Musa do verão

Quem é Alexandra Gurgel, a ativista #corpolivre que vai fazer você repensar seu #projetobiquini

Luiza Souto De Universa Carol Caixeta/UOL

#corpodebiquini. #barrigachapada. #projetobumbumnanuca. #bonecadeferro.

Os dias de verão chegaram e, com eles, provavelmente sua timelime já foi invadida por hashtags como essas acima. Quase sempre, elas vêm acompanhadas por fotos de garotas que capricharam na malhação, pulsando na mulher que está do outro lado da tela uma urgência em "correr atrás do prejuízo". E é aí que estação, que deveria ser sinônimo de dias de sol, tesão e liberdade, torna-se então uma temporada frustrante de contagem de calorias para sermos dignas de estar dentro de um biquíni.

Alexandra Gurgel conhece bem essa sensação. Para ela, foram 25 anos até que conseguisse exibir, orgulhosa, seu corpo gordo em um biquíni. E mais: em fotos sem filtro no Instagram, onde é seguida por mais de 1 milhão de pessoas. Xanda, como é chamada pelos seguidores, é a ativista antigordofobia que vem inspirando cada vez mais mulheres a questionarem os padrões de beleza para, enfim, amarem seus corpos.

Seu livro, "Pare de se odiar: Porque amar o próprio corpo é um ato revolucionário", já vendeu mais de 25 mil exemplares e é o campeão de downloads da Editora Best Seller, que o lançou em 2018. Alexandra também é a líder do Movimento Corpo Livre, que conta com mais de 300 mil seguidores e fala sobre aceitação e autoestima para além do peso. Seu canal no YouTube, o Alexandrismos, tem quase 500 mil assinantes.

Fui a primeira pessoa a falar de gordofobia no Brasil, botando a cara. Hoje, tem muita gente interessada no tema dos corpos diversos. Eu falava para as marcas: 'Olha, isso vai ser tendência'. Aí começou a ter cota de gorda na publicidade. Eu mesma fui e sou cota muitas vezes e sei disso

Mas antes dessa conquista do amor-próprio, Alexandra, hoje com 31 anos, enfrentou um processo doloroso. A aversão às suas formas a levou a dietas absurdas, cirurgias plásticas malsucedidas, relacionamentos abusivos e até a uma tentativa de suicídio, como ela conta nesta entrevista franca a Universa.

Alexandra é a musa do verão que queremos: com corpos diversos desfilando na areia e no asfalto, sem pudor nem olhares de reprovação. Livres.

Carol Caixeta/UOL

"Aos 23 anos, ganhei uma lipo de presente dos meus pais"

Carioca, a mais velha de três irmãos e única pessoa considerada acima do peso em sua família, Alexandra teve que lidar com angústias estéticas desde muito cedo. Aos 9 anos, foi levada à primeira consulta com um endocrinologista na tentativa de emagrecer. Começou aí, ela lembra, o ódio pelo próprio corpo.

Aos 13, eu já tomava laxante como se fosse balinha. Não comia e passava a tarde inteira deitada. Comecei a entrar em fóruns de anorexia e bulimia. Neles, tinha que fazer uma oração dizendo que era uma porca gorda, que era como eu me sentia

Vendo a angústia da filha, a mãe de Alexandra, "na maior boa vontade", deu uma lipoescultura e um implante de silicone de presente no seu aniversário de 23 anos. "Tinha 92 quilos na época, dez a menos do que tenho hoje. Quando estava deitada na maca, o médico falou: 'Vamos botar a gordura da barriga na bunda?' Estava vulnerável e topei. Quando abri os olhos, estava com uma cinta tamanho PP e uma faixa na minha cintura, bem amarrada. E ele falou: 'Eu amarrei uma faixa para que crie essa cintura'", conta.

"Por causa da faixa, tenho fibroses [formação de tecido conjuntivo como parte de um processo de cicatrização] pelo corpo, e as pessoas me culpam falando que foi meu pós-operatório que deu errado. Não foi. Fiz drenagem e radiofrequência todos os dias. Mas o conserto só se faz com outra lipo."

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"Estava com o corpo perfeito, mas quando cheguei lá... Não tinha lá"

Alexandra, que aos 11 anos se encantou pelo corpo da dançarina Carla Perez, ficou se achando parecida com a influencer americana Kim Kardashian após a cirurgia. Mas estava longe de satisfeita.

"Eu fiquei igualzinha à Kardashian. Estava com o corpo perfeito, mas quando cheguei lá... Não tinha lá. Comecei a ver mais defeito no meu corpo, estava tendo muitos problemas por causa da lipo, muitas dores. As pessoas que sempre se lixaram para mim começaram a ligar, mas justamente por causa do meu corpo. E falei: 'Então, sou só uma carcaça'."

Comecei a engordar inconscientemente um tempo depois da plástica. E aí veio minha tentativa de suicídio, três meses depois: me intoxiquei e dormi. E me salvaram disso. Quase morri

"Isso é uma coisa importante. As pessoas não fazem terapia para se prepararem para fazer cirurgia plástica. Fazem só para a bariátrica. E aí, quando mudam nosso corpo para ficar melhor, a gente não está preparado para lidar com esse corpo."

Os aliados na jornada da Alexandra

  • Candomblé

    "Eu era muito católica, quase fui freira e, depois, evangélica. Fui pra cabala e, em São Paulo, conheci o candomblé. Isso me dá muita proteção. Entendi as minhas intenções e as intenções dos outros. Então, eu me blindei. As pessoas falam de corpo fechado. É mais ou menos assim. Não que me ache invencível, mas isso me dá tranquilidade."

  • Terapia

    "Fiz terapia a vida inteira. Foi assim que aprendi a me tornar uma pessoa pública, a entender que as pessoas me abordavam na rua porque gostavam de mim. Eu tive que criar uma pessoa pública, um 'eu' que me protege. Fora que a terapia me ajudou a lidar com o ódio. Aprendi que ele diz muito mais sobre o outro do que sobre mim."

  • O fim das dietas

    "Aos 26, parei de fazer dieta. Tinha noventa e poucos quilos. Fui para 115 kg. Você precisa dar para o seu corpo o visual que você pode. E comecei a fazer coisas que eu podia, a me permitir. E parei de engordar, estabilizei. Meu corpo foi se adaptando ao que ele é. Pela primeira vez, estou há quase cinco anos sem mudar meu tamanho de roupa."

Maratona do amor-próprio: "Tô de biquíni, tô de boa"

Num vídeo de pouco mais de dois minutos, publicado na sua página no YouTube, Alexandra parodia o hit do MC G15 "Deu Onda" e canta, em pleno Arpoador, na zona sul carioca: "Eu não preciso emagrecer ou ficar saradona, porque agora Xanda se ama/Meu amor-próprio me dá onda". Foi a primeira vez que Alexandra usou um biquíni. E gostou do que viu.

"Em 2016, fiz uma maratona do amor-próprio. E queria passar isso para as pessoas. Decidi comprar um biquíni e chamei um monte de gente, 6h da manhã na praia do Diabo. Minha amiga gravou o clipe. Quando acabou a gravação, sentei na cadeira de praia, olhei e falei: 'Nossa, tô de biquíni, olhando pro mar e tô de boa!'", diz Alexandra.

Em nenhum momento passou pela minha cabeça o que alguém podia achar. Estava havia horas e horas dançando, feliz. Aconteceu. A partir de então, comecei a usar biquíni, a sair mais. Ia para a praia todos os dias

Carol Caixeta/UOL Carol Caixeta/UOL

"Aceitação não é se achar o último biscoito do pacote"

Dancinha de biquíni é o que não falta no Instagram de Alexandra. Mas, como toda mortal, não é todo dia que Xanda acorda se sentindo a musa do verão, doida pra colocar a autoestima pra jogo.

"As pessoas romantizam a aceitação. Acham que é um estado de plenitude, um nirvana, meio Buda, em que a gente nunca vai se achar um lixo. A beleza é um sentimento. Por mais que eu me ame, coisas me afetam. Então, muitas vezes eu vou me olhar no espelho com o olhar de traumas do passado, de pessoas que falaram de mim, com uma lente deturpada", diz a ativista.

Às vezes, estou com espinhas no rosto, me sentido inchada e feia. Não vou me sentir plena todo dia. Mas dane-se, entendeu? Tô nem aí. É meu corpo

"Aceitação não é se achar a última bolacha ou biscoito do pacote. É se achar digna de amor, de sair na praia e curtir. Aceitação é você se permitir viver."

O squad da Xanda: quem são as mulheres que ela inspira

Reprodução/Instagram

Duda Beat, cantora

"A Xanda me emociona. Aprendo muito com ela sobre aceitação e liberdade. Cada vídeo que ela coloca no mundo, cada conselho que ela dá sobre se amar do jeito que se é, é empoderador para mim e para outras mulheres. Um programa dela na TV aberta seria o máximo."

Reprodução/Instagram @ritacarreiraa

Rita Carreira, modelo

"Também venho quebrando padrões há dez anos. E eu e a Alexandra nos identificamos muito porque isso vai abrindo portas para outras pessoas. Vejo que muita gente ainda não sabe o que significa ser livre, e o conteúdo que ela traz é importante para as pessoas pararem para refletir."

Reprodução/Instagram @raquel_brandao

Raquel Brandão, influenciadora

"Tudo o que aprendi sobre gordofobia foi com a Alexandra. A gente combinava de fazer dieta, e vivemos nesse ciclo antes dessa jornada de amor-próprio. Falar sobre body positive ajuda outras mulheres a lidarem melhor com o corpo e a saúde mental."

Carol Caixeta/UOL Carol Caixeta/UOL

"Dentro do feminismo, a pauta do corpo não é abordada"

O livro "O Mito da Beleza", da escritora americana Naomi Wolf, é, para Alexandra, como uma Bíblia. Nele, Naomi já alertava, em 1992, para o fato de que os padrões de beleza, a obsessão com o físico e o pânico de envelhecer atuam como forma de opressão para as mulheres.

Alexandra também fala sobre isso ao mesmo tempo em que despacha as críticas de que sua defesa do corpo livre seria uma espécie de romantização do corpo gordo.

Romantizar a obesidade é fazer com que as pessoas se tornem cada vez mais gordas. E aí vai para o lado de a pessoa não ser saudável. Eu sou uma pessoa gorda e como uva, frutas, legumes, mas também tomo refrigerante

A influencer destaca ainda que, quando faz críticas a procedimentos estéticos e dietas restritivas, feitos em grande parte por mulheres, não tem nenhuma intenção de criticar essas mulheres. Mas admite que não se sente contemplada em debates feministas. Na avaliação dela, o corpo gordo ainda não ganhou espaço nas conversas sobre direitos da mulher.

"Não tenho vergonha de falar que sou feminista. Mas, dentro do feminismo, a pauta do corpo não é abordada", diz. "E eu nunca estou criticando alguém, mas o sistema. Ninguém está falando para não fazer cirurgia plástica, mas para você ter atenção com seu corpo porque as pessoas estão brincando com esse tema hoje em dia. Tem gente até sorteando cirurgia plástica no Instagram, amiga."

As pessoas precisam entender que obesidade não é a mesma coisa que ser gordo. Isso foi criado, sim, para marginalizar pessoas gordas

Alexandra Gurgel

Carol Caixeta/UOL Carol Caixeta/UOL

"Minha primeira vez foi um estupro"

A autoestima de Alexandra era tão baixa que, quando foi convidada para sair com uma paixão de colégio, não conseguiu aceitar porque achava que ele era magro demais para ela.

Aos 18 anos, conheceu pelo Orkut aquele que seria seu primeiro namorado. Viveu uma relação abusiva e teve sua iniciação sexual forçada. "Minha primeira vez foi um estupro", revela.

Ele era evangélico. Não usava camisinha e me dava pílula do dia seguinte. Tomei mais de 17. Meu ginecologista falou que não fiquei estéril por um milagre. Tinha final de semana que eu tomava três pílulas

Alexandra evita tocar no assunto para que a discussão não tome outro rumo. "Muitas pessoas acham que é por isso que eu sou lésbica, porque eu me decepcionei com os homens. Eu não queria falar isso. Eu era uma garota ignorante mesmo. Era toda da religião."

Após esse namoro, ela só foi ter outra relação sexual aos 26. Não só pela experiência ruim, mas em nome de uma religião que, ela diz, a fazia se sentir impura. Alexandra conta que era muito católica e chegou a consultar a madre de uma igreja sobre a possibilidade de se tornar uma noviça.

"Levei muito tempo para me masturbar. Nunca tive educação sexual para me conectar com meu corpo."

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"Segui o clichê sapatão: em dois meses estávamos casadas"

Já passado o processo de aceitação, Alexandra se descobriu lésbica logo após conhecer a publicitária Carol Caixeta, 31. Hoje, as duas estão casadas, morando em uma casa com quintal e quatro cachorros em Brasília —onde Carol fotografou Xanda para esta reportagem.

"Meu rolê sempre foi LGBTQ+. As pessoas falavam para mim que eu era lésbica, mas eu afastava isso. Em 2018, comecei a questionar muito a sexualidade, porque fiquei anos sem me relacionar. No ano anterior, comecei a marcar com um monte de cara e na primeira transa falei: 'Caraca, não me apaixonei. Só senti prazer e pronto'. E me permiti gozar, ter prazer, ser gostosa, meio piranha, viver tudo o que eu nunca vivi. Foi meio que uma reparação pra mim."

Mas, no ano seguinte, tudo mudou. "Comecei a olhar para as mulheres de outra forma, a entrar em aplicativo de relacionamento para mulher e, no aniversário de um amigo nosso, fui falar com a Carol. Depois, foram todos lá para casa, e simplesmente comecei a dar em cima dela, falando que ela era minha alma gêmea. Em dois meses, a gente estava casada: segui o clichê sapatão, de se apaixonar e se casar bem rápido."

Carol Caixeta/UOL Carol Caixeta/UOL

"Nasci para conhecer essa mulher", diz a companheira de Xanda

O casal Carol e Alexandra trocou São Paulo por Brasília no início da pandemia. Aqui elas falam sobre amor, vida a duas e maternidade.

UNIVERSA: Como é sua relação com a Carol?

Alexandra: É muito louco. Eu me lembro da Alexandra com 15 anos, chorando porque ninguém ia querer ela. E hoje, com a Carol, eu vivo esse amor, que é uma coisa leve, pura e que, ao mesmo tempo, é trabalhosa e exige paciência. Estou vivendo a vida que eu sempre quis, de um jeito que eu nunca imaginava. Sempre quis ter família, cachorro, ser escritora, uma pessoa interessante para outras pessoas. Só que eu nunca imaginei que ia ser desse jeito: famosa e gorda, sapatão. Olhar para a Carol é amor. Me sinto em casa.

Como é olhar para a Alexandra?

Carol Caixeta: É olhar muito para o presente e reconhecer toda a nossa jornada até agora. E ter muito orgulho de a gente estar construindo uma vida, que por muitas vezes nos foi dito que não poderíamos ter. É nessas horas que a gente se torna muito companheira. A Alexandra é minha maior companheira de jornada. Sou muito apaixonada pela Xanda e falo isso todo dia pra ela. A cada dia lembro alguma coisa que fez com que eu me apaixonasse por ela. Nasci pra conhecer essa mulher.

Pretendem ter filhos?

Alexandra: A gente se imagina, em alguns anos, adotando crianças. Porque, afinal de contas, o que mais tem é criança para adotar e de quem ninguém nem quer saber. Nenhuma das duas tem intenção de engravidar. A gente adora cachorros —mal comparando, ama a companhia deles, mas a gente quer, futuramente, ter filhos, quando tiver tempo de educar alguém, de ver crescer e de passar coisas que a gente aprendeu.

Carol: Cresci numa família tradicional mineira, onde é todo mundo muito junto e sempre quis construir isso para mim. Conversamos sobre o futuro e a gente realmente é a família uma da outra. No momento, prefiro cuidar dos sobrinhos e afilhados a ter filho. Mas quem garante que isso não vai mudar? Nossa família já existe, é real: sou eu, a Alexandra e os quatro cachorros.

Fui muito rejeitada. Uma coisa foi descobrir a sexualidade, outra foi descobrir como era me relacionar e como era o amor de verdade. Ele dói às vezes, e você tem que ir aprendendo e cedendo diariamente

Alexandra Gurgel

Carol Caixeta/UOL Carol Caixeta/UOL

Quando a gente cresce numa sociedade que só enaltece um tipo de corpo, e aí aparece outro tipo de corpo num local de enaltecimento, de poder, digno de beleza, aprovação e muitos likes, isso chama a atenção e incomoda as pessoas

Alexandra Gurgel

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