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O viajante cego que já visitou 130 países: 'Vejo os lugares de uma forma alternativa'

Tony Giles é completamente cego e também tem deficiência auditiva. Apesar das dificuldades, ele viajou sozinho para a maioria dos 130 países que conheceu. - The Travel Show, BBC News
Tony Giles é completamente cego e também tem deficiência auditiva. Apesar das dificuldades, ele viajou sozinho para a maioria dos 130 países que conheceu. Imagem: The Travel Show, BBC News

20/09/2019 16h59

Tony Giles é completamente cego e também tem deficiência auditiva. Apesar das dificuldades, ele viajou sozinho para maioria dos 130 países que conheceu.

"Eu visitei todos os continentes, inclusive a Antártida. Minha missão é conhecer todos os países do mundo", diz Tony Giles.

O britânico de 41 anos é cego e é parcialmente surdo, mas a paixão por viajar o levou a mais de 130 países.

"Eu estou mostrando para as pessoas que é possível ver o mundo de maneira alternativa", diz.

O BBC Travel Show acompanhou Giles na sua viagem para a Etiópia.

Sentindo pela pele

Tony Giles diz que, no início, viajar era uma maneira de ajudá-lo a fugir das próprias emoções - The Travel Show, BBC News  - The Travel Show, BBC News
Tony Giles diz que, no início, viajar era uma maneira de ajudá-lo a fugir das próprias emoções
Imagem: The Travel Show, BBC News

"Eu percebo as pessoas falando, eu subo e desço montanhas, eu sinto com a pele e com meus pés. É assim que vejo um país", diz ele.

Giles passou os últimos 20 anos viajando e explorando novos lugares. Durante uma de suas viagens, conheceu a atual namorada, uma mulher grega que também tem deficiência visual.

No ano passado, ele foi para a Rússia com ela e os dois cruzaram o maior país do mundo de trem. Mas Giles fez a maior parte de suas viagens totalmente sozinho, como mochileiro.

A emoção do novo

O britânico financia as suas viagens com dinheiro da pensão do pai e planeja com bastante antecedência.

A mãe dele o ajuda a reservar as passagens aéreas. Ele explica que a maioria dos sites das companhias aéreas não é bem adaptada para deficientes visuais.

 Tony Giles diz que conhecer pessoas novas é uma aventura para ele - BBC News - BBC News
Tony Giles diz que conhecer pessoas novas é uma aventura para ele
Imagem: BBC News

Ele também entra em contato com pessoas pela internet para que o ajudem durante as viagens.

"Eu não posso simplesmente pegar um livro e dizer: 'Vou para esse lugar ou aquele lugar'. Você tem que ter conhecimento antes de viajar. Eu tenho boa memória e planejo minhas rotas", explica.

Quando chega aos destinos, ele se entusiasma em ter de se virar em cidades desconhecidas.

"Às vezes, eu não sei quem eu vou encontrar e o que vai acontecer. Para mim, é uma aventura."

A perda da visão

Giles tinha nove meses quando foi diagnosticado com um problema que o faria perder a visão gradativamente. Ele parou de enxergar completamente aos 10 anos de idade.

Antes disso, quando tinha seis anos, foi diagnosticado como parcialmente surdo. Ele usa poderosos equipamentos de amplificação do som, mas ainda assim é incapaz de ouvir plenamente.

Giles estudou numa escola especial e foi numa viagem escolar que teve a primeira experiência num país estrangeiro - foi para Boston, nos Estados Unidos, aos 16 anos.

Tony Giles gosta de visitar lugares onde é permitido tocar nos objetos e superfícies - The Travel Show, BBC News - The Travel Show, BBC News
Tony Giles gosta de visitar lugares onde é permitido tocar nos objetos e superfícies
Imagem: The Travel Show, BBC News

Mesmo hoje em dia, com toda a experiência de viagem, a saúde do britânico às vezes freia o seu entusiasmo contagiante. Ele foi, por exemplo, forçado a passar por um transplante quando seus rins falharam em 2008. O padastro dele foi o doador.

Vício

Giles perdeu o pai quando tinha 15 anos e o melhor amigo, que também tinha deficiência, aos 16 anos.

"Eu cai no alcoolismo por seis ou sete anos. Aos 24 anos, eu era um alcoólatra."

O pai dele trabalhou na marinha mercante. E as histórias que contou ao filho sobre terras distantes deixaram uma forte impressão em Giles na infância e adolescência.

"Quando saí do fundo do poço, pude ver que havia diferentes estradas para explorar."

Escapando das próprias emoções

Em março de 2000, suas aventuras como mochileiro começaram com uma viagem a Nova Orleans, nos Estados Unidos.

"Eu não sabia onde estava indo e simplesmente congelei. Respirei fundo e disse a mim mesmo: 'Tony, se você não quiser fazer isso, vá para casa'."

Mas ele acabou decidindo prosseguir com a viagem e, desde então, já conheceu todos os Estados americanos.

"Uma das principais razões que me fizeram começar a viajar foi o escapismo. Fugir das minhas emoções."

Ir para novos lugares também deu a Giles uma poderosa e necessária injeção de ânimo.

"Quanto mais pessoas eu conhecia, mais eu parcebia que muitas delas não estavam comigo só porque eu sou cego, mas por causa da minha personalidade."

Orçamento pequeno

Giles tenta não gastar muito nas viagens. Ele prefere usar transporte público e opta por acomodações simples, como o lugar onde ficou em Addis Ababa, na Etiópia.

Giles gosta de conversar com os moradores dos países que visita e, frequentemente, é convidado a almoçar ou jantar na casa deles - The Travel Show, BBC News  - The Travel Show, BBC News
Giles gosta de conversar com os moradores dos países que visita e, frequentemente, é convidado a almoçar ou jantar na casa deles
Imagem: The Travel Show, BBC News

"O lugar é extremamente rústico e isso desperta os meus sentidos."

O anfitrião se animou a cozinhar uma refeição para Giles usando ingredientes locais que o britânico comprou no mercado.

"Eu ouço, cheiro e sinto as coisas ao meu redor."

Giles gosta de tocar e sentir os objetos. Conversar com as pessoas e ouvir o que elas têm a dizer o ajuda a criar uma imagem mental das paisagens, objetos e edifícios.

Em Addis, ele foi a uma exibição de arte onde lhe permitiram tocar e sentir os objetos em exposição. Giles diz que isso o fez sentir incluído, ao contrário do que ocorre na maioria dos museus.

Fugindo dos roteiros turísticos tradicionais

Giles tenta fugir dos roteiros turísticos batidos. Na Etiópia, ele visitou um lago que não consta dos guias e alimentou pássaros aquáticos com peixes.

Tony Giles gosta de fugir dos roteiros turísticos tradicionais - The Travel Show, BBC News - The Travel Show, BBC News
Tony Giles gosta de fugir dos roteiros turísticos tradicionais
Imagem: The Travel Show, BBC News

Às vezes, ele contrata um guia, mas nem sempre. E, de vez em quando, acaba se perdendo.

Mas isso não o faz mais entrar em pânico. Ele aguarda calmamente até que algum transeunte o ajude a se localizar.

"Pode ser que dez pessoas passem por você e aí alguém para e pergunta: 'Você está perdido? Quer ajuda?'"

Giles conta que já foi convidado várias vezes a conhecer a casa e jantar ou almoçar com pessoas que acabara de conhecer.

Confiando em desconhecidos

Sacar dinheiro e lidar com notas de diferentes moedas são desafios para o britânico. "Eu tenho de encontrar alguém em quem possa confiar. Tenho de fazer uma verificação, ouvir a história dessas pessoas."

Quando isso está feito, ele vai até um caixa eletrônico com o desconhecido ou desconhecida e saca dinheiro.

"Depois de pegar as notas, preciso perguntar qual o valor delas."

Música e comida

Nas suas viagens, Giles conheceu e tentou tocar diferentes instrumentos musicais.

Por meio de música e comida, Giles se conecta com a cultura local - The Travel Show, BBC News - The Travel Show, BBC News
Por meio de música e comida, Giles se conecta com a cultura local
Imagem: The Travel Show, BBC News

"Uma das minhas grandes paixões é a música. Eu consigo me conectar, sentir o ritmo. A música cruza todas as barreiras."

Giles também adora experimentar pratos típicos dos países que visita.

'Por que um cego quer conhecer o mundo?'

Apesar de não conseguir enxergar, Giles frequentemente tira fotos dos lugares espetaculares que conhece.

O britânico pode não aproveitar pessoalmente as imagens, mas elas são publicadas no site dele e encantam os olhos de outras pessoas.

Giles conta que vez ou outra é questionado sobre a sua paixão por viajar.

"Como uma pessoa cega quer 'ver' o mundo?", perguntam. Ele simplesmente responde: "Por que não?"

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