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Taise Spolti

Repensando o uso indiscriminado de ocitocina para o emagrecimento

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

05/09/2021 04h00

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Você com certeza abriu a internet do seu celular nos últimos meses e se deparou com inúmeras propagandas ou matérias abordando o uso da ocitocina. Para fins estéticos, emocionais ou comportamentais, ela nem sempre teve seu uso indicado com tanta força comercial como neste momento. E eu me pergunto: será que vai dar certo?

O uso da ocitocina como 'hormônio do amor', ou então 'hormônio do prazer', para controle de apetite, melhora do humor, diminuição do estresse é uma faca de dois gumes, perigosa e que pode se tornar um grande problema em uma sociedade cujo o imediatismo e a busca rápida pela solução de problemas —nem que seja apenas um efeito tampão momentâneo ou aquele típico 'tapar o sol com a peneira' — se faz forte.

Como tudo no nosso organismo funciona com base em equilíbrio, o excesso de qualquer substância ou de respostas bioquímicas trará uma resposta adaptativa, e o perigo mora exatamente aí: na resposta adaptativa ao uso de ocitocina por indivíduos imediatistas.

Analisemos então o motivo que me leva a crer que o uso indiscriminado da ocitocina deve ser repensado.

Como ela age?

A ocitocina é um hormônio de base proteica, fabricado no hipotálamo e depositado na hipófise quando há estímulos, geralmente sociais, além do vinculo ao parto na gestante. Ele é liberado, causando contrações uterinas, ejeção do leite materno, prazer, bem-estar e relaxamento, controlando o humor, a ansiedade e o nível de estresse.

Por que usar como um medicamento/suplemento?

Comum em muitos casos de parto pélvico induzido ou quando há sofrimento fetal e da mãe, o uso da ocitocina vem ajudando a medicina nas situações mais importantes e emergentes para salvar a vida, tanto do bebê quanto da mãe.

Fora esses casos, a ocitocina também está sendo amplamente utilizada nos tratamentos para redução do vício por drogas, principalmente as mais potentes como crack, heroína, cocaína, em fases iniciais ao tratamento, nas quais há a fase de abstinência, e nas fases finais do tratamento, quando há uma procura por adição. A ocitocina é diretamente relacionada ao abraço, pois nele, num gesto simples, é possível aumentar sua produção e liberação no organismo, gerando imediatamente sensação de prazer, leveza, acolhimento, bem-estar geral.

Sabendo que ela é facilmente produzida e liberada, em diversos casos como a depressão, transtorno de ansiedade generalizada, ou níveis de estresse altos, como no burnout, a quantidade de ocitocina pode estar aquém da necessidade, causando uma reação em cadeia no bem-estar, qualidade do sono, resposta à busca alimentar (adição), alterações de humor, deixando o indivíduo cansado, tenso, nervoso, ansioso, e talvez com ações compulsivas, seja na alimentação ou qualquer outro caminho de escape.

Nesses usos, a medicina está tendo excelentes resultados, ajudando os indivíduos que sofrem com essas condições a controlarem momentaneamente as respostas maléficas o organismo geradas naquele momento e que poderiam desencadear inclusive um vício (já que no vício há uma indução sintética e artificial de prazer imediato e momentâneo).

Bom, após essas considerações, você pode estar pensando: "Poxa, Taise, você disse que era para repensar o uso, mas só vi coisa boa!". Sim, ela realmente tem muitos benefícios e claramente auxilia a medicina a obter uma resposta imediata a um problema já instalado no indivíduo, por diferentes causas: isolamento, perda de familiares, estresse aumentado no trabalho, vida financeira, tendência ao vicio, traumas etc.

Mas e o uso para o emagrecimento? De que forma isso pode ser benéfico ao indivíduo?

Com o devido acompanhamento, sabemos que em alguns poucos casos individuais é necessário o uso de algum medicamento que auxilie no controle por tempo determinado dos seus ataques de compulsão. Mas apenas, e exclusivamente, usar de medicamentos ou de dietas para obter um resultado na balança não é a melhor saída nem escolha. Isso porque temporariamente o nosso organismo será induzido a não responder à comida, ou à busca pela comida, pela resolução de seus anseios emocionais e de comportamento compulsivo.

Sabemos que o estresse, assim como sentimentos de culpa, tristeza e ansiedade, leva muitos indivíduos a descontar na comida essa reação do organismo, e no descontar na comida o corpo vai criando um vinculo de 'prazer' imediato que, imediatamente após comer, poderá se transformar em mais culpa, frustração, e isso vira uma bola de neve.

Ao usar a ocitocina como um meio de controlar essa resposta, o problema estará resolvido apenas no momento da vida em que se usa, afinal seu uso não pode ser prolongado, caso contrário a própria produção natural do organismo cessa ou diminui exponencialmente, visando manter o controle e equilíbrio (sistema de retroalimentação). Sendo assim, a perda de peso poderá ser positiva, afinal o indivíduo comeu menos e se sentiu plenamente com bem-estar durante o uso.

A questão é: e depois?

Depois da redução do uso, haverá um período natural de regulação da produção endógena, se o comportamento e reeducação alimentar daquele indivíduo não foi completo e eficiente. Naturalmente, nesse período de regulação o organismo voltará a ter necessidade de procura por coisas que o façam ter o mesmo prazer de antes, e isso se dará através da comida, caso seja um paciente com transtorno de compulsão alimentar, ou com adição por alimentos.

Isso quer dizer que: o que chamamos de 'vício por comida' poderá duplicar de intensidade. Caso não seja por comida, o risco de novos vícios ou de respostas transtornadas de humor poderão ocorrer em outros segmentos da vida social do indivíduo, tornando-se, assim, um risco.

O que gostaria de salientar então, para o fim dessa análise, é justamente o fato de que usar de uma medicação, assim como outras drogas que encontramos para uso off-label no emagrecimento, todo e qualquer resultado será visível ao primeiro momento, será exclusivo no resultado físico, trazendo, sim, um possível emagrecimento, pois reduzem a busca pelo alimento, a adição, ou descontrole emocional na comida (o que conhecemos por comer emocional). Porém, sempre após o cessar do uso haverá consequências, de maior ou menor grau, caso o indivíduo não seja acompanhado por um nutricionista, um psicólogo ou médicos que entendam das respostas comportamentais do indivíduo frente aos seus sentimentos, emoções e transtornos.