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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Medicamentos em excesso durante o envelhecimento: um risco masculino?

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

18/04/2022 04h00

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Três fatos envolvendo condições de adoecimento chamaram a atenção nas últimas semanas. No primeiro deles, as Forças Armadas compraram lotes do comprimido Viagra e próteses penianas. Ainda haverá investigações para entender os reais motivos das compras, mas o que já se pode considerar é que muitas das atividades ocupacionais realizadas por militares e também os valores institucionais das Forças Armadas podem ser causas de adoecimento, refletindo uma situação muito contrária ao imaginário que grande parte da sociedade tem dessas pessoas, supostamente muito bem treinadas e preparadas para suportar e entender diversas situações de adversidades e que usufruem de uma boa saúde e vitalidade.

O segundo fato foi a constatação de que o medicamento metformina, comumente indicado para o tratamento de diabetes, tem gerado problema genéticos nos filhos nascidos de homens usuários deste remédio, segundo estudo publicado no Annals of Internal Medicine. E o último fato retoma o uso de medicamentos para disfunção erétil, como o Viagra, que, segundo pesquisa, têm gerado como um sério problema adverso o desenvolvimento de cegueira em muitos dos seus usuários.

Tristes constatações sobre medicamentos amplamente utilizados pelas pessoas no Brasil e no mundo. E o que se pode deduzir sobre esses três fatos é o quanto ainda se insiste no modelo de tratamento centrado nos medicamentos e não nas mudanças no estilo de vida e na adoção de práticas não medicamentosas.

Não é de hoje que o hábito de se esperar de médicas e médicos a prescrição de um ou mais remédios para alguma situação que está nos deixando aflitos, angustiados, chateados, com dor, tontura, náusea e por aí seguem os motivos. Também é comum muitas pessoas julgarem as competências desses profissionais pela prescrição ou não de um "remédio". Se não prescrevem um ou mais, há pessoas que saem do consultório reclamando, concluindo que foram mal atendidas, de que o médico não sabe tratar ou que não se interessou pelo caso, gerando uma situação complicada, pois já existe um movimento para a "desprescrição" de medicamentos, ou seja, a intenção e o planejamento minucioso e baseado em evidências científicas para a redução da quantidade de drogas usadas regularmente pelos pacientes.

Para deixar o cenário ainda mais complexo, temos uma condição de vida que dificulta a adoção de práticas salutares que ajudariam na redução do uso desnecessário ou excessivo de medicamentos. Como esperar que muitas pessoas idosas ou que estão envelhecendo possam fazer exercícios físicos em espaços onde quase inexiste áreas livres e verdes? Como fazer refeições ricas de alimentos saudáveis e frescos, cujos preços estão cada dia mais altos? Como adotar práticas de meditação, que envolvem momentos de silêncio ou de silenciamentos dos pensamentos com os problemas do cotidiano, se a urbanização não planejada, a violência e a poluição sonora invadem janelas de milhões de moradias?

Do outro lado, as empresas de medicamentos investem milhões de dólares em pesquisas, no marketing, na criação de sintomas e sinais que demandem o uso de mais remédios e acompanha a deterioração dos estilos de vida das populações que não oferecem tantas oportunidades de saúde, se comparadas às oportunidades de doença.

Assim, milhões de pessoas que envelhecem no Brasil passam a ter chances de utilizar um ou mais medicamentos sem a possibilidade de procurar outras formas de cuidados com a mesma facilidade de acesso que há para a compra ou retirada de comprimidos das farmácias. Como se não fosse suficiente, ainda se constata a distribuição irregular da oferta de serviços não médicos no território nacional.

Em relação aos comportamentos humanos, a falta de uma cultura de cuidados, principalmente por pessoas do gênero masculino, e a incorreta "cultura de naturalizar que velhice é uma doença", demonstram marcas profundas do machismo e do etarismo (discriminação pela idade) que restringem que homens, jovens ou velhos, procurem por ajuda assim que percebam um funcionamento não normal do corpo.

E quantos desses sinais e sintomas percebidos e sentidos por essas pessoas seriam tratados com descansos maiores, menores consumos de bebidas alcoólicas, com menos manifestações de violência ou de masculinidade tóxica, dessa que defende que homem que é homem não chora, não fica de "mimimi", que só faz o levantamento de copo como exercício físico e de que precisa sempre estar pronto para fazer sexo com mulheres, muitas, e toda hora?

E assim se envelhece acreditando que o corpo masculino é uma máquina indestrutível, uma perfeição. Triste engano! Nossas construções sociais sobre o que é macho e velho ainda adoecem quem teria todas as condições para manter uma saúde plena. Têm homens que brigam na rua, que xingam mulheres da própria família, que acreditam que podem enfrentar qualquer outro na face da Terra, que quebram o braço de um mais velho, mas que estremecem com a ameaça de um dedo treinado para um exame físico capaz de evitar sérias doenças que encurtam suas vidas!

Homem que é homem precisa rever seus comportamentos e seus valores. Velho que é velho precisa olhar os descuidos que teve com sua saúde quando jovem para não os repetir na sua velhice

Os dados demográficos que explicitam a feminização da velhice mostram que as mulheres sabem muito bem como é cuidar de si para viver mais.

Machismo não combina com longevidade e muito menos com boa qualidade de vida.