As Faapers

Elas vestem a camisa do aluno rico e criam 'Gossip Girl' de Higienópolis : 'Amo filmar bolsas de luxo'

Camila Corsini De Universa, em São Paulo

As bolsas são Birkin e Coach. Os coturnos, Prada. Monogramas da Gucci e Louis Vuitton. As jovens estão sempre maquiadas e com cabelos esvoaçantes. Há poses, cochichos sobre looks e fotos, muitas fotos.

Quem circula pelos corredores da Faap, no bairro nobre paulistano de Higienópolis (ou pelas trends do TikTok), sabe do que estamos falando.

Anna Beatriz Egreja tem 22 anos, está no primeiro semestre do curso de moda e virou a protagonista de uma "série". Não da Netflix, mas do TikTok. O nome ela mesma cunhou: "The Faapers".

Sim, você já viu esse filme. Pelos corredores do centenário prédio de arquitetura francesa, cercados por renomados vitrais coloridos, ela e os amigos fofocam sobre as roupas dos outros estudantes e criam uma versão nacional do estereótipo do "estudante riquinho", segundo ela mesma.

"Pensei em criar um quadro que fosse uma sátira aos famosos estudantes de uma faculdade rica, tipo 'Gossip Girl', com referência ao 'The Office'."

@annaegreja Respondendo a @Anna Luísa ? som original - annaegreja

A série adolescente que mostrava turmas rivais, famílias de magnatas cercadas de drama e luxo, sempre conduzida pela fofoca, foi um sucesso em meados dos anos 2000. Mas Anna defende que seu conteúdo não se resume a semear a treta entre os estudantes de uma das faculdades mais caras do país, cuja mensalidade é de R$ 4.800.

Não é de hoje que a Faap é uma faculdade com estereótipo de gente rica. Não dá para fugir disso. Eu amo bolsa de luxo, é uma obsessão minha. Então, amo filmar bolsas de luxo. Isso não significa que as outras bolsas não estejam lá.

'Só entende quem está dentro da Faap'

Nos comentários dos vídeos, dá para perceber que nem todo mundo entende o que acontece ali, mesmo. Afinal, para o resto do país, frequentar a faculdade portando uma bolsa de R$ 20 mil não é exatamente uma prática cotidiana.

Só filmo o que eu vejo. Ninguém combina de ir com roupa [de grife]. Abordo quem não conheço e filmo meus amigos, mas é tudo espontâneo.

Outras influenciadoras dão gás ao clima "Gossip Girl" na faculdade. Gabriela Félix, de 19 anos e aluna do quarto semestre, assume uma variação do bordão para provocar a turma endinheirada:

Qual o item mais caro que você já comprou para o curso de moda?

E aí as respostas dos alunos costumam variar:

Gabi dispara: "E por que você comprou [papel craft] se tem aqui na faculdade?"

Ela, que se mudou do Maranhão para cursar moda em São Paulo, grava vídeos no metrô, usando roupas de brechó, e tenta mostrar um mundo mais "gente como a gente" —na medida do possível.

As bolsas são da Renner e as eco bags foram brinde no Shopping Iguatemi, mas a bota de pelinho é da Ugg —e custa R$ 1.700 no Brasil.

Gabi defende que, para muitos alunos, a faculdade virou um dos únicos rolês na semana em que é possível aplicar o que aprenderam em sala e brincar com as tendências. Por isso esse desfile de looks de preços variados, mas sempre exageradamente produzido.

Ela defende que o TikTok é só um recorte do que acontece no curso de moda — "renomado, com professores e projetos sociais incríveis".

Ninguém é obrigado a mostrar tudo o que tem na faculdade, porque é impossível. Um vídeo um pouco mais banal serve para entreter. A pessoa está mostrando um look de grife e as pessoas comentam como se fosse uma coisa muito negativa. E não é, né? É apenas uma realidade daquela pessoa.

Mas, do outro lado da sala, existem os estudantes antiostentação.

É o caso de Stephanie Burger, de 22 anos e aluna do terceiro semestre, que viralizou justamente com vídeos que mostram "o outro lado do estudante de moda da Faap", em resposta aos vídeos que repercutiram "da galera do primeiro semestre".

Ela não aponta o dedo para outras tiktokers, mas fica evidente que busca um contraponto.

Fiquei preocupada de as pessoas terem receio de entrar na Faap por medo de serem inferiorizadas por não ter bolsa, roupa de marca e ter de trabalhar. Pode não ser a intenção dessa galera, mas sabia que tinha muita gente interpretando assim.

Se essa onda de conteúdos tivesse explodido há dois anos, explica, ela mesma teria sentido esse medo. "Pensaria que talvez não fosse um lugar para mim - e que talvez eu não fosse muito bem recebida."

Seu conteúdo tenta mostrar a vida dos alunos que acordam cedo, porque moram longe da faculdade e dependem do transporte público, levam marmita e trabalham para ajudar os pais a bancar a mensalidade.

As roupas exibidas são da Shein, a marca chinesa conhecida pelos itens fashion a preços muito populares. Ela também não tem vergonha de dizer que usa roupa de lojas de departamento como Renner e Zara —acessíveis, se comparadas às grifes.

"Existem outras realidades na Faap. Não tenho nenhuma bolsa de marca, na verdade não tenho roupa nenhuma de marca. A maioria das minhas roupas são de fast fashion. A moda não é só isso."

Stephanie foi do Rio a São Paulo para cursar moda. Antes, fez três anos de medicina veterinária em um federal do Sul do país.

Ela conta que precisou negociar por muito tempo com os pais para que a troca de curso fosse aceita. "Fizemos um acordo: eu procuraria um estágio desde cedo para ajudar."

Depois de estagiar em uma loja de shopping, onde fazia "de tudo um pouco", hoje ela é social media de uma marca de roupas no contraturno das aulas e também faz alguns trabalhos como modelo.

Stephanie conta que foi dormir à 1h da manhã para finalizar um relatório, já que não conseguiu ir a um evento que o professor pediu. "E por que que eu não fui neste evento? Porque eu estava trabalhando. Pois é", explicou no vídeo do TikTok.

A tática parece ter dado certo.

"Inspiração para muitas pessoas que querem estudar na Faap, mas não têm Chanel", escreveu uma garota. "Agora sim alguém que representa a realidade dos estudantes lascados de moda", completou outro.

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