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Hospitalidade é marca de turismo de experiência na ex-soviética Geórgia

CLIFFORD J. LEVY

New York Times Syndicate

14/08/2011 09h03

Primeiro chegou a berinjela assada, coberta com creme de nozes e sementes de romã, seguida por pimentões vermelhos reluzentes com azeite, e uma salada de pepinos e tomates, temperada com ervas. Em seguida, o pão saído de um forno próximo, uma alma gêmea para o queijo caseiro, que era semelhante a mussarela, mas com um toque azedo. As duas mulheres da casa logo vieram com garrafas de vinho tinto e branco, vindos das uvas cultivadas nas terras ao redor e que ganharam vida nos tanques nos fundos. Foi um ótimo final - ou assim pensávamos - para o nosso primeiro almoço em uma pequena fazenda na Geórgia, o fértil quintal da antiga União Soviética.


Nós sorrimos e agradecemos às mulheres. Eles riram, como se quisessem dizer: 'hóspedes tolos, essa não é uma verdadeira refeição georgiana'. E enquanto o fogo crepitava na lareira, elas continuavam enchendo a mesa larga de madeira com pratos - frango grelhado sob um tijolo, grandes bolinhos de carne temperada, repolho recheado e diversos acompanhamentos.

'Quase tudo o que comemos aqui, nós mesmos cultivamos', nos disse posteriormente nosso anfitrião, Vazha Nikolaishvili.

Nós nos maravilhamos com a refeição, assim como com o local: Kakheti, uma exuberante região do leste da Geórgia conhecida por seus vinhedos, onde o crescente agroturismo oferece uma oportunidade de ver como a agricultura privada renasceu desde o fim da deplorável agricultura coletiva do comunismo.

No outono passado, acompanhado por minha esposa e três filhos, eu viajei duas horas de carro da capital da Geórgia, Tbilisi, para Kakheti, mas troquei o hotel por uma estadia de três dias com a família Nikolaishvili no vilarejo de Tsinandali. Ao chegarmos, fomos recebidos por Vazha, o patriarca da família, um homem encantador e falante que parecia Pablo Picasso.

Durante um passeio pela propriedade, à sombra das montanhas do Cáucaso, ele explicou em uma voz rouca como ele produz vinho a partir de uvas que ele cultiva ao redor de sua casa e em seis hectares nas proximidades. Ele também tem pés de caqui e outras árvores frutíferas, além de cultivar verduras e legumes.

'Quando colhemos uvas e outras culturas, meus amigos, os amigos do meu filho, vêm para nos ajudar, 50 ou 60 homens vem para nos ajudar', ele disse. 'Minha riqueza são meus amigos.'

A família Nikolaishvili até mesmo passou a cultivar produtos orgânicos, e ajudou a fundar uma associação de produtores orgânicos georgianos chamada Elkana, uma associação não-governamental que está tentando promover a agricultura orgânica por todo o país.

Nos últimos anos, produtores locais como os Nikolaishvilis começaram a abrir suas portas para os turistas, mostrando as tradições robustas da Geórgia de hospitalidade, que resistiram até mesmo durante a era soviética. Naquela época, a Geórgia era um destino de férias popular entre a elite comunista, com suas altas montanhas e a costa do Mar Negro. Mesmo agora, a culinária georgiana continua sendo estimada por toda a antiga União Soviética - um primo mais cheio de vida da culinária eslava mais sisuda.

As acomodações na casa Nikolaishvili não eram sofisticadas: nós cinco dormíamos em dois quartos rústicos na casa principal; o banheiro ficava em uma casa separada a uma curta distância. Na primavera e no outono, as temperaturas à noite podem cair para perto de zero. Um fogão a lenha na cozinha fornecia o calor, embora nem sempre chegasse aos nossos quartos. Hóspedes são bem-vindos o ano todo, embora os meses que não de inverno serem preferíveis. Ligue para 995-99-260-215 ou contate pelo e-mail nik.nikolaishvili@gmail.com para reservas.

Mesmo assim, fomos tratados calorosamente por Nikolaishvili e sua família, que tinham prazer em descrever os costumes rurais e em nos ensinar a cozinhar as especialidades georgianas. O preço foi mais do que razoável - US$ 35 por noite por pessoa, incluindo grandes quantidades de pratos deliciosos e vinho da casa (suco fresco de uva, espremida na hora, para as crianças).

Nikolaishvili, 62 anos, e sua esposa, Tina, 58 anos, não falavam inglês, de modo que nos comunicávamos com eles em russo, que eles aprenderam durante os tempos soviéticos. O filho deles que fala inglês, Niko, 35 anos, e a nora, Shorena, 26 anos, estavam sempre de prontidão para traduzir para os estrangeiros.

É claro, não se limitava a comer e conversar - havia trabalho a fazer.

Da primeira ordenha de suas vacas na madrugada ao assar do pão à noite, nós participávamos das tarefas da fazenda. Vazha demonstrou como as uvas eram colhidas, prensadas e fermentadas, especialmente as variedades clássicas georgianas, 'rkatsiteli' (branca) e 'saperavi' (rubra). Apesar de ter seu próprio rótulo, ele disse que grande parte de sua produção - até 70 mil garrafas por ano - ele vende por atacado. Ele também destila 'chacha', um fermentado 'soco-nas-tripas' feito a partir da casca da uva e outros restos do processo de fermentação.'

  • Justyna Mielnikiewicz/The New York Times

    A família Nikolaishvili recebe hóspedes em sua casa no vilarejo de Tsinandali, na Geórgia

A propriedade atraente era coberta de videiras em caramanchões e as crianças brincavam de pega-pega ao redor das hortas sob a luz do sol de outono.

Elas também adoravam passar tempo na cozinha com Tina e Shorena, aprendendo a preparar pratos como os bolinhos de carne chamados 'khinkali'. 'Isso não está certo', Shorena repreendia gentilmente, segurando um bolinho irregular que parecia ter sido destroçado por um bebê. Todo mundo ria e começava de novo.

O destaque do nosso tempo na cozinha foi fazer barras de nozes chamadas 'churchkhela', um prezado evento da época da colheita na Geórgia. As mulheres fervem uma panela de suco fresco de uva, mexendo vigorosamente e o engrossando com farinha. As crianças então mergulhavam cordões de nozes na mistura, formando uma cobertura pegajosa. Os cordões eram pendurados para secar ao redor da casa, com as guloseimas sendo consumidas posteriormente durante todo o resto da viagem.

Vazha adorava encher um copo de rkatsiteli - ou vários - e sentar diante do fogo na sala de jantar e conversar. Ele lembrou que aprendeu as virtudes da hospitalidade com seu avô, que plantou as ancestrais de algumas das videiras ainda presentes na propriedade. Quando alguém chegava, seja para negócios ou lazer, seu avô primeiro os convidava à mesa.

O que havia na casa, podia ser qualquer coisa, podia ser algo simples - sal e pão, queijo e verduras - ele servia o vinho e só depois ele perguntava: 'Qual é o propósito de sua visita, o que você precisa, como posso ajudá-lo?'disse Nikolaishvili.

'Por que estamos vivos?' ele acrescentou retoricamente. 'Não é para conhecer pessoas, para lhes oferecer uma boa refeição, para dividir uma refeição com elas? Os georgianos adoram ter hóspedes e nós queremos que o mundo todo saiba disso.'