Antipática, não. Veemente

Carolina Dieckmann se diz uma mulher intensa, acha que hoje não seria julgada e avisa que ainda manda nudes

Patricia Hargreaves Colaboração para Universa Julia Rodrigues/UOL
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Carolina Dieckmann não coloca os pés no Brasil há mais de dez meses. Desde que decidiu morar com o marido, Tiago Worcman, e os filhos, Davi, 21, e José, 13, nos Estados Unidos, a atriz vivia na constante ponte-aérea entre Miami e Rio de Janeiro. Uma vez por mês passava pelo menos uma semana na casa que mantém em São Conrado. Cumpria os compromissos de trabalho, visitava o restante da família, via os amigos e voava de volta. Com a pandemia, tudo mudou. "Eu digo que só passei a morar em Miami neste ano. Até então, era aqui e aí", diz, de sua casa na Flórida.

A conversa com a Carol, 42 anos, durou mais de uma hora e meia. Entre papos e entrevistas, nos falamos há 25 anos, desde que a entrevistei a primeira vez. Testemunhei cada etapa da sua vida: casamentos, separação, idas à maternidades, festinhas dos meninos e também as ocasiões tristes.

Durante nosso papo, ela deixou claro que o exílio forçado americano é apenas uma pequena parte da revolução que a quarentena provocou em sua vida. "Não sabia ligar máquina de lavar louça, nem de lavar roupa." A carioca de Santa Tereza equiparou a ganhar um Oscar a sensação de ouvir Davi e José elogiarem a comida que precisou aprendeu a preparar. "Almoçar com o Tiago todo dia não tem preço. Se essa pandemia teve um lado positivo, foi esse."

Mas o cotidiano de dona de casa vem, aos poucos, tomando uma nova forma. Carolina tornou-se onipresente na televisão brasileira: a reprise da novela "Fina Estampa" (2011) ainda nem tinha saído do ar na Globo, quando o canal Viva começou a reexibir "Mulheres Apaixonadas" (2003) e também "Malhação" (1995).

Como se não bastasse, "Laços de Família" (2000), onde interpreta Camila, a personagem mais marcante de sua carreira, ocupa as tardes globais, no Vale a Pena Ver de Novo. A cena em que a personagem tem a cabeça raspada após a descoberta de um câncer virou histórica. "Foi ali que eu entendi o que é ser uma atriz."

Com Miami liberando as atividades, ela voltou a ter ajuda nas tarefas domésticas e conseguiu mais tempo para interagir nas redes sociais com uma nova geração de espectadores. "É o lado maravilhoso das redes: a comunicação sem filtro", diz.

Enquanto os filhos estudavam e o marido trabalhava ali por perto, Carolina, que tem três irmãos, contou sobre a experiência de viver desde sempre cercada por homens. Casada há 13 anos com Tiago, vice-presidente sênior de entretenimento e marcas jovens da Viacomm, ela falou de libido e vibrador. E revelou que só não engravida de novo porque em todas as gestações (ela sofreu dois abortos) sofreu demais com as oscilações hormonais: "Por mim, eu adotava".

"Tenho energia masculina"

Única mulher entre quatro irmãos, Carolina lembra um conselho que ouviu da mãe quando começou a trabalhar, aos 13 anos. "Ela me disse: 'filha, eu não posso ser mãe de miss, ficar te acompanhando. Tenho minha vida, meu trabalho'. Eu, que já respeitava essa mulher, me entendi como mulher tendo uma postura para me impor e saber me virar."

A intensa presença masculina se reflete em sua personalidade. "A vida inteira fui muito moleca. Eu tenho um entendimento da praticidade masculina, dessa vida descomplicada, que faz xixi mais fácil, se arruma menos. Tudo na vida do homem é descomplicado. Tem que ser. É outra energia. Tenho muito dessa energia. Embora eu me considere cada vez mais feminina, sou prática, imediata, descomplicada."

Os modelos femininos de Carol foram a mãe, Maira, e a avó materna, Marly, 89 anos. Ativa, presente e cheia de vida, Maira morreu inesperadamente, enquanto dormia em casa, aos 68 anos, no Rio, em agosto de 2019. Na dor, Carolina viu brotar mais um protagonista masculino. "Foi muito doido, de repente, ver meu pai no centro da família, num lugar que sempre foi da minha mãe."

Eu tenho um entendimento da praticidade masculina, dessa vida descomplicada, que faz xixi mais fácil, se arruma menos

Carolina Dieckmann

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"Meu casamento não existia"

Desde os 13 anos, quando manteve um romance adolescente com o ator Vitor Hugo, Carolina mantém relacionamentos duradouros. Mal tinha terminado com o garoto, se apaixonou por Marcos Frota, com quem trocou alianças em 1997. "Sempre gostei de estar acompanhada."

A união terminou em 2003, quando ela se deu conta da solidão que sentia, mesmo casada, com o ator viajando sempre para acompanhar o circo do qual é dono. "O final do meu primeiro casamento foi uma dor. E eu a vivi inteira até ter coragem de acabar com meu casamento porque ele não existia", diz. Ainda no processo de se recuperar da separação, a atriz reencontrou o único homem que havia lhe dado um pé na bunda: Tiago Worcman.

As cenas que mais marcaram Carolina

Roberto Steinberger/Globo

A careca

"O momento em que a Camila [personagem de Carolina] tem a cabeça raspada foi um rito de passagem na minha vida. Não me lembro nem onde eu estava, onde estava a Camila. Foi uma explosão de sentidos. 'Laços de Família' me fez entender o que é ser atriz"

TV Globo/Divulgação

Na ponte com Nazaré

"Na cena final de 'Senhora do Destino', todos achavam que a Nazaré [Renata Sorrah] ia se jogar da ponte com o filho da Lindalva [personagem de Carolina]. Daí, ela para e me entrega a criança. Aquilo é de uma emoção tão forte que só de lembrar eu quase choro"

TV Globo/Divulgação

Eu não sou sua mãe

"A terceira cena também é da novela 'Senhora do Destino', quando a Nazaré conta que a Isabel/Lindalva [personagem de Carolina Dieckmann] é filha da Maria do Carmo [Susana Vieira]. Foi uma cena muito difícil para mim, muita emocionante"

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"Vou atrás do amor"

Em 2007, com Carolina gravidíssima de José, eles se casaram. Logo depois, por conta do trabalho do executivo, passaram a viver separados. Ela no Rio. Ele em São Paulo. Encontravam-se nos finais de semana e quando as agendas permitiam. Por conta da experiência anterior, a história de viver em cidades separadas sempre foi uma questão para a atriz. Então, quando Tiago recebeu o convite para assumir um cargo nos Estados Unidos, Carolina embarcou junto.

A coragem de se afastar da carreira para acompanhar o marido gerou uma série de questionamentos. "Não é justo a pessoa que está a meu lado ficar sempre com a mesma vida porque sou uma atriz reconhecida. Eu que sou alguém... Não! Revezar o protagonismo na vida, respeitar o desejo do outro a ponto de mexer na estrutura da sua vida é superbonito. Então, quando as pessoas me questionavam, eu me via dizendo: 'Vou atrás do amor'. Como se o amor não fosse a coisa mais importante da vida. Para mim, sempre foi."

Não é justo a pessoa que está a meu lado ficar sempre com a mesma vida porque sou uma atriz reconhecida. Eu que sou alguém... Não!

Carolina Dieckmann

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"Mando nudes até hoje"

E os nudes? A Lei Carolina Dieckmann nasceu em 2012 a partir das selfies que a atriz fazia para Tiago e que foram roubadas e divulgadas. Ela parou de mandar? "Mando até hoje. Todo mundo fala: 'Cara, você não tem medo?' Gente, depois do que eu passei, vou ter medo de quê? E agora, se acontecer alguma coisa, eu poderei usar uma lei chamada Carolina Dieckmann."

A atriz manda fotos e se declara apaixonada pelo marido, mas resta uma pergunta: O desejo continua o mesmo? "Vejo a libido como uma onda. Há momentos em que ela fica muito viva dentro de mim, latente, e momentos em que não. Sempre fui assim, desde muito jovem. Muitas vezes são momentos em que eu estou sonhando muito, em que estou lendo muito, em que estou mexida com alguma coisa. Cada mulher é de um jeito, pode ter mulher que priorize a libido, que quer que ela esteja latente o tempo inteiro. Amo ser assim. Amo ter momentos mais sexuais e momentos mais românticos. O Tiago brinca que nesses momentos de reclusão eu estou com os ETs. Às vezes, isso demora um tempo, uma semana, dez dias..."

E agora, se acontecer alguma coisa [com os nudes que manda], eu poderei usar uma lei chamada Carolina Dieckmann

Carolina Dieckmann

"A ruga vai rolar"

Sentada no chão, encostada na porta de um armário, Carolina pergunta se a luz ambiente está ok para a entrevista. "Não coloquei ring light [anel de luz para melhorar a imagem que virou febre entre influencers] nem nada". Ela é vaidosa até a página dois. Se rendeu aos tratamentos estéticos às vésperas de completar 40 anos. Aos 42, faz sessões de laser, evita dormir de maquiagem e usa cremes. "Nunca gostei de pele melada. Nem filtro solar eu passava."

O passar dos anos não parece preocupar. "Ruga, amor, a ruga vai rolar e vai continuar rolando. E agora é ladeira abaixo e vambora", brinca. A relação com o corpo é definida como relaxada. "De alguma forma, eu sempre cuidei dele. Em alguns momentos da minha vida, tive que estar mais próxima de um padrão, de um corpo bonito por causa do meu trabalho. Não era para satisfazer a Carolina, mas em algum aspecto era porque a Carolina queria aquele corpo para satisfazer a personagem dela."

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"O que está deturpado não é o uso do vibrador"

Carolina pontua o lado positivo do passar dos anos. "Envelhecer tem uma parte ruim. E uma parte boa, que é ver as coisas de outro jeito. Você vai tendo mais certezas, mais vontade de falar sobre aquilo que encontrou como caminho." Essa maturidade traz liberdade e segurança para que mulheres, como suas amigas Ingrid Guimarães e Angélica, estimulem o uso de vibradores. Carol também usa?

"Claro, né, Patricia? Isso é normal. O que não é normal é a visão das pessoas sobre isso. O que está deturpado não é o uso do vibrador, quem usa. Cada um faz o que quer. Usa o que quer. O erro é achar que a gente pode julgar o outro e ficar classificando o outro: 'Ah, não, quem usa vibrador então é puta'". Simples assim.

Contratada da Globo desde o início da profissão, ela diz que nunca sofreu assédio. "Já ouvi muita queixa. Muita. Hoje, pensando, fico tentando entender por que eu fui protegida disso e acho que é por estar sempre meio largada, meio jogada com os moleques, com muito amigo homem, muito parceira. Mas isso é um monte de achismo. Poderia ter acontecido ainda assim."

Já ouvi muita queixa [sobre assédio na profissão]. Muita. Hoje, pensando, fico tentando entender por que eu fui protegida disso

Carolina Dieckmann

"Já falei muita besteira"

Nas eleições, Carolina vai até o consulado brasileiro em Miami para votar. "Estou tentando fazer a minha parte como brasileira." A atriz gosta de falar sobre política, mas se espanta com a polarização que o assunto desperta. "Isso demonstra o quanto a gente tá imaturo na discussão. Mais importante é você saber discutir. Não é a sua opinião."

Assumindo que já errou ao dar determinadas declarações, a atriz diz que hoje em dia prefere expor sua opinião e militar apenas nas causas que acredita. "Todo mundo que tem uma voz tem que ter cuidado com o que fala. Eu muitas vezes já falei besteira, coisas que eu não sabia, que fui aprendendo. As pessoas têm que ser responsáveis por aquilo que fazem, produzem e propagam". E qual é a sua causa?

"Tenho mais desejo de usar a minha voz pela tolerância. Em todos os aspectos. A gente tem que saber tolerar a diferença. Seja ela qual for. De pensamento, de ideal, de gênero, de cor, de tudo. A tolerância é algo que a gente tem que exercitar. E eu escolhi usar a minha voz para isso."

Mais importante é você saber discutir. Não é a sua opinião

Carolina Dieckmann

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"Sei que não sou antipática"

A praticidade (que ela credita ao seu lado masculino) com que lida com o corpo e a vida em dois países é a mesma em outros departamentos da vida da atriz. Carolina não gosta de perder tempo.

Sobre a fama de antipática, que a persegue desde os tempos das sandálias da humildade (quando brigou feio na Justiça com a turma do programa Pânico na TV, que insistia que ela vestisse a carapuça de chata), ela afirma: "Hoje, eu não seria [julgada], né? A própria opinião pública me defenderia. Ninguém pode fazer o que fizeram comigo e com tantas outras pessoas".

"Eu sei que não sou antipática. Eu dar um limite pra uma brincadeira que eu não quero que façam comigo não é ser antipática. É ser dona de mim. É saber o que eu não gosto e dizer isso. Eu tenho direito. A antipatia, o azedo, o mau humor foi o que as pessoas interpretaram da minha atitude. Mas eu não me vejo assim. Mesmo."

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"Vi a entrevista do Caetano [Veloso] pro Pedro Bial e chega uma hora em que ele fala, fala, fala e eu acho que alguém da equipe dele diz: 'Caetano, você está bravo?' E ele fala: 'Não estou bravo, eu estou veemente'. Isso mexeu tanto comigo. É difícil para o outro ver alguém assim, veemente, inflamada. Eu sou veemente. Eu sou"

Carolina Dieckmann

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