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Taise Spolti

Relação não saudável com a comida não é só problema de obesos

cream_ph/iStock
Imagem: cream_ph/iStock

Colunista do VivaBem

03/01/2021 04h00

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Quando falamos em ter 'problema com a comida' geralmente o pensamento raso e imediato é de que somente pessoas com sobrepeso ou obesas o possuem, mas essa ideia está longe de ser verdade.

A falta de um bom relacionamento com a comida está mascarada em muitas atitudes que vemos por aí, principalmente o comportamento disseminado em forma de 'diário' através de pessoas ativas na internet, levando milhares de outras pessoas a serem influenciadas por tais comportamentos que podem se tornar nocivos à saúde.

Frases como: "Amanhã eu compenso", "É para isso que eu faço dieta!" (Se referindo ao fato de poder se esbaldar comendo em um único evento), "Eu mereço comer tudo isso pois fiz dieta o ano todo" ou comentários como: "Você está linda, amiga! O que fez para emagrecer tanto?", "Você viu que a fulana emagreceu 10 kg em dois meses? Ela é muito focada".

São mensagens que remetem sempre o mesmo núcleo: você só é lindo, dedicado e focado, se estiver se referindo ao peso. Ou então, como nas frases citadas anteriormente, tudo que envolve o dia a dia está ligado ao fato de comer, mesmo que seja a ausência dele o foco da atenção, como nós comportamento que exacerbam o jejum, o comer menos, o comer pouco, treinar muito e ser exaustivamente produtivo o dia todo e todos os dias.

O ano novo mal começou e o que não falta na internet são pessoas (inclusive influenciadores e celebridades) enviando a mensagem de que o ano que passou foi de dieta, então nas comemorações pretendem se esbaldar, comer compulsivamente e teve até quem passou os primeiros segundos de 2021 já fazendo exercício.

Mesmo que contenha tom de humor, sabemos que tais mensagens transportam ao que conhecemos como transtorno, afinal em tempos de imensa alegria o único objetivo foi mostrar estilo de vida saudável de forma exagerada como sendo a única fonte de felicidade, ou então o transbordar de comer e beber compulsivamente pois 'se guardaram' para isso — mostrando uma excessiva preocupação e tentativa de compensar as restrições, o que não é saudável.

Falando de forma clara, o problema com a comida não se restringe a pessoas com excesso de peso, bem do contrário, o que vemos é uma libertação de pessoas quebrando tabus com o peso na balança sendo cada vez mais sensatas em relação a sua alimentação, buscando manter de forma mais equilibrada o senso comum de comida saudável e hábito, sem estarem presos a dietas restritas ou rotinas insustentáveis.

Frente a isso, outro grupo de pessoas, que enfrentam de forma mascarada seus comportamentos alimentares em desordem e se fortalecem, ou, como chamamos de fuga, fazendo exatamente o oposto, levando a dieta estritamente a sério a ponto de causar transtorno alimentar, levando a rotina de treinos e exercícios seriamente como um atleta (mas não sendo) a ponto de trocar um momento de alegria ou uma viagem com familiares para realizar alguns vídeos de treinamento a beira da praia dignos de serem chamados de 'instagramáveis' (para ganhar muitas curtidas na rede social).

Esse reforço diário sobre qualquer circunstância em afirmar que restrição alimentar, beleza corporal, foco e disciplina no projeto da balança, rotina de alimentação e treinos, é um estilo de vida saudável, está mascarando um comportamento alimentar desordenado e seriamente afetado, mas com essência de 'saudável', que afeta milhares de pessoas de forma séria e de maneira totalmente irresponsável de quem o prática.

Tanto é verdadeiro que algumas das contas de influenciadores digitais mais conhecidos no Brasil no ramo fitness estão voltando atrás em suas publicações e aderindo ao movimento corpo livre, afirmando o que nos profissionais da saúde alertamos a muito tempo: nenhum extremo é o caminho.

Perfis esses que estão apostando, agora, na libertação do antigo hábito, na remodelação da alimentação para uma alimentação mais livre e flexível, aceitando então aquilo que nós já sabemos e tentamos ensinar: o problema da comida não está na comida, mas na dependência que temos dela, no excesso ou na restrição, sua vida não pode se basear apenas nisso, há muito mais do que se aproveitar no mundo lá fora que não seja apenas a busca incessante pelo padrão de beleza ou se encaixar no nicho perfeito do mercado atual.

Desejo a você um ano novo de libertação de hábitos e de busca por mais entendimento sobre a dependência dos hábitos e comportamento alimentar, se depender da minha coluna, será um ano de bastante crescimento.