TESOURO NACIONAL

Conheça a nova geração de marcas brasileiras de beleza: sustentáveis, digitais e de olho na autenticidade

Isabella Marinelli De Universa

É coisa nossa

Doze passos é a média de etapas para a rotina coreana de pele, que inclui dos produtos de limpeza gentis às máscaras profundamente hidratantes, responsáveis por acabamento quase úmido no rosto. O aspecto vitrificado ao final fez muita gente correr para encher a prateleira de produtos e reproduzir o ritual em casa.

Não raro, modismos e tendências de beleza desembarcam de outros cantos do mundo diretamente para a penteadeira das brasileiras, assumidamente a quarta população mais vaidosa do mundo — ao menos segundo dados de 2019 do Euromonitor, que apontam o país como um dos maiores mercados de beleza do globo, atrás somente de Estados Unidos, China e Japão, e estimado em $24,67 bilhões de dólares.

Verdade seja dita, há um tanto de tecnologia e apelo nos produtos importados, seja pelos ingredientes, embalagens, tecnologia aplicada em desenvolvimento ou até mesmo certo fascínio histórico pelo que vem de fora. O fato, entretanto, é que a nova onda a inundar prateleiras e feeds das redes sociais é de um mar conhecido.

A nova geração de marcas queridinhas nasce em território nacional, fala português e vai bem, obrigada. São rótulos, em sua maioria, capitaneados por mulheres empreendedoras e carregam muito em comum — da identidade visual aos valores indissociáveis de marca, como transparência, responsabilidade socioambiental e autenticidade. Bem-vinda ao universo B-Beauty, simplificação de "brazilian beauty", ou beleza brasileira, em tradução livre.

DNA nacional e caminho pavimentado

Não se pode afirmar que são as primeiras. Gigantes nacionais já pavimentaram o caminho antes disso, caso do grupo O Boticário e da Natura & Co. A última, fundada por Luiz Seabra em 1969, já pautava sustentabilidade antes mesmo do termo ganhar popularidade. O foco em desenvolvimento de produtos que respeitam e valorizam a biodiversidade brasileira fez com que ela se tornasse a primeira e maior empresa de capital aberto a obter a certificação B Corp, que diz respeito aos negócios que lucram enquanto trabalham também pelo desenvolvimento socioambiental do espaço em que atuam. Hoje, ela detém a Aesop, The Body Shop e Avon, está presente em 110 países e é a maior multinacional de cosméticos do Brasil.

Ao lado dessas gigantes, que somadas a Unilever, L'Oréal e Colgate-Palmolive dominam quase 48% do mercado nacional, navegam as pequenas. Há uma efervescência neste sentido, provada pelo curto espaço de tempo em que tantos rótulos se estabeleceram, demonstraram resultados e atraíram rodadas de investimentos. Grande parte delas foi fundada há menos de cinco anos, mas já foram capazes de criar fortes vínculos com suas comunidades de consumidores e sobreviver à pandemia.

Alessandra Levtchenko/UOL Alessandra Levtchenko/UOL

Sustentabilidade já é valor inegociável

Quem nasce agora não tem escolha. Não há como retroceder nas discussões sobre sustentabilidade e beleza limpa, que pregam bons produtos para o organismo e para o planeta. Essas são características indissociáveis da Simple Organic, marca de produtos para a pele e maquiagem fundada em 2017 pela catarinense Patrícia Lima.

Depois de abandonar a carreira de publicitária, ela se dedicou aos cosméticos por propósito. "No começo, foi muito difícil encontrar os fornecedores ideais, com cadeia rastreável, e negociar a quantidade que podíamos comprar", diz. O objetivo era criar produtos de alta performance, veganos e livres de crueldade, mas também sem ingredientes considerados suspeitos, que podem fazer mal ao organismo a longo prazo ou ainda contaminar o meio ambiente após o descarte.

A luta para fazer com que a marca crescesse deu certo. Em 2020, foi comprada pela Hypera Farma, o que potencializou os planos de expansão. Hoje, o portfólio conta com variedade, que vão de soluções levíssimas de tratamento de pele aos hidratantes corporais e também maquiagem. Em breve, toda a gama estará disponível para compra em um shopping de luxo de São Paulo. "Para oferecer concorrência aos importados e atrair os consumidores para lá, desenvolvemos uma loja com alta tecnologia e neutralidade de carbono", revela com exclusividade a Universa.

Performance também é palavra-chave para a Care Natural Beauty. Fundada em 2018 por Patrícia Camargo e Luciana Navarro, ela se define como uma marca de skincare colorido. Isso, pois mesmo os produtos de make contêm alta concentração de ativos de tratamento, responsáveis por hidratar e regenerar e pele, caso do ácido hialurônico vegetal, pracaxi e óleo de macadâmia.

"Investimos em fórmulas inovadoras, com combinações ou porcentagens inéditas, e privilegiamos a biodiversidade nacional. É importantíssimo que, além de performance, os nossos produtos sejam fabricados de forma responsável e sustentável. Optamos pelos ingredientes os orgânicos, não realizamos testes em animais e temos modelo de refil", conta Patrícia.

Outro ponto forte é a relação com as consumidoras, mantida principalmente pelas redes sociais. Ela credita a essa via de mão dupla a manutenção do sucesso - e dos números - mesmo no cenário desfavorável dos últimos dois anos. "Nascemos digitais e isso foi muito importante, pois já fazia parte do nosso jeito de trabalhar enquanto muitas empresas precisaram se adaptar", afirma. Em 2020, a Care cresceu 370% em relação a 2019.

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Emily Weiss à brasileira e o poder das redes sociais

A proximidade do público consumidor é um trunfo potencializado pela influência digital. Nada mais efetivo em tempos de algoritmo e seguidores do que estender uma marca pessoal já consolidada aos bens de consumo — assim provou Emily Weiss e a sua Glossier, startup de beleza estadunidense que é case de sucesso e potencializou toda uma estética millennial de beleza despretensiosa.

Assim fez a jornalista paulista Bruna Tavares, lá em meados de 2016, quando emprestou o nome de seu blog "Pausa para Feminices" a uma linha batons produzida pelo grupo Farmaervas. O sucesso foi tanto, que ela emplacou uma coleção atrás da outra, até assumir a operação do próprio rótulo.

"Fui pioneira no desenvolvimento de certas tonalidades de batom. Queria me diferenciar, então mergulhei em pesquisas no mercado internacional. Lancei cores de fundo acinzentado, algo que ainda não existia aqui, que são alguns dos meus maiores sucessos de venda", conta.

Desde então, segue como uma estudiosa para entender o que pode trazer de novidade em termos de textura, acabamento e aplicação. Um dos hits da marca é o BT Velvet, primer e sombra líquida multiuso, que ganha intensidade ou leveza a depender do desejo de quem aplica. Já são mais de 200 itens em portfólio, incluindo uma linha de bases com 30 tons, a BT Skin, para atender a um maior número de nuances de pele.

Aliás, falando em consumidora, há algumas célebres entre elas. "Fiquei surpresa quando vi a cantora Anitta indicando este produto, espontaneamente, em um vídeo da Allure, um dos veículos de beleza mais importantes do mundo. Foi um divisor de águas", relata. A "malandra", entretanto, não ganha tratamento especial. "Mando os meus produtos dos menores influenciadores aos maquiadores mais importantes. Vejo importância em cada um da comunidade, inclusive quando recebo críticas. Ainda que um produto tenha 99% de aceitação, leio aquele 1% de comentários críticos para entender como melhorar o próximo", argumenta.

Alessandra Levtchenko/UOL Alessandra Levtchenko/UOL

Assim como a etiqueta de Bruna Tavares, a marca de cuidados capilares GE Beauty, da influenciadora e empresária pernambucana Camila Coutinho, também arrasta um fã clube. Lançada em setembro de 2020, no meio da pandemia, conquistou as consumidoras pela possibilidade de personalização do produto. Xampu, máscara condicionante e leave-in podem ser incrementados com boosters, que contam com ativos fortificantes, hidratantes, antioxidantes ou para definição na hora do styling. Vale mais a necessidade do que o tipo de cabelo em si.

Vegana, livre de crueldade e com embalagens recicláveis de cana-de-açúcar, a linha já ganhou complementos em edição limitada, como vela e escova de cabelo. Entretanto, o elenco fixo deve crescer em breve, ela conta.

"Fatores pessoais e de clima mudam o cabelo. Portanto, nossa proposta é que a pessoa faça uma pausa, tente combinações e se perceba. Para mim, esse é o coração da autoestima e é a provocação que quero levar, sempre de forma leve e descomplicada", afirma Camila.

A simplificação da rotina também é um objetivo da Sallve, fundada em 2019 por Julia Petit. "Nós temos que entender de ativos e combinações para oferecer o melhor e de forma fácil. Trabalhamos para que a nossa comunidade ganhe tempo para viver a própria pele. Skincare não é para ser a coisa mais importante da nossa vida", diverte-se a empresária.

Apesar do argumento, os números provam que, é fato, ele ganhou importância na vida das pessoas nos últimos anos, especialmente no período do isolamento social. As vendas na categoria cresceram 21,9% no ano passado, segundo dados divulgados pela Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal). O ritual de limpar, hidratar e proteger o rosto ganhou status de autocuidado e valor na rotina.

"A relação com a pele é algo muito profundo e que levamos ao longo da vida", diz Julia ao justificar os motivos do investimento em séruns, cremes e limpadores em vez de maquiagem — o que pareceria um caminho óbvio, uma vez que seus tutoriais fizeram muito sucesso anos atrás no extinto site "Petiscos".

"Tudo é mais difícil quando você é pequeno e nós somos muito criteriosos. Foi desafiador encontrar ativos que gostaríamos ou da forma desejada, como partículas esfoliantes de bambu redondas (risos). Entretanto, também lidamos de forma criativa. As nossas embalagens, por exemplo, são bisnagas simples, mas eficientes para facilitar o aproveitamento do produto até o final e esteticamente interessantes", lembra.

O exercício constante de pensar em como é possível melhorar os produtos e torná-los ainda mais amigáveis ao meio ambiente também é um caminho percorrido pela empresária e influenciadora digital Helena Bordon. Em março de 2020, iniciou o desenvolvimento dos produtos da Hela Beauty, marca de skincare pautada pela expertise da dermatologista Alessandra Fraga, de São Paulo.

Amigas há oito anos, Alessandra conseguiu cuidar da pele sensível de Helena com fórmulas próprias, manipuladas, que serviram de inspiração para a gama de produtos lançada em dezembro do ano passado. "Trabalhamos com bons ingredientes, pensados especialmente para o clima e a pele da mulher brasileira. Por exemplo, quis um óleo capaz de hidratar, mas leve o suficiente para não deixar sensação pegajosa, algo que pessoalmente não gosto", exemplifica. O próximo desafio do rótulo é o lançamento de um protetor solar, ainda sob testes e aprovações dos órgãos responsáveis. "No ano que vem, planejamos crescer a linha e aprender ainda mais com a nossa comunidade", finaliza.

Elas contam por que escolheram empreender na beleza

A moda ainda carrega a simbologia de que o mais caro ou exclusivo é melhor. Já a beleza se fortalece em grupo, não na individualidade. Pensando em tipos de pele, cabelo, há muito mais para onde crescer.

Camila Coutinho, fundadora da GE Beauty

Já transito pela moda, mas tinha o sonho de assinar uma marca de beleza. Dona de uma pele sensível, sempre sofri para encontrar o que funcionasse em mim, o que depois se tornou motivação para levar a público o que me fez bem

Helena Bordon, fundadora da Hela Beauty

A relação com a pele é algo muito profundo. Nós trabalhamos para que esse cuidado seja simplificado e não ocupe o tempo do que realmente importa -- que é habitar e viver esse corpo

Julia Petit, fundadora da Sallve

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