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Taise Spolti

Açúcar não causa transtorno alimentar; saiba discernir vontade de compulsão

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

10/01/2021 04h00

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Após polêmicas publicações de uma influenciadora digital, ex-confeiteira, em sua rede social, sobre transtorno de compulsão alimentar e "vicio em açúcar", que poderia ter causado essa compulsão, o assunto vem sendo amplamente discutido e disseminado. Porém, com muitas ressalvas, é necessário entender alguns aspectos que estão erroneamente colocados nas publicações.

O açúcar, assim como alimentos açucarados, alimentos ultraprocessados (ricos em adoçantes, açúcares, sódio e aditivos químicos) possuem, sim, maior potencial de dependência, ou dose dependência. Isso porque atuam fortemente em uma região cerebral responsável pelo prazer: o sistema límbico e o núcleo accumbens, conhecido sistema de recompensa. Sistema esse que está ligado ao vício de substâncias que causam dependência, como drogas, ou de qualquer outra situação que nos cause prazer, afinal, é a sensação que ela nos traz que causa essa dependência em gerar prazer em tal região cerebral. Sendo assim, o vício é definido como uma busca incontrolável por aumentar a dose daquilo que nos gerou extremo prazer, já que doses menores podem não surtir o mesmo efeito.

Vale lembrar que esse sistema de recompensas foi descoberto pelos cientistas James Olds e Peter Milner nos anos 1950. Eles perceberam que, após aplicarem pequenos estímulos elétricos em ratos, com uso de eletrodos, e que geravam prazer, os animais negavam sexo e até comida para passar o tempo se autoestimulando. Vejam bem: negaram comida.

Desta pequena lição da ciência podemos claramente discernir que não é a comida em si que causa dependência, mas a sensação que ela nos traz, e é essa sensação que é alimentada conforme os anos de nossas vidas que poderá aumentar ou não o comportamento de compulsão alimentar, mas não necessariamente um vício.

Esse comportamento que é alimentado ao longo de nossas vidas tem mais a ver com o ambiente e de como a comida foi usada como fator de recompensa para várias situações ao longo de anos (como a sobremesa na alimentação infantil, um doce após a picada da vacina, um bolo para comemorar as notas altas da escola), do que com o açúcar em si. Afinal, dentro do transtorno alimentar existe a bulimia e também anorexia, nas quais o prazer está literalmente na recusa alimentar e tem-se nitidamente repulsa e dor ao ato de comer, mas isso é papo para outra matéria.

Para ajudar você a entender de forma mais simples e clara a mensagem de alerta que esse assunto está gerando nas redes sociais, separei alguns itens importantes sobre a compulsão alimentar e o que está por trás do transtorno (ao invés de culpar única e exclusivamente o açúcar):

  • Compulsão alimentar é um transtorno resultado das interações entre a supervalorização da imagem corporal somado à baixa autoestima (ambos são reforçados ao longo da vida). Isso pode levar a uma sensação de falta de controle ou ansiedade, o que, aliado ao desconhecimento sobre suas emoções e pensamentos naquele momento, provoca uma fuga pelo emergencial --neste caso, a comida (que pode ser o doce, o açúcar). Imediatamente após esse episódio de comer compulsivo, ocorre culpa, tristeza, sensação de mal estar, frustração. Esse ciclo se repete inúmeras vezes e só pode ser diagnosticado como sendo Compulsão Alimentar com avaliação de um profissional psicólogo, e nunca, jamais, através do relato de uma única pessoa se usando como exemplo. Aqui mora o perigo da internet.
  • Vontade de comer coisas, seja açúcar, fritura, refrigerante, pode ser apenas um hábito, longe de ser um vício ou então de compulsão alimentar. Como você leu, compulsão é a repetição desse ciclo que gera um grande problema para o indivíduo, desde a sua saúde física como a mental. A vontade é um sentimento natural de desejar algo, não necessariamente você o fará ou ficará dependente daquilo para satisfazer um sentimento de tristeza, frustração. Veja bem, temos vontades diferentes ao longo de apenas um dia e nem por isso as realizamos, pois estão sob nosso controle e isso não afeta o meu convívio social ou até mesmo meu comportamento em relação a mim mesma. Quer um exemplo? Temos vontade de viajar, vontade de experimentar algum dia um prato daquele restaurante estrelado, vontade de correr na chuva, vontade de ligar para aquela paixão platônica, vontade de sair correndo da reunião, vontade de gritar, vontade de chorar. Algumas você vai lá e realiza, outras apenas deixa de lado. Na compulsão, isso não acontece.

O açúcar isoladamente pode estar conectado a apenas uma vontade de satisfazer momentaneamente alguma situação, mas o que vai conferir a você uma compulsividade ou transtorno alimentar é um complexo sistema reforçador de recompensas durante um maior período. E vale lembrar, atentamente, que o açúcar, este que está sendo usado como fator viciante, geralmente vem de produtos ultraprocessados, bebidas açucaradas, alimentos com alto teor de adoçantes sintéticos, e uma grande lista de alimentos e produtos que não possuem valor nutricional, bem longe de estar culpando aqui uma sobremesa da avó aos finais de semana, uma fatia de torta vez ou outra ou então o açúcar da fruta (vamos fugir do terror nutricional).

Para facilitar, fique atento:

  • Você sente que a comida oferece alívio ao que você está sentindo no momento em que come?
  • Você sabe distinguir quando está satisfeito e consegue parar, ou continua comendo mesmo sem notar o sabor e, logo em seguida, sente que comeu demais?
  • Você se sente culpado por ter extrapolado na quantidade, imediatamente após ter terminado de comer? Ou sente que 'está tudo bem, da próxima vez eu como menos'?
  • Você se sente pressionado pelo corpo ideal?

Note, então, para finalizar, que essas perguntas são importantes para que você entenda o quão importante é a busca correta pelo diagnóstico ou pelo entendimento de possível compulsão ou transtorno alimentar através de um profissional, e que vontade não deve ser confundida com um descontrole alimentar.