'Vida leva eu...'

Aos 79 anos, Regina tem doença incurável e relata rotina de cuidados paliativos: 'Fiz as pazes com a morte'

Luiza Souto De Universa Marcelo Ferraz/UOL

Bem-humorada e falante, Regina Elisabete Ventura, 79 anos, gosta de conversar sobre a vida, dos filhos, dos netos e de religião. Apesar de ser boa de papo, às vezes, precisar fazer pausas nas histórias para tomar um fôlego extra. Por causa da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) - doença incurável que tira a vida de 3 milhões de pessoas por ano no mundo - ela precisa permanentemente de oxigenação. "Foi o cigarro que me trouxe até aqui, né? Fumei a vida toda", conta.

Hoje (9), Dia Mundial de Cuidados Paliativos, que em 2021 aborda o tema "Não deixe ninguém para trás - Equidade no acesso aos Cuidados Paliativos", Universa mostra como Regina Elisabete passa os dias no Hospital Premier, na Vila Cordeiro, zona sul de São Paulo, referência em cuidados paliativos no país.

No vídeo que você pode assistir a seguir, ela conta que desde quando descobriu a doença, há 8 anos, já fez as pazes com a morte e pediu unção dos enfermos seis vezes achando que iria embora. "A qualquer momento posso ter uma parada cardiorrespiratória e não vai ter jeito. Então, estou bem preparada", afirma.

"Eu estou que nem aquela música 'Deixa a vida me levar, vida leva eu', porque cada dia que acordo é um novo dia. Então tem que agradecer a Deus por tudo que ele faz por mim", e cantarola trecho da letra imortalizada por Zeca Pagodinho.

Cuidados paliativos: equipe médica multidisciplinar para dar melhor qualidade no fim da vida

Referência no Brasil, o hospital Premier trabalha com cuidados paliativos, conceito em que uma equipe médica multidisciplinar (formada por várias especialidades como terapeutas ocupacionais e psicólogos) busca dar uma melhor qualidade de vida ao paciente com doenças crônicas e/ou que ameacem a continuidade da vida, e a seus familiares.

Dentro dos cuidados paliativos, o paciente (adulto ou criança) pode, por exemplo, escolher quanto a medicamentos que quer ou não tomar e procedimentos pelos quais deseja ou não passar, chamados de diretivas antecipadas de vontade.

"Nós evitamos o sofrimento desnecessário. Não apressamos nem retardamos a morte. Os cuidados paliativos ajudam a planejar junto ao paciente seu tratamento", ensina o anestesiologista João Batista Santos Garcia, vice-presidente da ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos).

Quarenta anos após importar o conceito nascido na Inglaterra, o Brasil conta hoje com 191 serviços de cuidados paliativos e 789 leitos, segundo a ANCP. Pouco, na avaliação de especialistas como a psiquiatra Manuela Salman, supervisora clínica do Premier.

"De uma maneira geral, se morre muito mal no Brasil. É preciso entender que a morte faz parte da vida, e não é algo a ser vencido o tempo todo. Nosso foco deve ser curar, mas não deixar de lado aquela pessoa que tem uma doença que não tem mais essa possibilidade.

Conversar sobre quando a morte chegar dá a possibilidade de morrer com mais qualidade, e não sozinho, isolado dentro de uma UTI e cheio de tubos e dispositivos Manuela Salman

O tema foi muito debatido recentemente quando familiares de um ex-paciente da Prevent Senior acusaram a operadora de Saúde de recomendar o tratamento paliativo a um advogado que não estava em estado terminal. O objetivo seria reduzir custos. A discussão fez a ANCP emitir carta explicando o real conceito desse método.

Regina, por exemplo, pediu para não ser intubada nem passar por traqueostomia. E já até planejou sua despedida:

"Falei para minha filha fazer a festinha 'dos órfãos' no velório", brinca ela, mãe de três e avó de 4.

Ela recebeu a equipe de Universa em março de 2020, duas semanas após se mudar para o Hospital Premier, na Vila Cordeiro, zona sul de São Paulo, e no dia em que o governador João Dória (PSDB) decretou o lockdown para conter o avanço da covid-19. Mais de 18 meses depois, Universa voltou a entrar em contato com Regina. Ela segue falante, já tomou as duas doses da vacina contra o coronavírus e passa bem.

Leia também

Amanda Perobelli/UOL

A hora de parar de lutar

Mães falam da perda dos filhos, vítimas de câncer: "Continuo sendo mãe. Ele só foi antes"

Ler mais
Arte UOL

A capacidade de amar

Quatro mulheres com deficiência revelam como vivenciam o amor e o prazer para além dos estereótipos

Ler mais
René Cardillo/UOL

Papai, o tio machuca

Relatos de 4 crianças agredidas em casa mostram como a escuta protegida pode ajudá-las a sair da violência

Ler mais
Topo