10% é muito pouco

De Goiânia, as irmãs Maiara & Maraisa contam como estão se reinventando e se reconectando durante o isolamento

Luiza Souto De Universa Divulgação

Maiara e Maraisa estão em casa. Gravando lives, produzindo música e cuidando da carreira. Mas também namorando, estudando (Maiara acaba de se inscrever em um curso de filosofia) e espantando as cobras que costumam aparecer na sofisticada mansão que dividem em Goiânia — a capital do sertanejo. E também do feminejo, como ficou conhecida a ocupação feminina desse gênero musical tradicionalmente marcado pela presença masculina. "Não tem coisa melhor do que ganhar o respeito da sua ala", diz Maiara, em entrevista exclusiva concedida a Universa por videochamada.

Mais do que representatividade e popularidade, cantoras como Maiara e Maraisa são porta-vozes das mulheres numa época em que se busca igualdade de direitos. Chorar em bar, beber até cair, dar o troco — hoje elas dizem coisas que só eram cantadas pelos homens. "Temos um papel importante de representar mulheres que podem, sim, falar como pensam e agir como acham que devem."

Gêmeas idênticas, que começaram a cantar como dupla aos 5 anos de idade, Maiara a Maraisa têm passado a quarentena juntas, dividindo a casa, eventualmente, com os namorados -- no dia da entrevista, Fernando, da dupla com Sorocaba, estava passando uns dias com a namorada Maiara. "Acho que estou ficando mais apaixonada na pandemia", diz ela. Maraisa engatou um relacionamento com o cantor sertanejo Fabrício Marques em plena pandemia. "Deu a sorte de morarmos no mesmo condomínio."

Aos 32 anos, cinco anos depois do estouro do primeiro DVD "Ao vivo em Goiânia" e de emplacarem hit após hit -- "Medo Bobo", "10%" e "Sorte que cê beija bem" --, elas ainda dizem que a ficha do sucesso não caiu. "Não chegamos nem aos 10% de onde queremos estar", diz Maiara.

Com live marcada para este domingo (14), a partir das 17h, ao lado de Marília Mendonça, as artistas falaram sobre política, pressão estética, relacionamento e feminismo. Confira tudo na entrevista abaixo.

Leia, a seguir, alguns dos melhores trechos da entrevista

Universa: Vocês, que vivem de música, que vivem de show: como estão trabalhando durante a pandemia?
Maiara: Na real, eu nunca fiquei sessenta dias sem trabalhar. Desde os cinco anos, o máximo que eu tirei foram dez dias [de férias]. Está sendo inédito, estamos nos adaptando a esse novo mundo em que estamos vivendo. Não estou com muita regra não. Mas pra mim e pra Maraisa tem sido ótimo pra gente poder se conectar mais uma com a outra e pensar nos nossos projetos futuros, porque eu penso que logo, logo, a gente vai estar aí, nos palcos.

Universa: Dá pra ativar a criatividade nesse tempo?
Maiara: Está sendo muito bom pra organizar os projetos futuros, apesar de não saber quando voltam os shows. Mas podemos trabalhar o nosso lado criativo e a nossa parte de produção musical. E fazer de uma maneira nova, né? Que é essa maneira mais essência, mais simples. Por exemplo, a gente ama o sertanejo antigo. Ninguém sabe que eu canto uns modões, que eu gosto de cantar um Bruno e Marrone. Foram 5 anos de muita intensidade. Demoramos muito pra fazer sucesso -- na minha cabeça -- e quando aconteceu, eu quis estar no Brasil inteiro, ela também quis, para aproveitar esse momento de reconhecimento. E talvez não tenhamos tido esse tempo de fazer projetos. Ontem foi superemocionante: a gente foi fazer a passagem do ensaio [para a gravação da live] e fazia muito tempo que não cantávamos assim, olhando uma no olho da outra, sabe, perto, sentindo a voz uma da outra, porque a timbragem é muito importante. [enxuga as lágrimas]

Universa: E pra você, Maraisa? Bateu algum pensamento negativo?
Maraisa: Quando aconteceu a pandemia, a minha grande preocupação mesmo foi com os meus músicos. Tem muitas famílias que dependem diretamente de nós. E também a preocupação com os contratantes, as pessoas que estavam esperando a gente chegar na cidade delas. Pensei, 'cara, não é possível que isso vai acontecer'. Estou numa ansiedade louca de voltar pros palcos, todo dia eu me pego olhando o meu rolo de câmera [do celular] aqui, vendo todos os shows que eu fiz desde o final do ano passado, então fica assim, aquele pesar. Mas em contrapartida, estou muito orgulhosa de todos os artistas, tanto dos grandes quanto os pequenos: o quanto a gente já ajudou. Eu acho que isso nunca mais vai acabar porque os sertanejos viram que podem fazer muito com uma simples live, eles podem fazer mais pelos seres humanos, pela população brasileira.

Universa: Tem alguma coisa que mudou em vocês por causa da pandemia?
Maiara: O calor humano, nada substitui, mas uma coisa que eu vou querer usar pra sempre é essa parte da tecnologia. Agora em qualquer lugar que a gente está pode fazer uma reunião, resolver coisas que a gente não decidia na hora por falta de encontros.

Universa: Vocês estão namorando e convivendo com seus respectivos...
Maraisa: Ai gente, eu estava um tempo solteira, porque o homem que namora comigo tem que gostar também de ficar sozinho. Comigo e com a Maiara, né? Porque a pessoa acaba ficando sozinha [por causa das viagens e shows], querendo ou não. E aconteceu, nessa pandemia, de eu namorar meu vizinho [o cantor sertanejo Fabrício Marques]. A logística estava fácil! Foi legal, porque estou tendo mais tempo de conhecê-lo e a gente tem vivido momentos de muita alegria.
Maiara: Vivemos uma situação bem privilegiada de estar com as pessoas que amamos. Pra mim está sendo maravilhoso, meu namorado é uma pessoa incrível, eu aprendo com ele 24 horas. O Fernando [Zor, da dupla Fernando e Sorocaba] tem 12 anos de carreira, e eu tenho 5. Ele tem ensinado muita coisa, a gente tem trocado muita informação. Está sendo gostoso conviver, estou ficando mais apaixonada nessa pandemia!

Universa: Durante o isolamento, os números da violência doméstica estão aumentando. Alguma de vocês já viu isso de perto?
Maraisa: Acho que toda mulher já viu, já presenciou cenas [de violência contra a mulher]. É uma coisa que eu acho inaceitável. Mas cada vez mais as pessoas estão conscientes. Eu já parei o show várias vezes por causa de homem batendo em mulher, e a gente manda buscar o cara.

Universa: Imagino que tenham sido alvo de machismo ao longo da carreira...
Maiara: O machismo está aí, né? Tem muita coisa pra acontecer pras coisas mudarem e ficarem pelo menos do meu gosto.
Maraisa: Os homens que estão à nossa volta são muito respeitadores, elevam a gente. Mas já passamos por situações muito machistas. Um empresário da música falou: 'Mulher que menstrua não faz sucesso porque todas elas arrumam filhos e dão errado'. Ah, a gente já ouviu cada absurdo. Mas isso é passado.
Maiara: Agora eu sinto mais respeito porque ganhamos voz.

Universa: O meio musical sertanejo costumava ser machista. Vocês veem igualdade hoje? Os cachês são iguais, vocês vêem homens e mulheres ganhando a mesma coisa pelo mesmo tempo de apresentação?
Maraisa: Até melhor viu?
Maiara: Eu tenho que defender a nossa ala dos sertanejos. Nós temos contratantes, empresários, grandes homens dessa indústria que fizeram toda a diferença pra valorização da mulher nesse mercado. Claro, ainda estamos aprendendo, mas o mercado sertanejo está superpreparado para receber e impulsionar mulheres. No começo não foi fácil, mas a mudança veio.

Universa: Vocês mudaram muito fisicamente. Emagreceram, fizeram plásticas. Isso foi uma cobrança do meio?
Maiara: Isso foi uma cobrança minha, não veio dos outros não. Eu engordei, não estou dizendo que estou fora do meu peso, mas esses três quilos não mudam nada na minha vida. As roupas entram, tem hora que fica mais larguinhas, tem hora que eu faço uma dieta, em uma semana eu desincho. É pra mim, não uma cobrança dos outros, apesar de ter muita, porque somos pessoas públicas, né? Eu estou mudando, quero me sentir bem, melhorar. Acho que autoestima é tudo, ainda mais pra mulher, a gente quer se sentir bem, e o que eu precisar fazer, é problema meu, e eu vou fazer e ser feliz.
Maraisa: Eu já fiz um monte de dieta louca quando eu era mais nova. Depois que a gente começou a ir pros shows eu comecei a procurar profissionais. Mas já tomei remédio, já fiz dieta que você só come ovo, todo tipo de dieta louca, maluca, e não emagrecia nada. Tudo porque eu queria estar bem pro meu primeiro DVD, que eu fiz bem gordinha, né?

[Fernando Zor, namorado de Maiara, entra na entrevista]
Maiara: Fernando Zor, um dos caras mais incríveis da música!

Universa: Fernando, estávamos falando do poder das mulheres na música!
Maiara:
o Fernando teve essa visão feminina de respeitar a mulher no mercado. É muito importante ter homens com essa 'travinha meio solta'.

Fernando: O sertanejo sempre foi mais masculino. Lógico, teve um histórico de grandes cantoras, grandes compositoras, mas a gente sente que tem cada vez mais espaço, que precisa ter a voz feminina também na música sertaneja. E falando o 'papo da mulher', defendendo o 'papo da mulher' na música, acho muito importante.

Universa: Existe uma pressão para o que os artistas se posicionem politicamente.
Maraisa: A gente deveria falar sobre o que se sente à vontade e tem conhecimento de causa. Hoje existem os juízes de internet. Um monte de gente que não sabe nem o que está falando e vai criticar por você ter exposto a sua opinião -- os mesmos que cobram pra você se expor. Então, como artistas, temos muito a perder.

Universa: A área da cultura, no governo, passa pela terceira troca de Secretário. No momento, estamos sem. Como vocês veem isso?
Maraisa: Apesar de trocar toda hora, eu tenho muita fé, porque são pessoas que sobrevivem da cultura, são artistas. Quando entra esse tipo de figura, eu tendo acreditar que coisas boas estão por vir. Claro que a gente sempre vai querer mais, todo mundo tem que querer mais, cobrar mais, mas eu sempre tenho fé.
Fernando: Acho que tem que acreditar. A gente vem de um histórico da política que não é tão legal. Não é defendendo um ou outro, mas não está sendo um momento fácil nem pro Brasil nem pra qualquer outro país. Então não é o momento de falar isso tá certo, isso tá errado, mesmo porque o 'trem' bagunçou e já vem bagunçado lá de fora, bagunçou o mundo inteiro. Pelo nosso histórico, a gente tem que ter um pouco de paciência e acreditar. Acreditar como brasileiro. Lógico, tem que estar atento a tudo.
Maiara: A gente conversa muito sobre política aqui em casa, porque somos pessoas evoluídas. Cada um tem um ponto de vista e a gente vai trocando muito essas ideias. Mas é muito complicado falar nossa opinião como artista na internet. Eu prefiro não opinar sobre política pra poder resguardar o meu trabalho, a profissional que eu sou e a minha arte. As pessoas às vezes pegam sua opinião e usam isso contra você. Por isso a gente prefere falar de música, que é uma coisa que vai somar muito mais na vida das pessoas e na minha vida.

E o que vem a seguir?
Maiara: Ainda não cheguei aos 10% do que quero fazer na minha vida. Quando as pessoas me perguntam se caiu a ficha, ainda não caiu nada. Ainda tem muita coisa pra acontecer. Mas quando cair a ficha, aí eu aviso.

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