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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O poder das avós para a evolução da humanidade

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

03/01/2022 04h00

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Estudo divulgado há alguns dias apontou que parte do sucesso da nossa evolução decorre da existência das avós. Tal evento foi associado às melhores condições para o bem viver de suas filhas, que puderam ter mais filhos a partir da manutenção de uma boa saúde reprodutiva, e também para netos e netas que puderam crescer com a participação ativa das avós auxiliando tanto nos cuidados práticos e, principalmente, na transmissão de conhecimento, o que que facilita a nossa evolução, enquanto espécie, para não ter que sempre começar do zero sobre como é o mundo e o funcionamento das relações humanas.

Nas pesquisas que realizo e das reflexões que procuro trazer para o campo do envelhecimento, questiono o motivo pelo qual o nosso país ainda não incorporou alguns ensinamentos que antecedem, há muitas décadas, as informações divulgadas nessa pesquisa.

Muitos povos, destacando aqui no Brasil aqueles que vieram do continente africano, possuem aspectos culturais importantes para pensarmos a forma como constituímos nossa sociedade, incluindo aqui as relações dentro das instituições, na família e no local onde se reside. Para esses povos, os valores matriarcais e da ancestralidade são muito valorizados e determinam formas de convivência e de evolução.

No entanto, o que mais se observa é que na grande maioria desses espaços há valores patriarcais e machistas que construíram a forma atual do funcionamento de tudo. E esse pode ser um dos erros que cometemos e insistimos em não corrigir.

A insistência na construção ou manutenção de uma sociedade baseada nos valores citados acima dificulta o cuidado adequado com a outra pessoa, já que coloca a força física como um dos pré-requisitos de comparação entre duas ou mais pessoas e dá ao mais forte a chance do privilégio.

Tais valores afirmam ou reproduzem a situação de que pessoas que sangram mensalmente não são tão bem-vindas nos espaços de trabalho, de que pessoas que podem engravidar precisam sempre ter um cuidado mais delicado e tal situação não cabe em um mundo tão competitivo.

Tais condições, por mais que reflitam saúde, podem configurar um tipo de carimbo de quase invalidez para que não sejam empregadas nas atividades condizentes com sua competência técnica e anos de escolaridade, visto que pessoas do gênero feminino podem ter mais anos de estudo quando comparadas àqueles do gênero masculino.

E quando se trata de mulheres velhas? Mulheres que assumem sua condição física, que é diferente de quando eram jovens, sentem o peso dos olhares e da dúvida sobre o quanto ainda podem dar conta das suas vidas e contribuírem para a sociedade, e não apenas no ambiente doméstico, ou se ainda continuarão a aprender, empreender, enfim, serem ativas.

Muitas famílias são chefiadas por mulheres em razão da violência que mata homens jovens, ou pelo machismo que retarda a ida de homens adultos aos serviços de saúde e dificulta intervenções precoces para lidar com os agravos de saúde associados ao ambiente de trabalho competitivo e violento.

Bebê com avós lendo história - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Muitas vezes, mãe e tias garantem todas as condições para que uma família não fracasse. São essas mulheres que abdicam boa parte do seu tempo pessoal para ficar junto de crianças, adolescentes e jovens.

Lembro das enormes alegrias dessas mulheres mais velhas diante do triunfo de alguém de quem elas ajudaram a crescer. Festas de formatura, aquisição de casa ou carro, a viagem para o exterior e, não poderia ser estranho, o bom emprego alcançado tornam-se conquistas compartilhadas, vivenciadas em família e que trazem possibilidades para menos sofrimentos das futuras gerações.

Essas mulheres, se não ficaram viúvas ainda nas primeiras décadas de suas vidas, contaram frequentemente com a ausência dos pais das crianças, viram suas expectativas de crescimento pessoal limitadas pela necessidade da sobrevivência, de uma forma de amor que precisa, a qualquer custo, dar proteção. Nem sempre há momentos para troca de afagos e carinhos.

Dessas mulheres mais velhas emanam forças nunca antes pensadas, estratégias e formas de amar. O quanto deixamos de crescer, enquanto sociedade, por não desenvolver esse nosso lado feminino e etário de ser e de olhar para o mundo e para as relações, que são repletos de muita sabedoria, empatia e vivências?

Sou capaz de lembrar da resiliência de muitas avós que conheci nesse mundo, muitas disfarçadas sob um vestido mais longo, ou com uma voz mais fraca, outra com cabelos bem branquinhos ou com um andador para facilitar um caminhar que já vem de muitas décadas.

Muitas têm a sapiência para compreender as mudanças, para ainda dialogar com as pessoas mais jovens (desde que essas queiram conversar). Pode ser dessa mulher mais velha o aprendizado do esperar, de perceber a hora certa para ter aquela conversa tão necessária e que é capaz de mudar o rumo e sentido da vida de quem quis ouvi-la.

Falar das avós, dessas que fazem o mundo melhor, é fantástico, um momento histórico! Tenho minhas mais velhas que nunca deixaram de estar comigo. Aprendo diariamente com elas, sem que conversem comigo fisicamente. Eu as tenho nas minhas lembranças, na minha subjetividade. São minhas ancestrais e que me constituem, política e metafisicamente falando.

Temos empatia, conexões e os mesmos desejos de liberdade e de evolução. Dessa forma, nunca deixamos de ser uma família, de termos um laço intergeracional que ultrapassa o tempo cronológico vivido nesse planeta.

A sociedade ainda precisa evoluir para dar o lugar de destaque que mulheres mais velhas merecem ter. Não falo de trono, já que essas mulheres são de ficar no chão, valorizando a horizontalidade das relações.

Perceberam que trono e pessoas que enaltecem a hierarquia e não descem para conversar com os seus perdem sua importância e tornam-se substituíveis, ainda mais se velhos, numa cultura que discrimina quem não aparenta a jovialidade física.

Não é de hoje que muitos povos ao redor do mundo reverenciam suas avós, bisavós e tataravós. O crescimento da sociedade se dará quando, cada vez mais, globalizarmos essa prática! O que acha disso?