Meu escritório é na praia

Criadora dos biquínis e das festas mais badaladas do Rio, Lenny conta como um aneurisma deixou boas sequelas

Ines Garçoni Colaboração para Universa Lucas Seixas/UOL

Em 1990, quando Lenny Niemeyer já tinha sua própria confecção, onde produzia moda praia para diversas marcas, o Plano Collor confiscou as poupanças, congelou salários e aprofundou a crise econômica. O estoque de lycra da estilista estava cheio e os clientes cancelaram todos os pedidos. Para completar o enredo desastroso, sua confecção, no Rio de Janeiro, foi alvo de furto. "Não sobrou nada. Só lycra", lembra.

Enquanto os amigos a estimulavam a abandonar tudo, a "capricorniana batalhadora", como ela se define, abriu uma loja de moda praia em Ipanema. Com máquinas emprestadas e a ajuda de uma amiga, produziu maiôs, biquínis, pintou e inaugurou a própria loja. Em 1991, começava então a escrever o seu capítulo na história da moda brasileira - e, mesmo sendo paulista de Santos, virou um ícone do lifestyle carioca. E se tornou, em 2018, a única estilista do país a receber o prêmio "Designer of the Year", um dos mais aclamados do seu segmento, em Paris.

No ano passado, uma nova crise surgiu. Mas, a despeito dos impactos econômicos da pandemia, Lenny inaugurou sua 23ª loja e viu as vendas online crescerem. Embora 2020 tenha sido um ano difícil, cheio de medos e desafios, como o de criar um desfile virtual pela primeira vez, a estilista diz que sobreviveu à ressaca.

Quando você pensa que sabe tudo, vem uma pandemia e muda o mundo. Mas gostei do desafio

Nesta entrevista, Lenny fala de outras batalhas que já enfrentou, como um aneurisma que quase lhe tirou a vida - mas que "deixou boas sequelas", segundo ela garante.

Lucas Seixas/UOL
Reprodução

"Tive mais medo agora do que no meu primeiro desfile"

Lá se foram mais de 20 anos marcando presença nas semanas de moda de Rio e São Paulo sem que Lenny conseguisse assistir aos seus próprios desfiles. Mas, neste período pandêmico, tudo mudou. Para ela, fazer um desfile em formato audiovisual - como o que fez em novembro passado (veja na foto acima) - com tempo e orçamento reduzidos, foi um dos maiores desafios de sua carreira. "Tive mais medo agora do que no meu primeiro desfile", diz.

No início dos anos 90, quando apresentou uma coleção pela primeira vez, no Rio, Lenny sequer tinha inaugurado a primeira loja. "Fiquei em pânico. Não era comum a moda praia desfilar na passarela, a gente não sabia deixar a roupa bonita", lembra a estilista, para quem o "beachwear" era, até então, "o submundo da moda".

E a pandemia faz com que ela defenda ainda mais o setor. "Não dá nem para imaginar que as pessoas possam criticar uma indústria como essa, que gera tanto emprego", diz. "Ninguém tem que criticar a moda. Ela tem que existir." O que é preciso, acredita, é mudar a maneira como se vê, consome e produz moda.

Paulo Whitaker/Reuters

"Não existe racismo na minha empresa"

Outra mudança tem se tornado inevitável: exibir nas passarelas a diversidade de corpos. No fim de 2020, a São Paulo Fashion Week, também estreando no formato virtual, fez um acordo histórico com o coletivo Pretos na Moda e estabeleceu cotas de 50% para pessoas negras e indígenas.

Para Lenny, ideal seria que as cotas não precisassem existir. "Eu acho que tem que ter uma regra, claro. Mas não precisaria se as pessoas tivessem consciência", diz. "Eu nunca precisei dessas regras, sempre trabalhei com muitas negras. Não sou racista, não existe racismo na minha empresa", afirma.

O filme que apresentou a sua coleção Verão 2021 na SPFW teve apenas modelos negras.

Para mim, tanto faz se é loira, morena, negra. Tem que ser modelos que saibam desfilar e gostem do que fazem, que tenham vontade de se entregar numa passarela

É fato que a indústria da moda não contempla a multiplicidade de cores e de corpos da sociedade. Além de brancas, as modelos são quase sempre magérrimas, enquanto no Brasil, em 2019, cerca de 62% da população feminina com mais de 18 anos estava acima do peso, segundo o IBGE.

No site oficial da grife de Lenny, as fotos de venda das peças trazem modelos negras e mulheres mais velhas vestindo seus maiôs e roupas. Em comum, são todas muito magras. "Ainda não coloquei no catálogo [mulheres acima do peso], mas faço esses tamanhos. As mulheres mais velhas e de corpo robusto têm lugar na minha marca", diz.

Lucas Seixas/UOL Lucas Seixas/UOL

Delícia receber

  • Festas memoráveis

    Dona de um dos lares mais charmosos do Rio, na Lagoa, Lenny deu festas tidas como memoráveis. Mas, nos últimos anos, andou aposentando a vida de anfitriã. "Cheguei a fazer festa para 900 pessoas na minha casa", conta a estilista, que já recebeu de atrizes globais ao fotógrafo peruano Mario Testino, passando pela estilista venezuelana Carolina Herrera e incontáveis top models, como Naomi Campbell, Karolina Kurkova e Kate Moss. "Depois de um tempo você cansa", diz.

  • Entre gafes e penetras

    "De três anos para cá, eu já vinha recebendo menos gente. Quando os desfiles pararam de acontecer no Rio, os eventos diminuíram", diz. "Acho que fiquei um pouco mais egoísta, querendo só ver pessoas mais próximas. E eu casei, meu marido é mais tranquilo", diz, sobre o empresário Lulu Lima e Silva. Por enquanto, restaram as histórias divertidas dos dias de casa cheia. "Uma vez, uma moça me perguntou se eu conhecia 'a tal de Lenny', dizendo 'vim de penetra, me avisa se você encontrar, quero cumprimentar'", diverte-se.

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"Achei que teria tempo de criar, mas fiquei bloqueada"

As festas, durante a pandemia, acabaram de vez. Mas deixar de ver os amigos e ficar em casa só na companhia do marido e dos filhos —Paulo, de 38, e Bebel, de 34, moram no mesmo prédio com seus respectivos parceiros — não foi nada difícil para Lenny. "Não senti essa solidão porque passo a maior parte do tempo trabalhando", conta. Aos 68 anos, a estilista é do grupo de risco, mas não deixou de comandar os negócios.

"O que salvou a empresa foi o comércio eletrônico. Crescemos 400% nos últimos meses", garante ela. Enquanto sobreviver economicamente era a sua maior preocupação, a criação ficou de lado. "Achei que teria tempo de criar, pensar, mas não tive inspiração. Fiquei bloqueada, de tão preocupada com o operacional."

"Cirurgia me deixou só boas sequelas"

Em 2017, às vésperas da SPFW, Lenny fez uma cirurgia para retirar um aneurisma no cérebro. Desde então, ganhou uma boa dose de impaciência, diz: "Do que eu não gostava fiquei gostando menos ainda". A operação bem-sucedida foi comandada pelo cirurgião Paulo Niemeyer, seu ex-marido, pai dos seus filhos e de quem herdou o sobrenome.

Segundo ele, era possível que a estilista sentisse algumas mudanças emocionais. "Ele acertou, é um ótimo médico", brinca.

Lenny acha que o risco de morte a deixou menos ansiosa e a fez perder alguns medos. O mais importante deles: o pânico de avião. "Acho que fiquei um pouco mais em paz. Só tive boas sequelas."

Mas uma das consequências indesejáveis da operação foi ter de evitar cirurgias na área da cabeça. "Fico louca para fazer uma plástica aqui e outra ali", lamenta Lenny, que já colocou próteses de silicone nos seios duas vezes, após as gestações. O jeito é tentar relaxar.

A sua preocupação, diz, é com as mulheres jovens que já se afligem com a aparência "muito mais que eu, na minha idade". O importante para Lenny é manter uma vida saudável, garante, "sem abrir mão do seu vinhozinho, estar com os amigos, ouvir boa musica e ver um bom filme". E também de praticar esportes, como ela faz algumas vezes por semana com um personal trainer. "Não quero ser escrava da beleza, até porque não vou mais ter cara de 30, 40 ou 50 anos."

Lucas Seixas/UOL Lucas Seixas/UOL

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