Amor de Nanda

A atriz fala da família, companheira, maternidade, assédio, inveja e depressão em busca da beleza

Luiza Souto de Universa, no Rio de Janeiro Jorge Bispo/UOL

De pernas cruzadas, Nanda Costa está respondendo às primeiras perguntas para esta entrevista a Universa quando seus olhos se enchem de lágrimas. Ela observava um bem-te-vi no terraço de sua casa, na zona sul do Rio de Janeiro. Falava, naquele momento, sobre as semelhanças entre a Érica da novela global "Amor de mãe", de Manoela Dias, e a própria criação, cercada de mulheres na cidade histórica de Paraty, na costa verde fluminense.

"Meu pai foi embora quando eu tinha um ano de idade e fui criada por uma mãe adolescente, de 16 anos, pela minha avó e o meu avô. Ele foi a figura paterna mais incrível. E, quando morreu, em 2009, pousou um bem-te-vi em cima do caixão. Esse bem-te-vi ficou em casa durante um mês. Agora sinto a presença dele", ela justifica a emoção.

Foi essa figura masculina que atendia por José Campos quem incentivou a artista de 33 anos a seguir a carreira e "mirar no Oscar". Foi também o primeiro a compreender —e apoiar — o relacionamento da neta com outras mulheres: "Você não está fazendo nada errado", ela repete a frase que ouviu do avô à época.

Casada com a percussionista baiana Lan Lanh e com planos de expandir o amor que recebeu em casa junto à companheira — Nanda congelou os óvulos no ano passado —, a atriz fala ainda sobre a estreia num filme internacional, sobre a depressão em nome da beleza e como dribla assédios de quem ainda acha que consegue algo com isso: "A partir do momento em que eu declarei o meu amor, as pessoas vieram com mais carinho".

É ou não um amor?

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Família sem pai, mas com um baita avô

Aos seis anos de idade, a primogênita da comerciante Patrícia Campos decidiu ser atriz para que o pai a visse e, quem sabe assim?, voltasse para casa. Foi em vão, mesmo após sua estreia na TV, na novela da Globo "Cobras & Lagartos" [2006]. E tudo bem, hoje ela garante. Assim como sua Érica, criada junto aos irmãos com dificuldade, porém muito amor pela Lurdes de Regina Casé, o que conta, ela acredita, é a presença de quem cria.

"Conheci meu pai já grande, mas não tinha muita afinidade. Eu acho que o pai é quem cria, quem dá amor, quem está presente. Mas não tenho mágoa, nada. Sentia falta quando era menor. Meu avô era o cara que no Dia dos Pais estava presente. E está tudo certo", diz.

Esse avô, que distribuía na vizinhança cópias em CD do programa "Por Toda Minha Vida" [2008] para que todos vissem a neta interpretando a cantora Dolores Duran, também foi o cara a mostrar à família de Nanda que ficaria tudo bem depois que a então jovem de 20 anos se assumiu homossexual:

"Demorei a entender a minha sexualidade, a aceitar. Quando contei para a família que estava namorando uma mulher, ouvi: 'Mas como assim? Você sempre namorou meninos'. Teve aquele estranhamento no início. E meu avô falou: 'Olha, está tudo certo. Você demorou 20 anos para entender isso e conseguir viver de uma forma tranquila. Sua mãe e sua avó vão levar o tempo delas. É importante que todo mundo se respeite. Você não está fazendo nada errado. Sua mãe não vai te amar menos por causa disso'."

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Filhos nos planos

Nanda quer expandir esse amor que recebe, e já deu o primeiro passo: no ano passado, ela e a companheira Lan Lanh passaram a dividir o mesmo teto e a atriz decidiu congelar seus óvulos.

"Sempre desejei aumentar a família, fortalecer a resistência. Com a Lan, essa vontade cresceu. E os óvulos vão envelhecendo. Querendo [ter filhos] mais tarde, acho que, quem puder, é importante [congelar]. Porque não é um tratamento barato. Agora vai depender do universo. Só quero falar de filho com três meses dentro da barriga", brinca.

E ver uma criança crescer numa família dita não tradicional, com duas mães, não é motivo de preocupação por eventuais preconceitos que ela possa sofrer.

"Se crescer com amor e verdade, não tem como dar errado. Às vezes, eu vejo uma pessoa criada com mãe, pai, tudo direitinho, como é a família tradicional brasileira, e o pai é violento, tem uma relação abusiva com a mãe, bate no filho porque é gay. Então não tenho a menor preocupação com isso."

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"Que desperdício ser gay"

Perto de estrear seu primeiro filme internacional, "Monster Hunter", de Paul W.S. Anderson, ao lado da atriz ucraniana Milla Jovovich, Nanda acompanhou de perto e atenta ao movimento #MeToo, em que artistas da indústria cinematográfica se uniram para denunciar crimes sexuais em Hollywood.

Ela, claro, não esteve imune ao machismo em sua própria trajetória. O que mais aconteceu foi ouvir muitos comentários preconceituosos acerca da sua sexualidade. E, na sua avaliação, falar abertamente da nossa identidade ajuda a inibir quem se acha no direito de tomar posse do corpo alheio.

"Logo depois que eu comecei a trabalhar, namorei mulheres. E quando tinha algum tipo de comentário, eu falava: 'Não vai rolar, sou gay'. Me saía dessa forma. Mas aí falavam: 'Que desperdício!'. Não entendia antes o quão violento é esse comentário. Porque mesmo que não fosse [gay], não ia querer. Então seria na base do assédio?"

Ela acredita que a verdade a ajudou. "A partir do momento em que eu declarei o meu amor, as pessoas vieram com mais carinho. Se a gente fala mais abertamente sobre o que nos aprisiona, as pessoas vão começar a ter medo antes de assediar ou de fazer um comentário."

E vale também, ela afirma, questionamentos dentro do set.

"Às vezes, a direção vem e pergunta se está tudo bem ficar de calcinha e sutiã. Eu pergunto se o ator que está contracenando comigo foi questionado também sobre ficar de cueca, porque o cara dá um jeito de sentar, ficar de bermuda. Vai ser igual para todo mundo."

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Se a gente fala mais abertamente sobre o que nos aprisiona, as pessoas vão começar a ter medo antes de assediar ou de fazer um comentário

Nanda Costa

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Depressão em nome da beleza

"Vamos colocar uma música para essas fotos", pede Nanda durante os primeiros cliques deste ensaio. Bastante animada para quem estava se maquiando desde as 9h, a atriz abre os trabalhos com o hit "Tudo ok", antes de decretar: nem sempre esteve tudo bem em sua relação com seu corpo.

"Já estive, talvez, muito mais bonita para um padrão de beleza, mas não estava bem, nem feliz. Falavam: 'Como você está linda', e eu respondia: 'Nossa, você não sabe o que estou fazendo pra estar linda'. Já fiz muita dieta maluca, tomei remédio para emagrecer, tive rebote, fiquei com depressão. E não vale, porque a vida é muito rápida."

Nanda diz que alcançou o equilíbrio comendo melhor e tendo prazer pelo esporte. Conclui ainda que se o movimento Corpo Livre, que incentiva a mulher a amar o corpo como ele é, tivesse surgido há alguns anos, o sofrimento teria sido menor. Hoje, garante, as neuras são mínimas.

"Ainda não tenho tanto esse relaxamento de postar foto em que a barriga está dobrando. É algo que estou buscando", ela diz. "Mas antigamente falaria que me cuido, sem contar o quanto foi difícil essa luta para manter o equilíbrio."

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Nudez, sim. Inveja, não

Capa da revista "Playboy" em 2013, Nanda não descarta um novo nu. Até porque foi com esse icônico trabalho, com direito à polêmica por causa da (não-) depilação, que ela comprou um apartamento. Mas a atriz deixa claro que dinheiro não foi o único motivo.

"Tenho o maior orgulho. Fiz em Cuba, com fotos lindas. Adoro trabalho do Bob Wolfenson [fotógrafo]. E não pensei em Nanda nua. Na minha cabeça, era uma personagem cubana. E aí a depilação foi superpolêmica. Depois, brinquei: 'Jamais faria bigodinho de Hitler na terra de Fidel'. Então teve uma história. Foi ótimo, mas não foi só pela grana, foi porque eu quis fazer também. Hoje em dia, se você me der um bom motivo, não vejo por que não [posar novamente]."

O que então faz Nanda Costa recusar um trabalho?

"Me chamaram para fazer um filme, e quando mandaram o roteiro quis tanto outro personagem que recusei. Falei que não queria contracenar com a atriz que faria uma personagem que eu desejei, porque poderia trabalhar a minha inveja, sabe? Eu não estou a fim de sentir ou ficar com inveja. Estava cobiçando outro papel, e não achei saudável para o filme."

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Medo de assumir homossexualidade e abreviar a carreira

Desde 2006 emendando trabalhos no cinema, TV e teatro, e ainda acumulando prêmios como atriz e indicada ao Grammy Latino de 2018 pela canção "Aponte" (com Lan Lanh e Sambê), Nanda acreditou que veria sua carreira abreviada após a revelação de sua homossexualidade. Até então, poucos casais na TV tinham falado tão abertamente sobre isso.

"Tinha muito medo do quanto isso poderia me prejudicar, pelo preconceito, por tudo. Depois, entendi que não faz sentido atuar com quem não quiser trabalhar comigo pelo que sou, porque teria que fazer uma personagem para lidar com essa pessoa", ela conta. "E eu quase fui uma personagem durante muito tempo, enquanto ia ao cinema com a Lan e mais uma pessoa para poder dar uma disfarçada ou sentar longe. É muito ruim não poder ser quem você é."

Mas o ritmo de trabalho só aumenta, e testemunha de colegas como as atrizes Vitória Strada e Marcella Rica falando abertamente sobre relacionamento homoafetivo, Nanda incentiva que os homens também tratem com mais naturalidade o assunto.

Que fique claro, ela pondera: não é porque as artistas falam mais abertamente sobre isso que seja mais fácil para nós tratarmos de forma mais clara sobre nossa sexualidade. "Nada é mais fácil para a mulher, seja na hora de negociar salário, de virar chefe. A gente tem que ser muito incrível no que faz. A gente tem uma força absurda, que os homens não imaginam", diz.

A atriz afirma que assumir homossexualidade em seu meio, no entanto, parece mais difícil para homens. "Vejo homens com dificuldade de se assumir pelo preconceito. Geralmente um amigo gay fala que é bissexual, ou 'só hetero'. Eu respondo que talvez ele seja bi não-praticante. Porque às vezes não teve a oportunidade ou não tem o desejo, mas poderia, em algum momento da vida, se apaixonar. Então não se feche tanto. Isso impede de viver uma experiência incrível por causa do preconceito, de machismo, de qualquer coisa desse tipo."

É muito ruim não poder ser quem você é

Nanda Costa

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Podcast

Ouça a íntegra da conversa com Nanda Costa no podcast UOL Entrevista. A entrevista completa em vídeo está disponível no canal do YouTube do UOL.

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