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Como comer bem a comida mais tradicional de Atenas

FRANK BRUNI

New York Times Syndicate

12/06/2011 09h07

Ofuscada pelas epicuristas exibicionistas desavergonhadas Paris, Barcelona e Roma, Atenas às vezes reage de modo exagerado, respondendo com uma ambição tão fervorosa que quase chega a ser comovente.

Eu sei: eu já fui vítima dela. Um ateniense atrás do outro me arrastava para esta ou aquela sala elegantemente projetada, com pratos geometricamente ousados sobre os quais se equilibravam pilhas complexas de comida. E eu me perguntava onde estavam escondidos os prazeres do polvo grelhado e o que tinha acontecido com a simplicidade no coração da melhor culinária da Grécia, que não precisa sofrer de qualquer complexo de inferioridade.

Então, em uma recente viagem a Atenas, eu estabeleci meus próprios parâmetros estreitos, meus próprios termos tradicionais. Eu não comeria nada que não tivesse raízes gregas discerníveis. Eu não iria a nenhum lugar pertencente à escola de Mistura Cosmopolita de cozinha internacional preciosa. Em vez de buscar o novo, eu me deleitaria com o velho; quanto mais velho fosse o restaurante, melhor. Afinal, eles resistiram ao teste do tempo.

Minha abordagem se mostrou relativamente barata e parecia adequada para um momento de retração econômica em um país abençoado e amaldiçoado por um resgate econômico. Eu coloquei o conforto à frente de deslumbramento. E isso levou a algumas refeições excelentes.


Margaro
Eu me lembro do momento em que me apaixonei pelo restaurante Margaro. Cinco minutos após me sentar em uma mesa ainda quase sem nada, coberta com um papel fino, eu levantei os olhos e vi uma velha enrugada, de formato quadrado, levar uma tainha inteira, com uns 18 centímetros de comprimento, aos seus lábios e comê-lo como se fosse uma espiga de milho. Aquilo é que era comer com gosto.

No Margaro você come tainha, porque é isso o que todo mundo faz e é praticamente só o que tem. Um cardápio reluzente preso por uma corda à nossa mesa - como se alguém pudesse roubá-lo! - mencionava alguns peixes diferentes, mas um garçom nos disse que poderia e resumiria as opções da noite. Nós poderíamos pedir tainha, camarão ou lagostim. E só.

Nós pedimos um prato que incluía tudo e perguntamos sobre uma salada grega para acompanhar. Eles tinham uma, com um pedaço grande de queijo feta salgado e um azeite de oliva de tom escuro, que nos agradou sem nos deslumbrar.

Mas o camarão, o lagostim e, especialmente, a tainha foram fantásticos. Praticamente tudo o que acontece com eles em sua viagem de despensa à mesa é que eles são polvilhados com farinha e sal e completamente mergulhados em óleo bem quente. Eles saem dali crocantes, como batatas fritas písceas. Eles são servidos inteiros, e apesar de usarmos nossos dedos para pedaços dos crustáceos, nós restringimos os talheres à tainha, cada uma durando em torno de seis mordidas. Nós devoramos quase uma dúzia delas.

Depois nós comemos halva, uma iguaria à base de gergelim que, no Margaro, tem a consistência e sabor de massa de biscoito. Estava maravilhosa - e era a única sobremesa disponível.

Há uma poesia bruta, irresistível, em quão despojada é esta taverna. Ela está localizada em uma rua qualquer na cidade portuária de Pireu, que está para Atenas mais ou menos como o Brooklyn está para Manhattan: um elemento da metrópole maior, isenta de parte de seu brilho, mas com rápido acesso por metrô. As finas toalhas de mesa são mantidas no lugar por algo que parecia um clipe de papel anabolizado. O vinho branco - apenas um tipo genérico - é servido em jarras de metal. E não há nada que realmente possa ser considerado como decoração na ampla varanda coberta na frente, que é onde come a maioria das pessoas, principalmente as mais velhas.

As pessoas comem e conversam com exuberância enquanto a brisa sopra na direção da cozinha, de onde sai prato após prato de tainha. Esse é quase todo o espetáculo, e é mais que suficiente. (Margaro, Hatzikyriakou 126, Pireu, 30-210-4514226. Jantar para dois, com vinho, custa aproximadamente 45 euros).

Doris
Assim como todo mundo que vai ao Margaro não perde a tainha, ninguém que visita o Doris ignora os loukoumádes, que são tecnicamente donuts, mas tão superiores aos outros que ser comparados com eles é uma injustiça terrível. Eles desafiam a gravidade culinária com sua crocância impossivelmente arejada - ou seria sua chocante leveza crocante. De qualquer modo, eles são um milagre de textura e seu sabor é uma revelação.

  • Eirini Vourloumis/The New York Times

    Prato de loukoumádes no Doris, em Atenas


Para chegar ao Doris você vai a um lotado bairro central de Atenas, repleto de ruas e ladeiras estreitas. O ambiente é tanto funcional quanto festivo: uma espécie de café na frente, um grande salão de jantar trás dele, um jardim ao lado, pé direito alto, paredes amarelas e cor-de-rosa. O cardápio é rabiscado em grego em um quadro-negro enorme, mas você não precisa entender, porque a maioria dos alimentos é exibida em grandes panelas e pratos - uma seleção dos velhos clássicos, que também poderia ser chamado de clichê. Moussaka, saganaki, tomates recheados: tudo isso está aqui.

E a maioria é bem preparada. Eu recomendo pular os pratos de massas gregas (secas), mas não deixando de provar os pimentões verdes assados recheados com queijo, que são soberbos. Pegue um monte de coisas e depois repasse ao redor. Isso é o que a clientela grega regular faz aqui.

Saiba que ele não abre depois das 18h30 e é mais popular na hora do almoço, entre o pessoal de negócios, apesar de peregrinos em busca dos loukoumádes mantê-lo movimentado desde a sua abertura, às 8h da manhã, até a hora de fechar. Os bolinhos - alguns arredondados, outros mais parecendo rabiscos - vêm em uma bandeja, com um pouco de açúcar polvilhado, um pouco mais de canela e respingado de mel, que se acumula de forma lenta e grossa por baixo deles. Mergulhe os bolinhos nele.

E preste atenção nos garçons, hipnotizantes em sua eficiência e aspectos incompatíveis. Havia um homem forte e carrancudo; uma mulher magra e alegre, eternamente sorridente. Pelo que pude perceber a partir de uma conversa entre eles na minha saída, eles devem ter algum parentesco distante, assim como muitos dos demais funcionários. O Doris aparentemente está aberto há mais de um século, que é muito tempo para uma árvore genealógica ramificar bastante.

(Doris, Praxitelous 30, Atenas; 30-210-3232671. Almoço para dois, sem vinho, custa 40 euros).

Karavitis
No Karavitis, um rebelde tosco em uma área abastada do centro de Atenas, me foi servido o tzatziki mais espesso e com mais sabor de alho que eu já encontrei, além de um sermão sobre quão pouco além do alho, iogurte, pepino e azeite ele deve conter.

Uma das minhas companheiras de mesa, uma ateniense, lembrou de estar nos Estados Unidos e de ter assistido um cozinheiro de TV fazer algo que foi chamado de tzatziki. O cozinheiro usou abacate. 'Eu comecei a me arrepiar', disse minha companheira de jantar, se contraindo de medo.

Então o cozinheiro colocou pimentão. 'Eu tive vontade de telefonar para a emissora', ela disse.

Por último, foi adicionado manteiga: 'Naquele momento eu fiquei enjoada'.

Resumindo, minha companhia é uma classicista que se ofende facilmente, e o Karavitis passa na revista dela. Ele é renomado por suas carnes grelhadas -cordeiro, porco e bovina - que em muitos casos, dependendo do dia e dos cortes disponíveis, você pede e paga por quilo, para comer em família.

Nós quatro fomos servidos com aproximadamente um quilo e meio de cordeiro, o que significou um monte de pequenos pedaços. Como acontece muitas vezes em países com preferência por cordeiro como a Grécia, a carne é mais almiscarada, mais estimulante do que nos Estados Unidos, o que é bom. Ela veio com alguns pontos levemente queimados no exterior.

Nós também pedimos tzatziki, batatas fritas e, o melhor de tudo, as adoradas almôndegas fritas do restaurante, feitas com carne bovina, migalhas de pão, cebola, hortelã, alho e orégano. Elas são pequenas o suficiente para serem colocadas inteiras na boca, e viciantes o suficiente para fazer você rapidamente perder a conta de quantas vezes já fez isso.

Nós terminamos esta refeição, como fizemos no Margaro, com halva, embora aqui ele fosse menos saboroso e com textura de pudim. Nossa sobremesa adicional, que misturava iogurte com marmelo cristalizado, foi a vencedora.

O Karavitis é uma experiência particular. Ele parece atrair grupos de 8, 10 e até 12 pessoas, que se reúnem em mesas compridas. Um violonista circula pela sala dedilhando. Ao longo de uma parede se encontram gigantescos e velhos barris de madeira de vinho.

Falando em vinho, ele é servido em jarros e, é claro, são básicos, sem nada de especial, destinados principalmente para facilitar o consumo e para ajudar a descer a comida farta.

(Karavitis, Arktinou 35, Atenas; 30-210-7215155. Jantar para dois, com vinho, custa 55 euros).
 

  • Eirini Vourloumis/The New York Times

    Versão como mousse da taramosalata (um patê de ovas de peixe com um toque salgado) do restaurante Vassilena, na Grécia

Vassilenas
Para uma carta de vinho de verdade, um ambiente mais refinado e serviço mais polido, não há opções muito melhores do que o Vassilenas, em Pireu, que tem mais de 50 anos e foi agradavelmente reformado, mas não de modo ostentoso, há cerca de cinco anos. Mesas de madeira escura lustrosas ficam sobre pisos de madeira clara; as paredes são de cores elegantes e calmantes. E a comida, uma combinação de pratos conhecidos preparados de modo simples ou reinterpretados, vem em pratos de forma extravagante.

Mas não se preocupe: você ainda está em território grego reconhecidamente tradicional e a cozinha demonstra tanta preocupação com ingredientes impecáveis quanto capricho culinário. O melhor prato único que comi ali foi a lula grelhada, cortada tão fina quanto carpaccio, mas fora isso deixada em paz.

O Vassilenas é um ímã para os fãs de comida e os atenienses que o apresentaram para mim e minha acompanhante olharam ao redor, certos que encontrariam alguém que ilustraria o fato. E conseguiram, apontando para um homem que ele disse ter sido um astro da versão grega do programa ?Top Chef?.

Nós pedimos uma garrafa de vinho branco grego de 2008, feito da uva roditis, a preferida dos produtores de vinho do país. O pouco de envelhecimento lhe deu uma intensidade bem-vinda. E nós desmaiamos diante da versão como mousse da taramosalata do restaurante, um patê de ovas de peixe que tinha um toque salgado audacioso. Igualmente delicioso foi a mistura de feijão fava e grão de bico com uma canela de cordeiro bem gorda e de peso impressionante. O Vassilenas não é formal demais para servir um pedação de carne a você.

(Vassilenas, Aitolikou 72, Pireu; 30-210-4612457; vassilenas.gr. Jantar para dois, com vinho, custa 90 euros).

Vlassis
O equilíbrio de toques rústicos e refinados no Vlassis me lembra o equilíbrio alcançado pelo Vassilenas. A decoração discreta também é vagamente contemporânea e o Vlassis tem um efeito igualmente calmante. Embora fique em uma parte movimentada de Atenas, ele é protegido por uma parede de arbustos que lhe dá uma sensação de isolamento.

Na noite em que fomos, havia mais de uma dúzia de pequenos pratos à escolha, e um pouco menos entradas. A maioria das entradas, que os gregos chamam de mezedes, é levada à mesa em uma bandeja enorme para inspeção visual. Havia um divino repolho recheado com molho bechámel; uma espécie de abobrinha frita picada, não empanada, que passava a sensação opulenta de cogumelos levemente fritos, uma 'piscina' de iogurte de leite de ovelha com o molho de tomate, parecido com um ketchup ralo e picante no centro; e algo que o garçom chamou de 'queijo picante', que era como uma feta cremoso salpicado com pimentão cozido, que era maravilhoso.

Nós nos empanturrados tão alegremente com as mezedes que não conseguimos sentir muito entusiasmo por nossas entradas, que mereciam ao menos um pouco dele. O vermelho grelhado de modo simples tinha carne tenra; o frango assado cumpriu suas obrigações prosaicas.

Na hora da sobremesa o Vlassis foi além das fronteiras nacionais, servindo um panna cotta que lembrava a Itália e um cheesecake que não lembrava nenhum lugar e ao mesmo tempo todos os lugares. É possível desculpar a divagação. Foi o último ato da nossa última refeição, e nós nos saciamos alegremente com a Grécia.

(Vlassis, Maiandrou 15, Atenas; 30-210-7256335. Jantar para dois, com vinho, custa 85 euros).