UOL Viagem

27/05/2008 - 23h54

Nova Zelândia, um paraíso de contrastes, é percorrida de norte a sul

MARCEL VINCENTI
Colaboração para o UOL, da Nova Zelândia

Fotos Marcel Vincenti/UOL

Cape Reinga, um dos últimos pedaços de terra da Nova Zelândia

Cape Reinga, um dos últimos pedaços de terra da Nova Zelândia

Sir Edmund Hillary, o primeiro homem a chegar ao cume do Everest, não poderia ter nascido em outro lugar. Seu país, a Nova Zelândia, é uma visão que desperta sonhos de grandeza. Sentado em um dos últimos pedaços de terra desta nação, observo o encontro do oceano Pacífico com o mar da Tasmânia desde o topo de uma encosta de 160 metros de altura. As ondas quebram lá embaixo e, ao lado de dunas esculpidas pelo vento e colinas verdejantes, constroem uma paisagem vertiginosa.

Um romântico farol me serve de sombra e, em sua placa de apresentação, o aviso: estou em Cape Reinga, no topo da ilha norte do país. A Nova Zelândia acaba aqui e minha viagem está prestes a começar (a nossa Volta ao Mundo chega à sua segunda etapa e esse é o paradeiro depois da aventura pela Polinésia Francesa). Olho o mapa e uma vontade enorme de atravessar esse território invade meus planos. Slope Point, no final da ilha sul, é a meta.

Não será difícil completar a tarefa. Os 1.600 quilômetros que separam os dois extremos anunciam uma aventura empolgante. Meu transporte será meu lar: uma pequena van que aluguei com um amigo. Dormiremos na estrada, no melhor estilo Jack Kerouac.

Prévia na ilha norte

Marcel Vincenti/UOL
 
É quase unanimidade entre os viajantes que as maiores belezas da Nova Zelândia estão em sua ilha sul. Tudo uma questão de gosto. Desde a bela prévia de Cape Reinga, à medida que descíamos em direção a Auckland, a parte norte do país só nos ofereceu entretenimento para os olhos.

Vilarejos como Te Kao e Pukenui apresentaram um interior neozelandês bucólico, feito de poucas casas, muitas vacas e colinas que transformavam a paisagem em um enorme mar de ondas verdes. O oceano e suas praias podiam ser avistados vez ou outra no horizonte.

A região tem sua importância histórica. O tratado que, em 1840, deu ao Reino Unido a soberania sobre a Nova Zelândia e estabeleceu direitos civis para os maoris -o povo polinésio que primeiro colonizou essas terras- foi assinado na cidade de Waitangi, às margens da paradisíaca Bay of Islands.

O país se tornou independente, alcançou status de primeiro mundo, mas sua densidade demográfica se manteve em níveis extremamente baixos. São hoje 4,2 milhões de pessoas espalhadas em um território de 268.680 km² (área similar à do Reino Unido, que abriga hoje 60 milhões de seres humanos). "Esse lugar é o segredo mais bem guardado do mundo", diz John Dawson, um australiano em férias na zona rural neozelandesa. "Não há ninguém por aqui, só belas paisagens."

O cenários, porém, mudam rápido no país. Chegamos a Auckland, após passar uma noite gélida em seus subúrbios, e descobrimos que a Nova Zelândia já foi descoberta, sim, por grande colônia de estrangeiros.

O centro de Auckland é dominado por chineses, indianos, turcos e árabes. Somem-se a eles os maoris -também presentes nas ruas da cidade- e temos uma exótica sopa de idiomas, feições e costumes a borbulhar nessa metrópole de 1,2 milhão de habitantes.

Estou no contexto da selva de pedra e, talvez por isso, meu primeiro contato com os maoris é frustrante. Esperava encontrá-los em seu caráter tribal, com seus costumes e idioma próprio. Dois deles, porém, vestidos como rappers, me encontraram primeiro: vendiam maconha e queriam saber se eu queria. Outro, mais velho, uma peruca loira a lhe cobrir a cabeça, tocava flauta, um tanto bêbado, ao lado do porto. A música era bela, a distorção de sua aparência, nem tanto.

É também em Auckland onde conheço muitos mochileiros e descubro suas motivações de viagem. A Nova Zelândia é, principalmente para os jovens europeus, um grande parque de diversões. Antes de iniciar a universidade, eles vêm ao país praticar esportes radicais e explorar a natureza exótica do local.

Adam Radford, um inglês de 18 anos, tem saltado de alguns penhascos e subido em algumas geleiras durante sua estadia aqui. "A Nova Zelândia significa liberdade. Fazer bungee jumping sobre esses cenários é uma experiência incrível", conta, empolgado.

A verdade é que nem todas as paisagens que nos cercam têm beleza fácil. Em Rotorua, 197 quilômetros ao sul de Auckland, nos deparamos com um dos mais exóticos recantos do país. A cidade é linda e cheira a ovo podre. Uma grande atividade geotérmica define o solo da região e, junto com a beleza de gêiseres e lagoas ferventes, nos presenteia com um belo odor de enxofre. E confesso: é ótimo se sentir tão perto do labor da natureza.

Os maoris -muitos vivem de maneira autêntica na área- sempre consideraram essa região sagrada. E não deixa de ser um tanto místico andar entre o vapor das profundidades terrenas.


Topografia exótica e cheiro de enxofre na região de Rotorua mostram que nem todas as belezas são fáceis na NZ
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O clima está gélido nessa época do ano. Uma nevasca nos encontra no deserto Rangipo e faz sumir as montanhas que rodeiam a estrada. A vida na van é também difícil. O veículo é apertado para dormir, não nos isola do frio e, é de se supor, nos obriga a suplicar por chuveiro em albergues.

Os bons pubs da capital Wellington, entretanto, no extremo sul da ilha norte, nos recebem com cálido conforto. Na televisão sobre o bar, em uma reprise, os All Blacks -a venerada seleção de rúgbi do país- realiza a haka, tradicional dança maori, antes de iniciar um jogo contra a rival Austrália. É um ritual fascinante, em que os jogadores encaram os adversários com caretas e demonstrações de força. Os All Blacks perdem o jogo (algo como o Brasil sendo derrotado pela Argentina), mas os neozelandeses mantêm a dignidade. "Odiamos a Austrália, principalmente quando somos batidos por eles, mas sabemos que somos os melhores", um nativo me diz.

Fascínio na ilha sul

Wellington é uma cidade interessante. Possui um clima cosmopolita menos opressivo que o de Auckland, uma bela costa e a famosa Cuba Street, rua cheia de pessoas excêntricas e lojas descoladas. Nosso objetivo aqui, no entanto, é embarcar a van na balsa, cruzar o estreito de Cook e começar a viagem pela ilha sul.

Durante o percurso, os primeiros picos nevados da viagem aparecem no horizonte. Desembarcamos na cidade de Picton e a região de Marlborough nos deslumbra com suas vinícolas e um pôr-do-sol inesquecível. Tenho a sensação de haver chegado a outro país. Talvez seja a expectativa de observar as paisagens gélidas e montanhosas que não pudemos ver até então.

Os neozelandeses, donos de um caráter tão único como os contrastes de seu território, se chamam carinhosamente de kiwis, nome do pássaro símbolo da nação. Há, porém, certa rivalidade entre os habitantes das duas ilhas. O garçom da balsa, morador da cidade de Nelson, imita um bocejo quando lhe conto sobre minha estadia em Auckland. "Você fez bem em vir pra cá. A ilha sul é mais divertida e não tem tanta gente", afirma.

Difícil imaginar paisagens mais vazias que as da ilha norte. Mas é verdade. Grandes cidades à parte, a ilha sul consegue ser mais erma que sua vizinha. No Abel Tasman Park, região de praias perto de Marlborough, o silêncio absoluto é a música de um paraíso desabitado. As pessoas vêm aqui para navegar de caiaque e conhecer o mar cor de esmeralda. Encontrá-las, entretanto, principalmente nessa época do ano, é algo raro. As trilhas do local deixam a desejar, mas é de grande valia explorar essa parte mais cálida da Nova Zelândia.

Terra de contrastes

Marcel Vincenti/UOL
Abel Tasman Park, erma região de praias
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Cruzar dois universos em fração de hora, ou conviver com ambos ao mesmo tempo, é algo comum na Nova Zelândia. Deixamos a costa ensolarada e, no mesmo dia, chegamos às geleiras de Franz Josef Glacier, sudoeste da ilha sul. A estrada mais fascinante que percorremos no país começa aqui. Picos nevados e massas de gelo a cobrir enormes encostas dão a cara da paisagem. Desde o lago Matheson, vemos o Mount Cook (3.754m), o mais alto cume do país, aparecer, majestoso, no horizonte. Muitos dizem que essa era uma das montanhas preferidas de Edmund Hillary. E é fácil entender por quê. Suas formas sinuosas, cobertas de gelo, acima a se destacar nitidamente no céu, são convite a uma escalada.

O encontro com um dos principais habitantes da Nova Zelândia acontece com mais freqüência a partir dessas paragens. As ovelhas, elas são mais de 39 milhões, estão por todos os lados. Só desaparecem quando entramos no vale do lago Wanaka, onde a água, rodeada por montanhas, domina a cena.

Queenstown, a capital dos esportes radicais da Nova Zelândia, aparece no horizonte. Nossos planos de pular de pára-quedas (média de 250 dólares neozelandeses ou 315 reais) foram abortados por uma multa (230 dólares neozelandeses, excesso de velocidade) que tomamos ao sair de Franz Josef. A cidade, porém, é a mais bela que visitamos no país. Picos nevados e um belo lago dão um toque especial ao lugar.

Esse é o começo da terra dos fiordes e, a cada quilômetro percorrido, a paisagem parece tomar dimensões mais grandiosas. Para chegar ao final da ilha sul entramos na rodovia conhecida como Southern Scenic Route (Rota Pitoresca do Sul). O nome teatral é merecido. Ela abrange o extremo sul da ilha sul do país e, com a sensação de haver chegado ao fim do mundo, vemos uma hora as montanhas nevadas Kepler e, na outra, o mar de ondas raivosas.

A estrada nos leva à última grande cidade da Nova Zelândia, Invercargill, que não oferece nada mais que um clima de tédio. É daqui, porém, que iremos entrar na região The Catlins, habitada por exótica fauna.

Com o frio cortante, fica difícil sentir que estou em uma praia quando piso em Waipapa Point. Mas os leões-marinhos deitados na areia fazem o sacrifício valer a pena. A natureza é extremamente rica por aqui. A depender da época do ano (não é o caso desse começo de inverno), pingüins, focas e elefantes-marinhos podem ser avistados na região.

The Catlins abriga também os restos fossilizados de uma floresta de 160 milhões de anos. Estudiosos afirmam que nessa área repousa o vínculo da Nova Zelândia com Gondwana, o ancestral continente formado pela maioria dos territórios que hoje delineiam o hemisfério Sul (e alguns o hemisfério Norte) do planeta. Vejo, com sensação de dever cumprido, esse relevo jurássico aparecer sobre a maré baixa, diretamente do fundo do oceano. A viagem acabou. Slope Point está aqui ao lado e, em sua placa de apresentação, o aviso: estamos a 4.803 quilômetros do pólo Sul. Um lugar que, visto daqui, já não parece tão remoto.

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* O mochileiro Marcel Vincenti, 25 anos, partiu dia 9/4/08 para uma volta ao mundo de 12 meses e mostra todo mês em UOL Viagem o que tem visto por aí. Saiba mais

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