reorganize as prioridades de sua vida.

No artigo, os pesquisadores apontam passos que as organizações de saúde devem seguir para desenvolver o crescimento pós-traumático dos profissionais que enfrentaram a pandemia:

1) Reserve um tempo para avaliar como o indivíduo e a organização foram afetados pela pandemia e o que pode ser aprendido com a experiência. Envolva uma equipe de líderes dedicada e transparente e os profissionais de saúde para imaginar um "novo normal".

2) Identifique modelos (indivíduos ou organizações) que cresceram durante a adversidade. Ao superar condições de extremas (como as da pandemia), como puderam emergir mais fortes, inspirados e resilientes?

3) Aprenda a ver a situação atual como um trauma com consequências, mas também como uma oportunidade de "reinventar" ou melhorar as condições de trabalho.

4) Pergunte como a pandemia pode servir como um catalisador ou trampolim para o crescimento e a mudança. A criatividade é um importante motor de crescimento.

5) Quais novas ideias, atitudes, procedimentos e estruturas os indivíduos e as organizações podem gerar como resultado de suas experiências durante a pandemia?

6) Avalie como essa experiência pode ter servido para conectar o indivíduo ou organização à sociedade.

7) Ao lidar com o sentimento de perda e luto da pandemia e de outros tempos de crise, é possível observar o que está faltando. Os líderes estão cuidando suficientemente das pessoas? Existem motivos para ser otimista?

"Não é o trauma que causa o crescimento, mas como os indivíduos e as organizações o interpretam e respondem a ele. Compartilhar as lições aprendidas pode resultar na percepção de que colegas e organizações semelhantes podem contar uns com os outros para superar obstáculos", escrevem os autores.

"O crescimento pós-traumático não minimiza a seriedade e a gravidade do que aconteceu, mas pode emergir da adversidade após o importante processo de luto", afirmam.

Pensar duas vezes

Evitar a esgotamento físico e mental dos profissionais de saúde não é responsabilidade apenas de seus empregadores. Quem tem um pingo de inteligência e alguma empatia é capaz de contribuir hoje mesmo para evitar a exaustão das equipes.

Basta pensar duas vezes antes de agendar encontros e abrir espaço para descuidos. Se não for por inteligência e empatia, que seja por egoísmo. Sossegue em casa para poupar os profissionais de saúde que podem salvar sua pele, caso precise deles.

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