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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O perigo da desinfodemia: pessoas idosas não sabem em quem acreditar

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

15/03/2021 04h00

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No fundo, todo mundo acredita que a vacina funciona e que nos salvará dessa pandemia sem fim. No fundo, idosos e idosas há anos vêm sendo beneficiados pelas vacinas feitas ou ofertadas sob a responsabilidade do Ministério da Saúde. No fundo, todas as pessoas idosas tomam as vacinas do calendário nacional e, com isso, passaram a viver mais tempo. Viva as vacinas!

Parecia um passado distante quando Oswaldo Cruz foi desacreditado ao defender o uso da vacina como estratégia para melhorar a vida das pessoas. E, para aumentar a sua tristeza, na cidade onde nasceu, São Luís do Paraitinga, a letalidade por covid-19 é a mais alta do estado de São Paulo até o momento (26,3%) e as pessoas residentes no Brasil estão morrendo pela insuficiência de doses e pela falsa impressão de que não funcionam.

E piora o nosso cenário quando descobrimos que novas variantes do vírus já circulam por aqui enquanto ainda procuramos condições adequadas para que toda a população tome a primeira dose.

O acesso à informação é um dos direitos humanos defendidos pela Unesco. Mas, atualmente, muitas pessoas idosas não acreditam nos benefícios da vacina para o coronavírus, não acreditam no uso da máscara, no álcool gel e em mais da metade dos seus familiares.

A desinfodemia tomou conta do Brasil e do mundo!

Desinfodemia é caracterizada pelo excesso de informações falsas, distorcidas ou incompletas (todas são desinformações) recebidas por todos e todas nós, diariamente, via redes sociais, via familiares, de profissionais de alguns programas televisivos e até de alguns profissionais da saúde.

Tem relação com o ódio e quer causar prejuízo ao outro. Busca a confusão sobre a vacina, sobre como o vírus atua no nosso organismo, se o álcool gel funciona, se usar máscara adianta. Essa prática ganhou força nos últimos anos aqui no Brasil quando se busca afirmar que a Terra é plana ou até quando não se admite que estamos em um caos em relação à quantidade de leitos disponíveis para o atendimento de pacientes graves pela covid-19.

Por outro lado, temos a infodemia, que é o excesso de informações que, ainda que assertivas, não reforçam um discurso comum, além de demandar um tempo maior nosso para buscarmos sua veracidade. Para o combate à covid-19 precisamos de unicidade nas ações. E isso passa pela vacina, álcool gel, máscara, pouca ou nenhuma aglomeração e políticos defendendo a vida de seus eleitores e eleitoras.

Mas o perigo pode estar na forma afetiva pela qual a desinfodemia chega: pode ser pela neta querida, pelo companheiro que sempre assiste junto com a sua companheira aos programas televisivos preferidos, pela sobrinha que trabalha em um serviço de saúde, pelo médico de confiança, pela vizinha e pelos grupos de WhatsApp.

O Dr. "WhatsApp" disputa com o "Dr. Google" o respeito e a notoriedade de muitos epidemiologistas, sanitaristas, infectologistas e outros profissionais de saúde comprometidos há anos com a saúde pública e com estudos. Esses e essas profissionais competentes não pactuam com a doença generalizada, disseminada, a doença "popstar" de muitos políticos e negacionistas da ciência.

A pandemia ainda não passou. Informações falsas, chamadas de fake news, ainda existirão aos milhares, milhões e elas também vêm gerando mortes. Morre velho rico, velha pobre, velho negro, velha branca. Enfim, injustamente essas pessoas são confundidas pela solução fácil e barata de um medicamento A ou polivitamínico B.

O apelo aqui é para um plano estratégico para que as pessoas idosas sejam mais bem direcionadas para as informações certas, que contribuam para o bem geral da nação e não apenas para agradar um partido ou um grupo de políticos.

Desinformações vêm aumentando as desigualdades sociais e as injustas, desnecessárias e evitáveis mortes de pessoas pobres ou velhas. São mortes causadas pelo vírus ou pela falta de alimentos saudáveis, pela solidão e até pelo sentimento de estar atrapalhando os mais jovens ou os mais ricos.

São muitas formas de elaborar as desinformações, segundo Wardle e Derakhshan:

  • Conteúdo enganoso;
  • Sátira ou paródia;
  • Conteúdo fabricado;
  • Conteúdo impostor;
  • Conteúdo manipulado;
  • Conteúdo falso;
  • Conexão falsa.

A informação, por outro lado, ganha relevância quando há fatos que permitem sua validação. Diversos países, como Israel, vêm mostrando que a aplicação da vacina vai dar certo, que salvará muitas vidas e reduzirá os sofrimentos de familiares e amigos.

Os efeitos benéficos na saúde pública deles já são percebidos. Aqui no Brasil, a cidade de Araraquara (SP) precisou fazer um lockdown e viu os casos e óbitos reduzirem em poucos dias. Ainda assim, muitas pessoas não querem ver ou acreditar nesses fatos.

Não serão somente os hospitais que nos salvarão. Sabemos que isso tudo sempre foi mais que uma "gripezinha". Passou da hora de explicarmos adequadamente a quem ainda não entendeu o fenômeno pandemia, que já matou muita gente.

Essa prática da desinfodemia parece estar dentro de um plano político de desunião, de imposição de barreiras para a construção de uma nação unida para o enfrentamento à covid-19, já que muitas vezes os vazamentos de desinformações são propositais, com hora marcada para "subir" em alguma rede social ou grupo de WhatsApp.

As informações corretas também podem salvar vidas e evitar o sofrimento de muitas famílias e de pessoas idosas.

Desde o começo da pandemia, não conseguimos criar espaços e contratar profissionais da informática para atuarem nas regiões mais pobres do país para ajudar as pessoas, e não apenas as idosas e idosos, no acesso adequado para a obtenção do auxílio emergencial, para a busca de melhores preços de produtos e alimentos, para o acesso aos boletins epidemiológicos dos casos de covid-19 na região onde residem ou até para baixar aquela música preferida ou a oração que acalenta e até para fazer a chamada de vídeo com aquela pessoa querida, mas que está distante ou sem possibilidade de visitá-lo.

Nossas leituras precisam ter um olhar crítico e que não aceita qualquer (des)informação. Não basta ler o título, ou meio texto ou ver um vídeo suspeito. É preciso ler o que precisar, aprimorar sempre o senso crítico e buscar o empoderamento da sua saúde e de seu grupo social.

Aproveitando: as fontes bibliográficas que utilizei para esta coluna estão aqui:

POSETTI, J.; BONTCHEVA;, K. Desinfodemia: Decifrar a desinformação sobre a COVID-19. Disponível em: unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000374416_por/PDF/374416por.pdf.multi>. Acesso em: 11 mar. 2021.
SEADE. Coronavírus - Dados Completos do estado de São Paulo. Disponível em: www.seade.gov.br/coronavirus/>. Acesso em: 12 mar. 2021.

ZATTAR, M. Competência em Informação e Desinfodemia no contexto da pandemia de Covid-19. Liinc em Revista, v. 16, n. 2, p. e5391, 11 dez. 2020.
WARDLE, C.; DERAKHSHAN, H. Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policymaking | Shorenstein Center. Disponível em: shorensteincenter.org/information-disorder-framework-for-research-and-policymaking/>. Acesso em: 11 mar. 2021.