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Cristiane Segatto

Falta tomografia? A importância do ultrassom pulmonar nos casos de covid-19

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

10/06/2020 04h00

Desde o início da pandemia, a tomografia tem sido retratada como o exame de imagem ideal para apontar as alterações pulmonares provocadas pela covid-19. Não está errado.

De acordo com o conhecimento acumulado até hoje, ela ainda é aquilo que os médicos chamam de "padrão-ouro" —a melhor ferramenta de diagnóstico e avaliação da extensão dos danos provocados pelo novo coronavírus. Exatamente aqueles danos que costumam levar os doentes às unidades de terapia intensiva (UTI) ou à morte.

No entanto, há uma distância entre o ideal e o possível. Algo que os brasileiros conhecem bem, principalmente nos municípios onde a estrutura de saúde é limitada ou praticamente nula. Na falta de tomografia, o que pode ser feito pelos milhares de doentes que a covid-19 arrasta aos hospitais?

Barato e multiuso

Existe a velha (e ainda útil) radiografia, mas ela não é capaz de detectar todas as formas de lesão pulmonar provocadas pela covid-19. Entre o exame de raios-X e a tomografia, há um recurso multiuso, barato e acessível: o ultrassom.

Aquele mesmo aparelho difundido pelos serviços de saúde de todo o país (usado para acompanhar a evolução da gravidez e avaliar múltiplos órgãos) tem se mostrado um grande aliado nos casos de covid-19. A ausência de radiação e o fato de ser portátil são vantagens adicionais em relação ao tomógrafo.

"O ultrassom pulmonar é muito adequado ao Brasil, um país com limitações orçamentárias e grandes desigualdades regionais", diz o professor Giovanni Guido Cerri, presidente do Conselho Diretor do Instituto de Radiologia (InRad) do Hospital das Clínicas, em São Paulo, e ex-secretário estadual de Saúde.

"A utilidade dele no diagnóstico de comprometimento pulmonar ainda é desconhecida pela maioria dos profissionais de saúde, mas precisa ser ressaltada", afirma Cerri.

Como as ondas do ultrassom não ultrapassam os ossos, o aparelho é colocado entre as costelas, na parte lateral do tórax. De baixo para cima, de costela em costela, o médico posiciona o aparelho para que o feixe de ultrassom possa penetrar no pulmão. Dessa forma, é possível avaliar se o órgão funciona normalmente ou foi comprometido pelo novo coronavírus.

É caso de internação?

A ultrassonografia pode ser utilizada com sucesso para fazer a triagem de pacientes e identificar complicações da covid-19. Segundo Cerri, se o paciente chega ao hospital com um quadro pulmonar e há tomografia disponível, ele deve ser submetido ao exame.

"Caso não haja, o ultrassom pode dar informações importantes e ajudar a indicar quem precisa ficar internado e quem pode voltar para casa", afirma. "Estudos têm demonstrado que as manifestações do vírus vistas na tomografia também são perceptíveis no ultrassom. Isso é diferente e novo", diz ele.

Na Itália, o primeiro país europeu a enfrentar um grande surto de covid-19, os médicos passaram a usar o ultrassom para fazer diagnóstico da extensão do comprometimento pulmonar. Não havia tomografia disponível para tantos pacientes, nem condições de transportá-los até os equipamentos.

Essa experiência gerou pesquisas e vem contribuindo para a expansão do uso do ultrassom pulmonar —algo bastante restrito antes da pandemia. Segundo um estudo publicado recentemente por médicos chineses na Intensive Care Medicine, o ultrassom fornece resultados semelhantes aos da tomografia e superiores aos das radiografias, nas análises de pneumonia e de síndrome do desconforto respiratório do adulto.

No estudo chinês, foram avaliados 20 pacientes de covid-19 internados em UTI. Segundo os pesquisadores, a tomografia deve ser adotada apenas na minoria dos casos —quando restam dúvidas mesmo depois da realização do ultrassom.

Essencial na UTI

O ultrassom é muito utilizado nas unidades de terapia intensiva (UTI), independentemente do motivo da internação dos doentes. Ele serve para avaliar complicações como trombose, problemas abdominais, derrame pleural (acúmulo excessivo de líquido no espaço entre as membranas que recobrem o pulmão) ou derrame pericárdico (acúmulo entre as membranas que envolvem o coração).

O aparelho também ajuda os profissionais de saúde quando é preciso fazer punção de veias ou drenagens de coleções torácicas. Esses e outros usos são habituais, mas a covid-19 mostrou que ele pode fazer ainda mais.

Saber que é possível avaliar corretamente os pacientes graves na UTI, sem submetê-los ao risco de transporte até o tomógrafo ou de transmissão do vírus ao longo desse percurso, pode ser uma boa notícia para os profissionais de saúde. Uma das poucas em tempos sombrios.