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Romântico

Roteiro pelo litoral da Toscana revela praias e vilarejos pouco explorados

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Ondine Cohane
New York Times Syndicate

Já anoitecia e eu estava correndo em uma estradinha de terra de uma reserva natural, de difícil acesso, em Bolgheri, no oeste da Toscana. Uma família de javalis ariscos saíra das moitas, rabos em pé e olhares desconfiados, antes de sair trotando apressada. Vi dois veados pastando atrás das árvores coloridas ao longo do estuário, que estava pontilhado de garças. Uma lebre gorducha se escondia parcialmente atrás de um tronco caído.

Logo depois, passei por uma floresta de pinheiros, seguindo a trilha através das dunas rumo ao meu destino final: o Mar Tirreno. Eu estava no litoral da Toscana em agosto, mas, tirando um homem grisalho que pescava, não havia ninguém ali. Dei um mergulho nas ondas suaves enquanto o sol se punha no horizonte.

Fui a Bolgheri pela primeira vez há mais de trinta anos; tive a sorte de ser levada lá por uma família que, de certa forma, acabou adotando a mim e minha mãe, em Florença, depois da morte do meu pai. Antes de conhecê-la, eu passava os verões em um barco à vela que ficava primeiro ancorado em Porto Ercole, na Toscana, e depois na Sardenha. O problema é que víamos a maioria das cidades do mar, de vez em quando parando para um lanche rápido, às vezes um gelato ou um prato de mexilhões antes de zarpar novamente.

A família que nos apresentou a esse verdadeiro paraíso litorâneo parecia saída de um romance: um húngaro cuja propriedade tinha sido confiscada após a tomada do poder pelo regime comunista; uma escritora britânica que, ainda hoje, é uma das mulheres mais engraçadas que já conheci; dois filhos lindos e uma verdadeira arca de Noé: cães, tartarugas, um papagaio, um pônei e todos os desgarrados e órfãos que encontravam pelo caminho.

As crianças e eu pegávamos girinos em um riacho próximo, comíamos o peixe delicioso que escolhíamos toda sexta à noite, a caminho de casa, e nadávamos depois do piquenique sob as pérgulas de madeira que pontilhavam o parque particular na praia, pertinho da cidade. Porém, quando nos mudamos para os EUA, perdemos o contato e Bolgheri passou a ser uma lembrança distante de outra vida.

A costa toscana menos conhecida continua cheia de segredos como esse, graças à série de cidadezinhas nas colinas que mantinha os invasores afastados. Reduto de uma arquitetura bem conservada, os belos vilarejos não recebem a multidão que prefere seguir para as praias próximas - e também são o portal para Maremma, terra de cavalos de crina ondulada e vacas brancas enormes, vinhos e frutos do mar excelentes, portos chiques, clubes de praia e uma região que, de certa forma, vive abandonada à própria sorte, exceto na alta temporada (de meados de julho a fim de agosto).

Entretanto, quando eu e meu marido nos mudamos para a Toscana, há seis anos, como a maioria dos visitantes, prestamos atenção primeiro ao interior da região - na maior cidade mais próxima, Siena, e nas cidadezinhas nas encostas como Montalcino e Pienza, além das belíssimas paisagens do Val d'Orcia; acontece que, em linha reta, o Mar Mediterrâneo fica a 80 quilômetros de nossa casa. Os italianos nossos vizinhos iam para o litoral sempre que saía um solzinho, atraídos para o mar como os filhotes de tartaruga em sua curta peregrinação.

  • Kathr­yn Rean Cook/The New York Times

    Vinícola próxima a Bolgheri, um dos vilarejos escondidos na região da Toscana

Os nomes de seus lugares favoritos eram sussurrados em nossos ouvidos com um fervor quase religioso: praias de areia branca como Cala Violina; Alberese, que faz parte do Parque Nacional de Maremma; restaurantes como o Rosso e Vino, chique e tranquilo, e longas caminhadas nas enseadas desertas abaixo de Populonia. Anotei os nomes no meu caderninho e, nos dias em que podíamos dar uma escapada, íamos conhecer um por um.

Nós nos sentamos entre os troncos de pinheiros esculturais sob as torres de observação de Alberese, observamos um homem de muletas caminhar quase 1,5 quilômetro para chegar à praia de Violina, acompanhamos as manobras dos windsurfistas de Fiumara e perdemos a conta de quantos pratos de spaghetti alle vongole e pescada grelhada saboreamos por ali.

Acima de tudo, apreciamos o fato de sabermos aonde ir porque a verdade é que o litoral toscano também pode ser bem feio. Nos anos 70, a sede do progresso através da indústria fez com que várias refinarias se instalassem ali e deteriorassem as praias na região de Folclórica e Pio bino, enquanto o inevitável crescimento do turismo de massa encheu a costa de Forte dei Marme e Variego-o de guarda-sóis e espreguiçadeiras baratas. Por outro lado, vastos trechos foram preservados graças à criação de parques nacionais doados principalmente por famílias de nobres. (O Parque de Maremma já foi propriedade do Grão-Duque da Toscana; o Parque do WWF, perto de Bolgheri, foi parte da famosa propriedade Antenor.)

Longe dos playgrounds litorâneos mais famosos da região, existe um mundo que se estende do norte para o sul, geralmente próximos de pontos já descobertos. Em cada área há uma cidadezinha preservada que mais parece uma verdadeira joia e em todas há algum tipo de santuário ou parque que permite que se tenha uma ideia de como era a costa antes do desenvolvimento urbano. Nelas há uma praia ou um clube de praia que aprendemos a amar. Mesmo tendo frequentado esses locais há anos, sempre encontro uma nova surpresa: nessa temporada foi o clube e restaurante Al Carmello, que tem um piano de cauda sobre tapetes orientais espalhados na área externa (mas coberta) de "aperitivos". Tudo perfeitamente civilizado.

Esses locais não só oferecem pequenas amostras do que é a vida italiana como também a de cada trecho específico da praia. Ao longo do dia, a partir do amanhecer, vários rituais se desenrolam aqui e ali: o pessoal lendo o jornal e discutindo futebol enquanto saboreia um expresso; as espreguiçadeiras são escolhidas em decisões tão ponderadas quanto à compra de uma casa; aliás, muitas famílias alugam fileiras inteiras durante décadas.

  • Kathr­yn Rean Cook/The New York Times

    Peixe com alecrim e azeitonas em La Pipeta, a cerca de 15 minutos de Bolgheri


Várias gerações de um mesmo clã praticamente desenvolvem posições de bronzeamento sincronizadas - sem contar a sesta. O horário do almoço e do jantar parece calculado no relógio, com a mesma mesa reservada para as refeições de três pratos e vinho no gelo ou piqueniques longos, preparados com carinho pela manhã. Há um conforto inigualável na regularidade da rotina, principalmente nesta época de incertezas econômicas. Durante pelo menos um mês, a maioria das coisas são como sempre foram - e o pessoal volta para casa bronzeado.

Como os moradores da nossa cidadezinha no interior, agora ficamos de mau humor  se não podemos ir para a praia como planejado: sentimos falta do vale perto do mar, do mergulho, do spaghetti alle vongole no almoço, da soneca, outro mergulho, café e sorvete e da volta para casa.

E a comida sempre vale uma descrição mais elaborada. Um bom exemplo: o La Pipeta, perto de Marina de Babona, e a cerca de 15 minutos de Bolgheri, é o tipo de casa de frutos do mar que resume a experiência simples, mas inesquecível do litoral. De fora ela parece básica como outra qualquer, uma estrutura situada perto do mar. Através da porta estreita, onde se encontra a placa com o nome do restaurante, um salão arejado e iluminado dá vista para o mar. É surpreendentemente elegante, com toalhas brancas, castiçais de prata e piso de madeira, mas, ao mesmo tempo, descontraído.

Nota-se no serviço a marca de uma longa parceria: os garçons são gêmeos idênticos na casa dos 50 e o próprio chef e dono, Luciano Zazzeri, é quem pega os pedidos; os pratos são preparados com os peixes que ele recebe de seus dois barcos - e viram refogados no forno com alcaparras, azeitonas, alecrim e tomates locais.

O camarão chega com um ovo de codorna perfeitamente cozido; o "crudo", ou peixe cru, é superior a muito sushi e a sobremesa de panna cotta é preparada com o mel local e morangos colhidos no pomar. Os pratos são acompanhados de uma garrafa de vinho branco gelado escolhido na longa lista de opções das vinícolas vizinhas.

Depois da refeição, voltamos a Bolgheri. Encontramos a nossa família húngaro-britânica há alguns anos e agora nossos filhos nadam e fazem piqueniques com os netos deles na praia da minha infância. À noite, os javalis ainda trotam por ali. As vinícolas ainda estão cheias com os vinhos mais famosos da Itália… e o mar continua logo ali.

Cinco opções à beira-mar

Do norte para o sul, esses vilarejos pitorescos no Mar Tirreno pontilham o litoral toscano.

Bolgheri: Cidadezinha charmosa com vista para as vinícolas que cultivam algumas das uvas mais valorizadas do país. A maioria possui enotecas onde é possível degustar as melhores safras e restaurantes cujos cardápios incluem frutos do mar e carne de caça. Não perca: Bolgheri Ti Amo, um carrinho de sorvete com sabores orgânicos e sazonais.

Populonia: Fã/conhecedores de Arqueologia visitam a região por causa das ruínas etruscas (entre as mais bem preservadas da Toscana); já os ratos de praia preferem tomar sol na baía de Baratti. Não perca: a fortaleza do século 15 com suas muralhas de frente para o mar verde esmeralda.

Castiglione Della Pescaia: Enquanto as hordas de turistas vão direto para os clubes de praia, esse assentamento antigo, que já abrigou etruscos e romanos, vale um passeio, mesmo que depois você vá para Porto Ercole ou as ilhas de Elba e Giglio. Não perca: a "passeggiata" de fim de tarde, ou passeio, a partir da Piazza della Reppublica.

Talamone: Situada nas falésias que dão para o Parque Nacional de Maremma, Talamone é um emaranhado de vielas medievais com um castelo do século 13 no meio. Não perca: o spaghetti alle vongole do La Buca di Nonno Ghigo.

Capalbio: A cidade, perto da divisa com Lazio, tornou-se o refúgio dos romanos que procuram um lugar especial nos fins de semana e é fácil entender por quê: a cidadezinha fica na encosta, mas é pertinho da praia. Não perca: O Tarot Garden psicodélico de Niki de Saint Phalle, que inclui uma torre de treze metros de mosaicos espelhados.

  • Kathr­yn Rean Cook/The New York Times

    Em Populonia, está uma fortaleza do século 15 com suas muralhas de frente para o mar verde esmeralda

Onde ficar

Perto de Bolgheri, o Relais Sant' Elena (39-0586-671-071; relaissantelena.it; diárias de quartos duplos a partir de 140 euros ou US$180 com o euro a US$1,29) é um retiro tranquilo com uma piscina meio escondida e belos quartos.

Poggio ai Santi (39-0565-798-032; poggioaisanti.com; diárias de quartos duplos a partir de 149 euros) é uma base excelente de exploração da área de Bolgheri e Popolunia, com um restaurante famoso, o Il Sale, e uma vista maravilhosa do mar - só que nenhum dos dois aceitam crianças com menos de doze anos; se tiver filhos pequenos, é melhor alugar uma casa através das agências (a maioria tem acesso privado à praia). A Trust and Travel (trustandtravel.com) e a Cedric Reversade (uniquepropertiesandevents.com) têm boas opções.

Perto de Talamone e Castiglione della Pescaia, o L'Andana de Alain Ducasse (39-0564-944-950; andana.it; diárias de quartos duplos a partir de 300 euros, com café da manhã incluído) é uma opção mais formal e mais cara; já o Il Pellicano (39-0564-858-111; pellicanohotel.com; diárias de quartos duplos a partir de 420 euros) é conhecido do jet-set desde a década de 60. Mais íntimo e simples é o Relais Vedetta (39-0566-370-23; relaisvedetta.eu; diárias de quartos duplos a partir de US$250), inaugurado há alguns anos e fica perto de Maremma e belas cidadezinhas como Massa Marittima. Em Capalbio, o Locanda Rossa (39-0564-890-462; locandarossa.com; diárias de quartos duplos a partir de 160 euros), recém-inaugurado, é cercado de vinícolas, tem um bela piscina e playground, e fica pertinho das praias.

O que ver e fazer

Um dos prazeres do litoral é a série de clubes de praia que se instalaram à beira-mar. Os melhores têm restaurantes de frutos do mar excelentes, espreguiçadeiras confortáveis e salva-vidas. É melhor fazer reserva entre meados de junho até setembro e muitos fecham depois de 1º de outubro. Perto de Capalbio, o Rosso e Vino alla Dogana (Localita Graticciaia; 39-0564-890-344) oferece frutos do mar deliciosos em uma varanda coberta e o Al Cartello (Via della Spiaggia, 22; 39-0564-881-211) tem um piano de cauda e um spaghetti alle vongole matador.

Na mesma área, o L'Ultima Spiaggia (Localita Chiarone Marina, 39-0564-890-295; ultimaspiaggia.com) é a opção para os romanos abastados que frequentam na alta temporada. Perto de Marina di Grosetto, o Fiumara Beach (39-0564-340-40; fiumarabeach.it) costumava servir os melhores almoços da região, mas agora só oferece jantar; apesar disso, o clube continua lindo e o bar serve saladas e panini o dia todo. O La Tana del Pirata (Via Milano 17, Marina di Castagneto Carducci; 39-0565-744-143), não muito longe de Bolgheri, tem uma praia linda com mar sem ondas e uma das horas do "aperitivo" mais festivas da Toscana.

Entre os restaurantes, os destaques vão para o La Pipeta (Via dei Cavalleggeri Nord 27; 39-0586-600-016; fechados as segundas e terças para o almoço; faça reserva com bastante antecedência) pelos frutos do mar e a carta de vinhos. O Zanzibar (Piazza del Porto 2; 39-0565-702-927), em San Vincenzo, é um dos favoritos dos moradores por causa de seu peixe grelhado. O Il Salino (Piazza Vittorio Veneto 5; 39-393-967-8145) oferece almoços leves e piqueniques incríveis, que incluem o salame local e queijo pecorino. Com vista para a Baía de Baratti, sob Populonia, o Il Canessa (39-338-272-6584; canessacamere.it) tem uma vista espetacular do mar e pratos de "fritto misto". Em Capalbio, o Il Frantoio (Via Renato Fucini 10; 39-0564-896-484) oferece carne de boa qualidade e frutos do mar, além de um cardápio vegetariano, coisa rara na Toscana, tudo servido em uma varanda confortável.

Os parques nacionais da região são um dos tesouros italianos graças às praias naturais, as trilhas para caminhadas e bicicletas e a vida selvagem. Entre as opções obrigatórias do verão estão Maremma (parco-maremma.it), em Alberese, mais de dez mil hectares de área que atrai tanto os javalis como os caminhantes, e quilômetros de praias; a reserva natural Orti Bottagone WWF, abaixo de Populonia, oferece uma infinidade de enseadas perfeitas para serem exploradas. 

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