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Ageless

REPORTAGEM

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É hora de substituir a vergonha pelo orgulho da idade, diz ativista dos EUA

Ashton Applewhite, ativista anti-etarismo - Divulgação
Ashton Applewhite, ativista anti-etarismo Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

17/09/2021 04h00

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Ao completar 47 anos, em 2017, comecei a me preocupar com a aproximação da menopausa e a refletir sobre o envelhecimento. Passei a pesquisar sobre o assunto (o que resultou na criação desta coluna e ao perfil no instagram @silviaruiz_) e foi então que esbarrei no TedTalk (veja abaixo) da ativista e escritora americana Ashton Applewhite. Ashton escreveu o livro "This Chair Rocks - A Manifesto Against Ageism", em que ela derruba uma série de mitos que nos fazem temer o avanço da idade. Esta semana conversamos sobre como e por que ela decidiu se tornar uma ativista contra o etarismo.

"Não é a passagem do tempo que torna tão difícil envelhecer. É o etarismo, o preconceito de idade, um preconceito que nos opõe a nós mesmos no futuro _ e uns aos outros." Ashton nos provoca a desmantelar o pavor e nos mobilizar contra o último preconceito socialmente aceitável. "O envelhecimento não é um problema a ser consertado ou uma doença a ser curada", diz ela. "É um processo natural, poderoso e duradouro que nos une a todos."

Segundo ela, é um mito imaginar que nosso futuro é acabar infelizes, sozinhos e dependentes num asilo, sentados numa cadeira de balanço. Não que isso não aconteça, é algo real, mas o fato é que não é um destino determinado para todo mundo, os números mostram um quadro bem diferente. Somente no Brasil, por exemplo, 63% dos entrevistados em uma pesquisa recente com homens e mulheres na faixa etária de 50 a 80 anos são provedores de família, continuam trabalhando após a aposentadoria e estão cada vez mais movimentando a economia. As cifras são monumentais: R$ 1,8 trilhão ao ano é o que o consumidor brasileiro maduro movimenta.

Ashton, hoje com 69 anos, se pegou preocupada com o envelhecimento na metade dos 50, quando começou a pesquisar esses dados e a entrevistar pessoas com mais de 80 e se deu conta de que tudo que nos contaram a vida toda sobre ficar velho não fazia tanto sentido. As pessoas mais velhas se sentem muito mais felizes, são muito mais produtivas e livres do que imaginamos. "Eu pensei: por que mais gente não sabe disso? Percebi que esses valores são construídos e devem ser derrubados coletivamente. E decidi espalhar a informação. Assim surgiu o meu livro e o TedTalk", diz ela. Foi um hit, e assim a escritora se tornou uma das mais importantes vozes no combate ao etarismo nos EUA e no mundo.

Por que somos tão etaristas e perpetuamos esse preconceito em pleno 2021?

Antes de mais nada porque na sociedade capitalista o medo gera lucro. As indústrias farmacêutica, de beleza e suplementos em geral lucram bilhões fazendo a gente creditar que precisamos investir em produtos que nos mantenham sempre jovens. São bilhões gastos porque nos fazem ver nossas rugas e nossos corpos como uma vergonha. Aprendemos desde criança que envelhecer é ruim, é feio. A mídia, a propaganda e Hollywood também são responsáveis por perpetuar a imagem da juventude como valor absoluto. E uma mudança cultural como essa leva tempo. Mas acredito que estamos caminhando.

E como podemos combater esse etarismo?

A mudança começa dentro de nós mesmos. Nós somos racistas, sexistas e etaristas. Embora a gente pense que não, isso está estruturado dentro de nós e precisamos ter consciência disso para mudar. Todo preconceito está enraizado na vergonha. Nós temos vergonha do nosso envelhecimento. Por isso precisamos sair da invisibilidade. Defendo que as pessoas formem grupos e falem sobre isso. Que forme uma rede de suporte para apoiar uns aos outros. Nós mulheres estamos liderando muito dessa mudança porque gostamos de conversar, temos essa qualidade. Falar liberta.

Como você percebe a diferença do etarismo entre homens e mulheres?

As mulheres sofrem um preconceito duplo, do sexismo junto com o etarismo. Mulheres negras mais ainda, com o racismo. Nós, mulheres brancas, temos que ter consciência de nossos privilégios e ter solidariedade. O patriarcado protege mais os homens desse preconceito. Mas eles se deparam com ele em principalmente no ambiente de trabalho.

Você falou da indústria de beleza. Acha que usar de artifícios como Botox e cremes contra rugas ou pintar os cabelos seriam negação da idade?

Sim. Mas ao mesmo tempo não acho que devemos dizer a uma mulher como ela deve envelhecer. Eu entendo perfeitamente uma mulher que use um creme ou botox e assim se sinta melhor, mais poderosa. Mas é ruim ter forças externas nos fazendo sentir que essa é uma obrigação. Assim como entendo que uma mulher prefira pintar os cabelos porque corre o risco de perder o emprego por preconceito. Tudo que as mulheres não precisam é de mais gente dizendo a elas o que fazer. É inegável que existe uma beleza na juventude. Mas podemos aprender a gostar das mudanças e reaprender a olhar para esse processo. É cultural, leva tempo, mas é possível. Mulheres precisam ser gentis umas com as outras nesse sentido.

Apesar desta coluna se chamar Ageless, ou sem idade, porque defendo que isso não deveria importar, muitas vezes me pego reafirmando a minha idade para derrubar estereótipos. Há uma contradição nisso?

Eu acredito que a idade diga cada vez menos sobre quem nós somos. O importante são os nossos valores, não nossa idade. Mas entendo que ao mesmo tempo exista esse paradoxo. Eu tenho uma amiga portuguesa, por exemplo, que se recusa a dizer a idade. Não porque tenha problemas com envelhecer, mas por achar que isso deveria ser irrelevante sobre quem ela é. Assim como a aparência das pessoas. Ainda assim a gente sempre se pega falando sobre a aparência e a idade das mulheres.

Se quiser conhecer melhor as ideias de Ashton, ela vai estar numa entrevista que terei o prazer de conduzir no evento Iguatemi Talks Fashion no dia 20 de Outubro, a partir das 10h10.