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Aleluia, Mateus!

Mateus Aleluia - Divulgação
Mateus Aleluia Imagem: Divulgação

Ramiro Zwetsch*

Especial para o Urban Taste

24/04/2018 04h00

Ele tem Aleluia no nome e uma serenidade no olhar que transborda em qualquer ambiente. Ele é baiano de Cachoeira, cidade do Recôncavo onde estão muitas das matrizes dos terreiros de candomblé. Ele é cantor, compositor, percussionista e violonista. Ele foi integrante dos Tincoãs de 1963 a 1986, trio vocal que lançou quatro LPs no período e foi pioneiro em levar os cantos e toques das religiões afro-brasileiras às rádios do país. Ele experimenta agora, mais de 30 anos desde o lançamento do último disco do grupo, um movimento de redescoberta de sua música e faz show em São Paulo na quinta (26) e sexta (27) desta semana, no Teatro do Sesc Pompeia, para lançar o seu segundo álbum solo, “Fogueira Doce”.

Mateus Aleluia, aos 74 anos, observa sua obra alçar novos voos. Em 2017, foi lançado o livro “Nós, Os Tincoãs” – que compila textos de jornalistas, pesquisadores e artistas (como Carlinhos Brown, Martinho da Vila, Capinam, entre outros) e traz encartados os três primeiros discos do grupo em CDs (trabalhos que, até então, nunca haviam sido relançados). Os LPs originais tornaram-se raríssimos e dificilmente são encontrados por menos de R$ 400 cada um. O alto preço, no entanto, não espanta os colecionadores.

Esse alvoroço em torno dos Tincoãs se justifica pela mágica de sua musicalidade. É rara a inspiração que se ergue na combinação de sofisticadas harmonias vocais com letras de louvação aos orixás e a instrumentação baseada quase exclusivamente em violão e percussão. Essa receita já havia dado certo nos anos 70 e 80. Mesmo a contragosto da indústria fonográfica, que via com preconceitos e ressalvas a aposta em um som de exaltação às religiões afro-brasileiras, o trio alcançou as FMs, gravou em discos de Martinho da Vila, chegou a tocar “Promessa ao Gantois” no Globo de Ouro (programa da Rede Globo que destacava os sucessos da semana), teve a canção “Cordeiro de Nanã” na trilha sonora da novela Senhora do Destino (da mesma emissora) – composição que João Gilberto gravaria em 1981, no álbum “Brasil”, junto com Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia.

“Nós cantávamos aquilo que nos tinha encantado. Soubéssemos ou não, mas é aquilo que tinha entrado dentro da gente sem pedir permissão, porque já estava lá. Era só botar pra fora”, escreve Mateus Aleluia em um dos textos do livro. “Eu costumo dizer que nós éramos embalados pelos toques de candomblé e acordávamos com os sinos da igreja. Quer dizer, um contraste, né? E, depois, tinha órgão da igreja católica que colocava aqueles harmônicos, e você não pode negar isso, fingir que não ouviu, que não se arrepiou.”

O músico morou em Angola entre 1983 e 2002, país que conheceu em excursão com Martinho da Vila, e hoje vive em Cachoeira. No ano passado, ele fez show em Salvador com Badu, outro integrante vivo do grupo, para celebrar o lançamento de “Nós, Os Tincoãs”. Erivaldo, que integrou a primeira formação, atualmente vive no Rio de Janeiro. Outros músicos que fizeram parte do grupo já partiram: Heraldo em 1975 e Dadinho em 2000.

Mateus Aleluia em um palco paulistano é algo quase tão raro quanto um LP dos Tincoãs, só que com o preço bem mais acessível. Não dá pra perder.

Aleluia!

Vai lá:

Mateus Aleluia
Quando: 26 e 27 de abril
Onde: Teatro do Sesc Pompeia - rua Clélia, 93
Quanto: R$ 9 (comerciário), R$ 15 (meia), R$ 30 (inteira)

Sobre o autor

*Ramiro Zwetsch é jornalista, DJ residente da festa entrópica, criador do site Radiola Urbana e sócio da Patuá Discos. Já foi editor-chefe dos programas “Manos e Minas” e “Metrópolis”, da TV Cultura, e colaborou para Rolling Stone, Bravo!, Bizz, Ilustrada, Select, Carta Capital, entre outros.

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