Comer carboidrato à noite engorda? Para umas pessoas, sim; para outras, não
Ler resumo da notícia

Na internet existem dois tipos de pessoas: as que defendem que comer carboidratos à noite engorda e as que discordam disso.
Quando o assunto é alimentação, certas afirmações baseadas em experiências profissionais, pessoais ou com viés de interesse sempre confundem. Algo que defendo tanto aqui quanto na minha prática clinica é a individualização. Nesse quesito, só há uma afirmativa: há quem se beneficie do carboidrato à noite e há quem precise restringir seu consumo. Ou seja, é a individualização que dita as regras.
Se você já ouviu falar que "as calorias são o que importa e se a pessoa comer na quantidade adequada à noite não vai engordar", eu tenho uma notícia pra te dar: o que vai potencializar você engordar ou não comendo carboidratos à noite não são as calorias, e, sim, a química e a fisiologia que estão por trás do fato de que está entrando açúcar na corrente sanguínea perto da hora de dormir. E não importa se esse açúcar veio do arroz integral, da fruta, da batata ou de um doce... No final das contas, é açúcar.
Quem se beneficia de comer carboidratos à noite
Atletas e esportistas que praticam atividade física de manhã ou tarde da noite são as pessoas que se beneficiarão do consumo de carboidratos nesse momento, afinal o próprio exercício melhora a sensibilidade à insulina e a captação do açúcar da corrente sanguínea, direcionando essa molécula para os tecidos que precisam, como os dos músculos.
O açúcar precisa de insulina para ser removido da corrente sanguínea, essa liberação de insulina oferece outra cascata de reações que potencializam o anabolismo. Por si só, a insulina é responsável pelo aumento da conversão da molécula de glicose (açúcar) em ácidos graxos e triglicerídeos. Isso mesmo que você entendeu: a insulina aumenta a produção de moléculas de gordura.
Em esportistas, essa ação é importante, pois as vias metabólicas de produção de energia para a atividade física também dependem desses ácidos graxos. Portanto, quem treina pela manhã cedo ou à noite pode acabar se beneficiando em longo prazo. Exceto pelo praticante de exercícios que já possui alguma condição médica, como resistência à insulina e diabetes.
Esse mecanismo vai acontecer sempre que você consumir alimentos que contenham açúcares na composição. Mas, no organismo, uma regra ocorre: regulação e contrarregulação, ou seja, uma ação pode ser positiva para outra, ou negativa.
Exemplo: a insulina é contrarregulatória do glucagon, onde um está, o outro não pode estar, quando um age, o outro não age. A insulina é quem retira o açúcar da corrente sanguínea e direciona aos tecidos, já o glucagon é quem sinaliza os tecidos (como o fígado) para liberarem glicose na corrente sanguínea — explicação bem simplista, mas o mecanismo não é tão simples, ok?
Outra contrarregulação que ocorre é entre a insulina e a melatonina, o hormônio do sono, da vigília, do reparo tecidual e de danos, que ocorre à noite, enquanto você dorme e atinge o sono profundo e REM. Quando há desregulação do sono, distúrbios de sono, mesmo que você durma as horas que deveria dormir, você não atinge o que deveria atingir: não produz hormônios que regulam o sistema endócrino, como o GH, e inibe a ação da Lipase Hormonio Sensível (LHS) no tecido adiposo. Olha que problemão.
Como funciona? A melatonina começa a ser produzida no inicio do período noturno, quando o seu corpo — através do ritmo circadiano — se prepara para dormir, ou seja, fazer repouso metabólico. Isso não quer dizer que, enquanto você dorme, tudo fique parado. É exatamente o contrário, existe, sistemas do nosso organismo que só são eficientes no período noturno, por isso é tão importante dormir.
A melatonina reduz a sensibilidade à insulina principalmente nos tecidos periféricos, como músculos, ou seja, ação contrarregulatória, onde há insulina, não deve ter melatonina; e onde tem melatonina, não deverá ter insulina. Isso quer dizer que, se você comer alimentos fonte de açúcares nesse momento, você libera menos insulina do que deveria e, mesmo liberada, ela tem menos eficiência.
Essa resistência fisiológica à insulina noturna, com presença de consumo de açúcares no mesmo momento (ou seja, na sua janta), interfere na lipólise, afinal, naturalmente a insulina diminui a ação da Lipase Hormonio Sensível e aumenta a deposição de gordura, sem contar na ação da glicose no que chamamos de glicação, ou seja, no açúcar que se liga a outras proteínas do corpo inativando-as (por isso, hemoglobina glicada é um exame marcador de resistência insulínica ou de controle do paciente diabético).
Outro ponto importante do sono e do açúcar é que o GH —hormônio do crescimento, importantíssimo para reparo tecidual, dos danos que causamos ao longo do dia nos nossos tecidos — é liberado logo nas primeiras horas de sono e precisa que o nível de açúcar da corrente sanguínea esteja estável. Logo, ao termos glicose elevada, insulina sendo secretada de forma intensa e sem atuar de forma eficiente por conta da presença de melatonina, é de se entender claramente que seu sono fica prejudicado, sua entrada no sono profundo fica prejudicada, seu reparo tecidual fica prejudicado, você aumenta glicação, aumenta indução da lipogênese, atrapalha a produção do GH.
Isso sem contar que, no dia seguinte, provavelmente você acordará com mais vontade de consumir carboidratos ainda.
Te dei os dois lados da moeda e agora você sabe para quem comer carboidratos à noite pode favorecer o ganho de peso ou não, tudo com base na individualização. O que deve ficar claro aqui é que não são as calorias dos carboidratos que engordam, são a bioquímica e a fisiologia.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.