A missão Playboy

Primeira diretora de canais adultos no Brasil, Cinthia Fajardo quer pornô responsável e com olhar feminino

Marcos Candido Da Universa, em São Paulo Simon Plestenjak/UOL

Não dá para dizer que Cinthia Fajardo, 44, tem um emprego convencional. Em janeiro, ela foi promovida à diretora geral da Playboy Brasil após oito anos na liderança da equipe de marketing da empresa. Assim como no posto anterior, o novo cargo não inclui coelhinhas, mansões, carrões. Na prática, é trabalho pesado. Cinthia precisa convencer o brasileiro a continuar pagando para assistir à pornografia, mesmo com dezenas de milhares de vídeos de graça na internet. Sentiu o drama?

Sob o comando de Cinthia estão os canais Sexy Hot, Playboy TV, Venus, Sextreme, Forman e Private, do grupo Globosat. A missão da diretora é criar novas produções e eventos e estimular a compra de filmes no site oficial das marcas, além de manter e, se possível, aumentar o número de consumidores da TV por assinatura. O Sexy Hot fechou 2019 com mais de 400 mil assinantes e 4,2 milhões de visitas na internet.

Em boa parte do tempo, o trabalho de Cinthia é como qualquer outro cheio de números, metas e planilhas. Às vezes, claro, há situações peculiares. Exemplo: uma vez por ano, ela reúne a equipe para assistir a dezenas de cenas de filmes adultos no trabalho.

A equipe analisa se os atores parecem confortáveis em cena, se a luz das imagens está boa, se o diretor conduziu bem, se o enredo é verossímil. Os escolhidos são indicados para o Prêmio Sexy Hot, o "Oscar do pornô brasileiro". Em 2020, o evento vai para a 7ª edição. Cinthia esteve em premiações similares nos Estados Unidos para desenvolver a própria versão e ajudar a profissionalizar quem trabalha com pornografia aqui no Brasil.

Além disso, a executiva é uma das criadoras do selo Sexy Hot Produções. A empresa investiu em novos diretores, atrizes e enredos. A ideia é fugir do clichê, como a história da loira siliconada e ingênua que transa com o encanador. Agora o público quer ver a mulher sentindo prazer de uma maneira real. Não à toa, as mulheres são o maior número de pagantes de canais adultos na TV por assinatura — e a maior parte da equipe de Cinthia também é formada por mulheres. "Depois de décadas de uma indústria dominada por homens, é importante trazer um olhar feminino", diz, em entrevista para Universa.

O que Cinthia conquistou até agora foi na marra. Os canais por assinatura, fruto de uma parceria entre a Globosat e o grupo Playboy do Brasil, não contam com verba publicitária. Além disso, o número total de brasileiros assinantes cai a cada ano. O dinheiro que entra na empresa é de assinantes ou de quem decide comprar por um filme avulso, sem a necessidade de fazer uma assinatura.

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Você está há alguns anos nessa área. Como o gosto do consumidor mudou ao longo desse tempo?
Há uma busca por novidades e diversidades de corpos, novos atores e atrizes e temas LGBTs. A principal mudança são os conteúdos produzidos para mulheres e por mulheres. Por muitos anos a indústria foi comandada por homens e exclusivamente para o prazer masculino. Não dá para saber se esse conteúdo novo foi criado por reivindicação das mulheres ou pela indústria, que observou amarras entre elas. Nós buscamos a inclusão da mulher. Na prática, gostamos de apresentar uma relação que não termina só quando o cara goza. Queremos as mulheres sentindo prazer e tendo desejos atendidos. Isso faz muita diferença. O homem não é excluído de sentir tesão com esses filmes, mas a mulher é incluída.

Aquele velho roteiro do entregador de pizza ainda cola? Isso tem mudado?
As pessoas cansaram um pouco. Quem chama o entregador de pizza e tem uma relação sexual com ele? Ou com um encanador? Isso não acontece na vida das pessoas e virou um clichê, uma fantasia. Há maneiras mais críveis de fantasiar com a realidade. Evidentemente, tem quem não se interesse por história nenhuma.

E qual o perfil dos novos atores e diretores do meio?
Estão surgindo atrizes que saíam de sites de exibição paga na webcam. Algumas delas quiseram fazer filmes porque gostam e também para ficarem mais conhecidas e com mais clientes. A maior parte das atrizes que conheci diz que isso é uma opção. Há diretores novos no mercado audiovisual e no cinema que querem trabalhar com um tema diferente, mudando o clichê e trazendo novos olhares. Para captar novas visões lançamos um concurso para receber inscrições de estudantes de cinema e roteiristas. Fizemos um piloto. O filme já foi produzido e queremos estimular essas ideias.

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Como é o consumidor da Playboy Brasil?
O assinante de televisão é mais feminino do que masculino. A mulher assina para assistir junto com o parceiro com o qual é casada há muito tempo e assiste para apimentar a relação e ser um momento de excitação do casal. É para fugir da rotina. Já o assinante do site é masculino; é mais individual e 80% do consumo na internet é do celular. É mais curto e mais rápido. Por isso, precisamos criar conteúdo para atender às situações diversas de consumo: na cama, a dois, sozinho. Os picos na internet são pela manhã e no horário do almoço. Na televisão, não temos monitoramento da audiência, mas nosso horário nobre é mais tarde, depois que as crianças foram dormir.

A pornografia tem papel educativo na sexualidade do brasileiro?
Nem entro nesse mérito, mas querendo ou não é uma referência. Muitos jovens acabam assistindo. Por isso, apresentamos um filme em que mulher e homem sentem e aparentam ter prazer. Não vou dizer que educamos, mas que temos influência. Somos um canal nacional. É bom ficar atento ao que é importante para todos.

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Qual a estratégia para sobreviver na internet, onde há milhares de vídeos adultos de graça?
Há muito conteúdo distribuído de graça em grupos de WhatsApp, por exemplo. Ninguém sabe se a pessoa no vídeo teve consentimento para ser filmada durante o ato sexual. Por isso, criamos o "Grupo da Pelada" no WhatsApp, no qual enviamos conteúdo gratuito. O número de pessoas é rotativo, mas chegamos a ter 25 mil ativas em dois grupos de WhatsApp. Não julgamos quem queira assistir a qualquer conteúdo, mas tentamos criar um ambiente seguro no qual as pessoas podem consumir algo com consentimento e que remunera profissionais de uma indústria séria.

Quais as dificuldades em ser chefe?
Você tem a pressão de cima, a pressão de baixo, dos lados e a própria pressão. Se a equipe não for bem, eu não vou bem. É preciso dar espaço para que eles tenham para onde crescer. Não cheguei aqui sozinha e, se não deixá-los crescer, não serei uma boa chefe. Aliás, a maior parte da minha equipe é mulher, mais jovem do que eu.

Uma vez por ano, há o Prêmio Sexy Hot. Como você coordena a equipe para o evento?
Nós criamos equipes de trabalho. Misturamos mulheres e homens. As pessoas assistem juntas e debatem. Fazemos uma seleção prévia dos inscritos e selecionamos três opções para serem votadas pelo público. As categorias foram definidas quando o prêmio foi criado. Fui a duas edições da AVN [o "Oscar" do pornô norte-americano]. Analisamos as categorias mais buscadas aqui e chegamos a 18. Temos melhor filme, melhor direção, melhor atriz, ator. Depois, temas mais específicos: melhor cena trans, melhor ator homo masculino, homo feminino, anal, orgia.

O dinheiro de tudo que você falou vem só dos assinantes. As marcas não querem se associar?
Não somos proibidos de vender publicidade, mas muitas empresas não querem se associar a uma marca adulta. Mas nunca falaram isso abertamente. Tivemos uma campanha de uma marca de estimulante sexual. Quem sabe alguma outra leia essa matéria e tenha interesse, né? [risos]

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