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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Rompendo barreiras para existir: ser uma pessoa velha LGBTQIA+ no Brasil

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

27/06/2022 04h00

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"Eu decidi ser eu mesma, mas eu percebi que não é tão bom assim.

Pensei ser mais amada, com um sorriso meu, e não de outro.

Pensei me sentir melhor em me olhar no espelho e ter orgulho.

Pensei que seria mais próxima da minha família.

... O resto não me importa mais, sou lésbica, sou gay, sou bi, sou trans, sou drag, sou hétero.

Eu sou a união, a paz, e amo todos, mesmo os que não me amam. Levante a sua bandeira. Seja como for"

(Autore: Desconhecide)

Há certos assuntos que vêm ganhando importância e sendo debatidos nos seus mais diversos aspectos e perspectivas no Brasil e no mundo. Quando se discute questões de gênero e a visibilidade para a criação de uma pauta com ações efetivas que atendam as reivindicações e os direitos, esta parece ser mais direcionada às mulheres ou às pessoas LGBTQIA+ jovens. Em um outro momento se aborda o racismo e o quanto uma parte da sociedade brasileira não se envolve para a resolução deste problema.

Com relação à classe social, é perceptível o aumento das desigualdades e diminuição da possibilidade do viver bem para quem é mais pobre ou vive com dois ou três salários mínimos. E, muitas vezes, há o indesejado hábito em não abordar os problemas decorrentes do envelhecimento populacional brasileiro, uma vez que muitos grupos específicos de pessoas idosas ainda não têm garantidos seus direitos e foram violentados, das mais diversas formas, ao longo da sua trajetória de vida.

No envelhecimento das pessoas gays, lésbicas, bissexuais, trans, travestis e intersexuais coloca-se o primeiro desafio: o direito de viver com dignidade e liberdade para seus corpos, pensamentos, comportamentos e demonstrações de afeto.

Recuso-me a destacar neste texto questões voltadas para a sexualidade e, principalmente, para o sexo, pois a nenhum outro grupo social se questiona como são suas práticas e formas de sentir gozo e, a partir de constatações enviesadas por valores religiosos que cerceiam a liberdade e a felicidade, impor restrições e validar ou não o modo de vida de algumas pessoas.

Quero pautar aqui, se for o gozo, que seja o de viver plenamente e, assim como pessoas de outros grupos sociais, que possam ter os mesmos direitos de serem chamados pelo nome ou apelido de sua preferência, que exista o respeito pelas roupas que vestem e que tenham o acolhimento ou respeito adequado nos locais públicos que frequentam.

Quando ainda jovens, muitas pessoas LGBTQIA+ sofrem para se aceitarem ou para terem reconhecido esse direito em "transgredir" uma moral imposta que, desde sempre, propôs uma construção social que não incluía os saberes de muitos povos de várias partes do mundo que aceitam a fluidez e a diversidade nos aspectos relacionados ao gênero, à orientação sexual, ao papel desempenhado no seu grupo, às formas de amar e de vivenciar a sexualidade humana.

Há diversas pessoas que investigam profundamente essa parte da história, como Adriana Azevedo, docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

As consequências dessa limitação de saberes e a constante necessidade de imposição de normas e comportamentos faz com que pessoas LGBTQIA+ seja mal tratadas nos serviços de saúde, a ponto de existir a naturalização de ocorrências das tentativas de suicídios ou dos quadros depressivos que os acometem.

Pessoas idosas LGBTQIA+ morrem também pela hipertensão arterial ou diabetes não tratadas adequadamente, ou seja, não deveria existir causas específicas para o adoecimento e morte deste grupo social.

E da dificuldade para sair do armário na juventude para a necessidade em voltar para o mesmo na velhice, como reforçam os pesquisadores Diego Félix e Milton Crenitte. Sim, pessoas LGBTQIA+ em alguns momentos escondem ou negam sua essência para em troca receber um cuidado mais adequado ofertado por familiares que, lá atrás, relutaram na sua aceitação.

Agora, essa pessoa idosa sem a presença com quem tinha uma vida conjugal ou das pessoas amigas que, muito provavelmente morreram por maus atendimentos ou violência, necessita desse apoio familiar uma vez que o Estado, mais uma vez, negligencia seu papel em garantir serviços sócio-sanitários adequados para demandas de corpos que envelhecem e passam a ter dificuldades na realização das atividades do cotidiano e na interação com o território no qual vive.

É provável que, para muitas pessoas idosas travestis com dificuldade para morarem sozinhas, exista a necessidade da escolha entre o prazer de morar ainda nas suas casas, com uma decoração que fizeram, com suas roupas habituais e satisfeitas com os programas de TV e livros preferidos nas suas estantes, ou a aceitação da ajuda dos familiares que deixaram de convidá-las para as grandes festas familiares com "vergonha" e receio das impressões que a outra parte da família teria a respeito delas.

Como ainda persiste a tentativa de negação da presença de pessoas idosas LGBTQIA+ no nosso meio? Por que essa dificuldade em visibilizar um grupo tão crescente demograficamente? Por que tanto receio em perguntar se uma pessoa idosa é gay ou lésbica? E por que tantas pessoas idosas ainda vivem se escondendo e mostrando-se como é para um grupo muito seleto de pessoas? Aquelas outras consideradas hétero e cis não precisam fazer isso.

Tem algo muito errado acontecendo e não se pode mais fazer de conta de que esse problema não nos envolve. Já parou para pensar que uma pessoa que você gosta muito e é lésbica, trans, gay ou bi irá envelhecer? Já pensou quais são os desafios que essa pessoa terá que enfrentar nas próximas décadas?

Como serão as chances dela em manter-se empregada? Como será atendida nos exames médicos que precisará fazer? Como manter-se conectada com outras pessoas uma vez que parecemos retroceder na aceitação da diversidade de pessoas idosas ou que estão envelhecendo no nosso meio social?

Há muitos problemas cujo impacto será maior ou demandará ações diferentes para a população idosa LGBTQIA+. Um desses diz respeito a quem mora sozinho. Sim, o viver sozinho é um problema que, cada vez mais, afeta pessoas idosas de todas as idades, principalmente aquelas com 80 anos ou mais.

Dessa forma, há particularidades aqui: seria o estar sozinho ou sozinha um aprofundamento que já vem ocorrendo décadas antes de se chegar à velhice, isto é, antes de completar 60 anos? E como construir novas relações sociais?

Nunca será tarde para repensarmos valores, crenças e transformar nossos pensamentos em prol de uma sociedade inclusiva, justa e praticante da empatia, que é pensar ou se sentir no lugar da outra pessoa e compreender (ou se imaginar) o quanto um ato, um gesto, uma palavra, uma omissão pode causar de prejuízo ou de tristeza. Toda forma de discriminação dói, machuca, ofende e adoece quem a sofre.

Já passou da hora disso tudo acabar e de você, se ainda não o fez, de assumir sua importância na resolução desse problema.