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A terceira edição do Universa Talks reuniu mais de 20 mulheres influentes para falar de uma assunto que atravessa a vida de todas as mulheres: a construção da autoestima.

No mundo, mas principalmente no Brasil, que ocupa o primeiro lugar no ranking das intervenções para modificações estéticas. De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBPC), em 2019 foram realizados mais de 1,7 milhões de procedimentos desta natureza.

As pacientes chegam cada vez mais jovens. Na última década, o número de jovens brasileiros entre 13 e 18 anos que fizeram algum tipo de plástica aumentou 141% - outro topo ocupado pelo país. Entre os procedimentos mais procurados estão implante de silicone e rinoplastia. E com alguma frequência, consultórios de dermatologistas recebem adolescentes municiados de celular e fotos do próprio rosto modificado por filtros de redes sociais: "gostaria de uma harmonização com este resultado", pedem eles.

Embora modernizadas, as preocupações excessivas com a aparência e o peso do desconforto estético na balança da autoconfiança não representam conflitos novos, sobretudo para mulheres. Também não são fenômenos restritos a certas classes sociais, ainda que possam se acentuar por interseccionalidades.

Para entender todos os meandros do debate, onde e como começam as angústias, as dificuldades que aparecem ou são atenuadas com o tempo e os caminhos que se mostram assertivos para o fortalecimento da autoestima, a terceira edição do Universa Talks reuniu mais de 20 mulheres em uma manhã de conversas. Cada uma delas trouxe valiosas reflexões, em capítulos de histórias individuais que, juntos, resultam em uma grande história comum a todas.

Assista ao discurso de Joice Berth, abertura do Universa Talks

Arquiteta, urbanista, escritora, mãe de quatro filhos, viúva e uma das grandes referências modernas em empoderamento, Joice Berth fez o discurso de abertura que precedeu os cinco painéis seguintes que abordaram corpos gordos, amos próprio, marcas e cicatrizes, etarismo e autoaceitação. Confira os principais trechos de sua fala:

"Este é um grande trabalho de resgate social de mulheres. Precisamos desses espaços de discussão dentro da sociedade, que fortalecem, aproximam e troquem saberes. A autoestima foi se desenvolvendo na minha vida e fui aprendendo mais sobre isso pela condição de mulher negra, por ter sido mãe cedo, para enfrentar as modificações em minha vida e não deixar que tudo o que se dizia em meu entorno, me abalar e me colocar na caixinha que dizia: "olha, você é mãe e só pode fazer isso, nada mais além disso". É o que muitas mulheres ainda escutam. Nossos passos na sociedade ainda são muito regulados e limitados, querem o tempo todo nos encaixar em certos modelos que estão mais que atrasados. Então a autoestima foi, na verdade, meu trampolim para a sobrevivência, para eu me reconstruir e me refazer e estar aqui falando sobre esse tema.

Autoestima é muitas vezes confundida com vaidade, com o simples ato de se olhar no espelho e gostar do que está refletido ali. Claro que há sentido nisso, faz parte de processo, mas é muito mais. O que descobri ao longo de minha jornada é que autoestima está muito mais relacionada com a maneira com a qual você se relaciona com você mesma do que com a aparência que você tem. Não temos exatamente um incentivo da sociedade para desenvolver um relacionamento interior com nós mesmos - vale para mulheres, homens e a sociedade inteira. Se fossemos estimulados por esse caminho, não existiriam em nossa sociedade competição, inveja, boicotes e uma série de coisas que envenenam relações sociais que vamos construindo ao longo da vida. Pois a maneira como nos relacionamos conosco é o que determinará como nos relacionaremos com o mundo. Não tem outro caminho, o jeito como me trato é como tratarei as outras pessoas.".

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O corpo gordo é possível e bonito

Há cerca de três anos, a escritora caribenha Roxane Gay publicou "Fome", livro que chamou de autobiografia do seu corpo, em que tratava da luta contra a gordofobia. A obra deu voz à solidão que tantas mulheres gordas enfrentam. "Gordura, de forma bem semelhante à cor da pele, é algo que você precisa esconder", escreveu ela.

Para Maqui Nobrega, colunista de Universa que mediou o painel "A Jornada do Corpo Gordo", o peso corporal é também tratado como elogio ou ofensa, quando gorda ou magra deveriam ser apenas características físicas. O combate aos estigmas deu origem a diversos movimentos como o brasileiro Corpo Livre, fundado pela jornalista Alexandra Gurgel, uma das debatedoras.
A gordofobia e outros tipos de pressões estéticas a partir dos padrões da moda estão associados a sintomas depressivos e altos índices de ansiedade, entre outros aspectos que minam o fortalecimento da autoestima.

O tema motivou, em maio deste ano, uma publicação no periódico científico Nature Medicine, assinado por mais de 100 instituições do mundo todo - incluindo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) - sobre como o preconceito provoca mais danos que o excesso de peso em pessoas consideradas obesas. "Ver o corpo gordo como possível e bonito é uma revolução", diz a influencer Dani Lima. É preciso ainda, conforme a nutricionista Marcela Kotait, especialista em transtornos alimentares, desmitificar a crença de que gordura é sinônimo patologia: "nem todo gordo é doente, nem todo magro é saudável".

A desconstrução passa, como lembrou a agitadora cultural Flavia Durante, por tratar a gordofobia como um problema estrutural, que suprime direitos. "Precisamos de lei que estejam a nosso favor de fato, para garantia de acesso a todos os corpos.". Atualmente, ao menos dois projetos de lei no Congresso, um deles para garantia de estruturas adequadas em hospitais e na pauta de mobilidade urbana.

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Marcas que contam histórias

Uma em cada seis garotas de 7 a 10 anos já se mostram insatisfeitas com a aparência ou sentem vergonha da própria imagem, apontou pesquisa da instituição britânica Girlguiding. A modelo Letticia Muniz se reconhece nas estatísticas, ao contar como passou boa parte da vida lidando com transtornos alimentares na tentativa de emagrecer, na abertura do painel "Cicatrizes: meu corpo, minha história",

Outro estudo, publicado há alguns meses na Harvard Business Review, mostrou que em contrapartida, a autoconfiança feminina se fortalece com o passar dos anos. A jornada, porém, traz desconfortos adicionais por conta do efeito do tempo ou das marcas literais que cada história deixa na pele.

Cicatrizes fazem parte da vida da modelo Giulia Dias desde os 9 anos de idade, quando sofreu um grave acidente de carro viajando com os avós. Cresceu habituada com os sinais e se incomodou um pouco ao chegar na adolescência. "Ter minha família ao meu lado tornou o processo menos doloroso", contou. Giulia acredita que estar bem consigo mesma é mais fácil que lidar com o olhar e o julgamento do outro.

O corpo da estilista Ana Paula Xongani carrega as marcas da gestação da filha Ayoluwá. As estrias, porém, não a incomodam. Questionada pela criança sobre o porquê das linhas na barriga, ela respondeu de maneira delicada, afirmando que aqueles eram desenhos que a menina fazia enquanto estava na barriga. "Mas há o racismo, uma grande cicatriz social e tudo passa por este lugar", pondera Xongani, ao falar sobre a construção da autoestima das mulheres negra e como busca fortalecer a filha neste sentido.

A referência parental, aliás, faz enorme diferença no empoderamento infantil. Criadora de conteúdo, Nina Gabriela, que chegou a passar cinco horas diárias em academias buscando emagrecer, sempre teve nos pais uma referência fundamental para valorizar as características afrodescendentes como os cabelos crespos.

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Envelhecer com leveza

Mais da metade da população brasileira é formada por mulheres de 35 anos ou mais. Até 2060, a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de que um em cada quatro brasileiros será idoso. Há, portanto, algo mais moderno que envelhecer? Esse foi o foco do O terceiro painel, intitulado "A coisa mais moderna que existe nesta vida é envelhecer".

Ao que parece, sim. E responde pelos nomes de etarismo e jovencentrismo. Neologismos relativamente recentes, o primeiro é também chamado de ageísmo ou, simplesmente, preconceito contra os mais velhos. O segundo, quase autoexplicativo, se trata do imperativo social por juventude, da necessidade de se manter uma aparência jovem em qualquer idade. Ambos atingem principalmente - de novo - mulheres.

"Há aquele mito em torno da menopausa. De que você não será a mesma mulher de antes, não sentirá mais prazer e nem proporcionará prazer para o outro", diz a atriz Zezé Motta que, aos 76 anos, garante ainda estar muito "namoradeira".

A escritora Rosana Hermann, 63, concorda. "Tiram você do mercado do sexo e do trabalho, como se virasse café com leite". Ela alerta ainda que, embora vivamos uma era em que diversidade é pauta em quase todos os espaços, o envelhecer ainda é tabu. "E precisamos falar mais sobre isso, olhar para os outros e ver a si mesma com mais interesse.".

Apesar da maré contra, o drama vem perdendo espaço. Talvez em consonância com o aumento da autoestima, que conforme a pesquisa da Harvard Business Review cresce muito a partir dos 40 anos, o amadurecimento tem sido cada vez mais celebrado. "Não tenho a pretensão de aparentar vinte anos. Pelo contrário, quero valorizar o que o tempo fez", afirma a atriz Carolina Ferraz, de 52. "E acho que todos estamos cansados da falta de realidade".

Como Carolina, Zezé Motta também encara a idade com leveza. "Tive algumas crises. Mas quando a idade foi chegando e comecei a ficar preocupada com isso, pensei: gente, vou arrumar mais um problema para sofrer? Não. Deixa a idade chegar".

Muito além da beleza

Em 1992, a norte-americana Naomy Wolf publicou O Mito da Beleza, obra que analisa como o culto à beleza e à juventude consistem em mecanismos sociais usados em desfavor das mulheres. Quase duas décadas depois, a constatação segue atual. Os predicados femininos ainda estão muito associados a estética e aparência.

"Nossa capacidade é negada", refletiu a criadora de conteúdo Xan Ravelli, no bate-papo com a maquiadora e colunista de Universa Fabi Gomes sobre caminhos para autoaceitação. Para Xan, a capacidade intelectual feminina é relegada. "Mais difícil ainda é enxergar a inteligência da mulher negra", destacou.

A autoaceitação impacta a saúde mental. De acordo com o Journal of Rational-Emotive & Cognitive -Behavior Therapy, aceitar a si mesmo diminui consideravelmente sintomas depressivos e de ansiedade. E, diferente da autoestima, não se baseia apenas em conquistas e qualidades. "Acho que é algo que atravessa várias dimensões, inclusive a social, como forma de entender seu lugar no mundo baseado na percepção de si mesmo e do que o outro te devolve", disse Fabi Gomes.

Assim como a formação da autoestima, a aceitação é um processo gradual, que envolve autoconhecimento e respeito à própria pluralidade. "Há um lado perigoso na ditadura da autoaceitação. Por exemplo, depois que assumi meu cabelo cacheado, passei a torcer o olho para quem alisava o cabelo. Ou seja, ainda precisamos nos libertar dos padrões.", contou Fabi. "Mas precisamos entender nossos limites", diz Xan.

O letramento racial e os estímulos constantes que sempre recebeu dos pais - um diferencial importante para mulheres mais conscientes do poder da autoestima, especialmente para negras - ajudaram Xan a lidar com inseguranças e efeitos do racismo e, por consequência, se sentir confiante independente de padrões. "Já é um desconforto ser mulher preta em nossa sociedade. Por isso vejo no direito de fazer com meu corpo só o que me deixa confortável".

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Qualquer corpo pode se exercitar

Todos os caminhos levam ao emagrecimento. Um corpo considerado acima do peso ou sem definição quase sempre é enxergado como sendo de alguém sedentário e despreocupado com saúde. E a prática de atividades físicas tem prazo de validade. Certo? Erradíssimo. A conversa que fechou a terceira edição do Universa Talks, "Movimentos que constroem a autoestima", é um chamado: não existe corpo ideal ou melhor idade.

"Nossa principal barreira somos nós mesmos", afirmou Yara Achôa, jornalista e corredora, que se iniciou na modalidade às vésperas de completar 40 anos. Seis meses depois, promoveu uma reviravolta na vida. Hoje, aos 54, já completou mais de dez maratonas. "Resgatei uma mulher que estava adormecida. A corrida me encontrou e eu me encontrei nela", conta.

Bicampeã brasileira de surf profissional, Suelen Naraisa pegou onda pela primeira vez, com jeito de veterana, aos oito anos de idade. Aos dez, descobriu um câncer agressivo e iniciou um tratamento que incluiu retirada de um rim, muita quimioterapia e três anos longe do mar. O que poderia ser o fim precoce de uma carreira promissora virou, parafraseando Joice Berth, um trampolim. "Ao me curar, voltei a surfar. Hoje sei que para Deus nada é impossível e levo isso para a vida e para o esporte", afirma Suelen, que diz nunca ter tido o estereótipo da garota de praia.

Estar fora dos estereótipos habituais não impediu Ellen Valias de, desde a infância, fazer da atividade física uma constante em seu dia a dia. Joga basquete desde criança, mas alerta que o preconceito aos mais gordos, como ela, está presente desde cedo e começa nas aulas de educação física. "Infelizmente atividade física está relacionada a estética, punição e emagrecimento. E pessoas gordas automaticamente são consideradas doentes", atesta. "Precisamos entender que há vários benefícios e esporte é um direito, independente se é para perder peso ou se sentir melhor. Por isso minha luta hoje é para que pessoas fora do padrão se sintam convidadas a se exercitar. É um direito nosso".

Conquista que traz liberdade

"Para mulher, a discussão sobre autoestima é como fazer política, é sobre conquistar o poder sobre nossos corpos e o significado deles na sociedade", disse Tatiana Schibuola, gerente geral de marcas do UOL ao abrir a terceira edição do Universa Talks. "Hoje já existem muito mais espelhos onde as mulheres podem se enxergar. E não existe nada mais desejável e democrático que espaço para todas nós. É como conquistar a liberdade de existir", atestou.

Ainda há muitas vozes para serem ouvidas e amplificadas e padrões seguem existindo e resistindo. Contudo, na contramão -ou naquele que deveria ser o sentido correto único -, crescem os movimentos pelo fim das pressões estéticas. E embora muitas pesquisas sejam conduzidas neste sentido, é unânime a percepção empírica de que mulheres que entendem e projetam seus corpos como viáveis são mais felizes. E, portanto, contribuem para uma sociedade mais saudável.

Esta edição de Universa Talks teve apoio de Advil e Natura e curadoria da jornalista Marina Bessa. O evento está disponível na íntegra no canal de Universa no Youtube. Bem como os melhores momentos da cobertura em tempo real estão em nossos perfis no Instagram, Twitter e Facebook.

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