A alma do negócio

CEO da Lew'Lara, Marcia Esteves constrói equipe diversa, feliz e engajada - e sem Whatsapp no fim de semana

Cláudia de Castro Lima Colaboração para Universa Duda Gulman/UOL

Em 2018, a publicitária Marcia Esteves identificou uma necessidade: tornar a empresa em que trabalhava mais diversa para que o resultado do trabalho também fosse. Bem antes das discussões sobre racismo provocadas após a morte do norte-americano George Floyd, ela incluiu jovens negros e de baixa renda em seu universo, o da propaganda. Diversidade, para a CEO da Lew'Lara, uma das principais agências de propaganda do país, demanda tempo e esforço, mas precisa fazer das empresas - sobretudo das que ajudam a construir nossa cultura.

Agora, conta, seu olhar está para a desigualdade de gênero. "Mais de 50% da renda das famílias vem de mulheres, e quando a gente olha as nossas campanhas sempre tem um homem dirigindo um carro e decidindo sua compra, por exemplo", afirma. "Por que será? Será que a gente também, no nosso dia a dia, não está errando?"

Para a executiva, esse questionamento deve ser constante. "Sempre me coloco essa pressão", diz. "O exemplo da diversidade tem que ser muito mais diário na vida das pessoas. Mas como eu normalizo o que as pessoas estranham hoje?"

Formada em publicidade pela Fundação Armando Alvares Penteado, Marcia conta que até hoje, aos 38 anos, não parou de estudar - e que isso fez toda a diferença em sua carreira. É especializada em marketing pelo Instituto Europeo di Design em Milão, na Itália, fez MBA na Fundação Getulio Vargas, além de programas na Omnicom University (em Boston) e na Universidade de Tel Aviv. "Por enquanto", brinca ela, que morou na Austrália, Estados Unidos, Itália e Espanha.

Por onde passou, aprendeu a ouvir as pessoas. Com isso, aboliu o "certo e errado" e passou a considerar as perspectivas de cada um, o que enriqueceu seu trabalho. Nesta entrevista, ela conta sobre esses aprendizados, diz que não se importa com cargos, diz que seu principal problema convencer o time largar o Whathsapp nos fins de semana, e explica a paixão da qual não abre mão: o mergulho.

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Você tem várias formações, inclusive com cursos no exterior. Você gosta de estudar ou fez esse percurso buscando diferenciais competitivos?

Venho de uma família de médicos, advogados, engenheiros e professores. Todos sempre estudaram muito, mesmo quando não estava na moda estudar. Meus presentes da infância eram livros. Me tornei publicitária por acaso, porque queria fazer medicina, mas tinha muita dificuldade em física e química. Uma amiga me deu aqueles guias de estudante, eu olhei comunicação social e pensei: nossa, adoro tudo isso que está descrito, vou prestar. Entrei. E senti que tinha muito da prática, mas pouco do estudar, e eu acredito muito no repertório. E isso se encontra na rua, com pessoas, em diversos lugares, mas também nos livros, na história, aprendendo outras culturas.

A gente deveria conseguir fazer com que os brasileiros entendessem que educação não é obrigação - é prazer, é o que forma uma sociedade mais justa, menos polarizada. Quando estudamos, entendemos que não existe o certo e o errado: existem diversas perspectivas. Se pudesse, eu passaria a vida estudando

Você também morou em vários lugares do mundo. Que aprendizados te trouxe?

Acho que me tornou o que sou hoje. Gosto muito de gente. Acima de qualquer outra coisa eu gosto de sentar com pessoas e conversar e perguntar a história delas. Invisto meu tempo não em conhecer os pontos turísticos, mas encontrar espaços com pessoas para eu conseguir entender um pouco das histórias. Morar fora me ensinou isso. Quando morei na Catalunha, que tem suas diferenças com a Espanha, comecei a enxergar isso de uma forma muito positiva. Perdi meu vocabulário crítico. É muito difícil eu dizer que algo está errado. Tenho um vocabulário de perspectiva.

Claro, tem coisas que são espinhas dorsais que estão erradas ou certas e isso a gente não pode mudar jamais. Mas em termos de ideias, de olhares, perdi esse senso de "certo ou errado", "eu sei, você não sabe". Aprendi que cada um tem uma perspectiva, uma história, um motivo para trazer uma visão para a mesa. Entendi que a diferença é boa se a gente souber aprender com o outro. E acho que isso enriquece muito a mim e a meu trabalho.

Você tinha a ambição de chegar à presidência de uma grande agência de publicidade?

Nunca olhei para isso - e, particularmente, nem acredito em cargos. Nunca fiz nenhuma transição profissional olhando para cargo, sempre procurei uma gestão que me inspirasse. Por isso já fiz várias transições andando "de lado", sem nenhum crescimento no sentido financeiro ou de hierarquia. Virei presidente na Grey aos 35 anos e saí de lá para vir para a Lew'Lara com um tanto de choro. A Grey é uma agência pela qual tenho o maior amor, onde fui absolutamente feliz e onde entrar de chinelo ou de salto alto dava na mesma, porque a gente se olhava como ser humano.

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E o que a levou para a Lew'Lara?

Vim para cá porque tenho uma grande admiração pelo [fundador] Luiz Lara, pela [CFO] Sheila Wakswaser e pelas pessoas que já estavam aqui. Minhas mudanças são feitas pela escolha das pessoas com quem vou trabalhar, porque a gente tem que ser feliz trabalhando. Até pela história do nosso país, de colonização, de escravidão, entendemos o trabalho como obrigação. E eu não acredito nisso. Para mim, trabalho é prazer. Venho feliz para cá. Não tenho a pretensão de ser a maior do mundo.

Qual foi a reestruturação que você se comprometeu a promover?

Minha maior preocupação era disseminar a ideia de como fazer para que meu time entenda que fim de semana é fim de semana, que não é para mandar WhatsApp. Não pode mandar informação fora do horário de trabalho. Essa educação tecnológica tem que ser constante.

Temos que saber a hora de enviar e-mail, de marcar reunião, de começar e de parar. E entender que o WhatsApp não pode ser uma prisão. As pessoas têm medo de largar o celular porque podem demorar para responder. Mas quem se comprometeu que ele tem que ser respondido de forma imediata? Eu não. Virou uma febre maluca de uma obrigação sem fim.

Montamos uma liderança muito forte na agência. Contratamos pessoas, crescemos. Estreitamos relações e entendemos o detalhe do negócio de cada marca. Abrimos duas unidades de negócio, uma focada em e-commerce e outra, em produção.

Como a pandemia afetou o planejamento de vocês?

Estava na Lew'Lara fazia três meses quando a pandemia começou. Minha primeira decisão foi que lá só iriam transitar ideias, não pessoas. A segunda foi manter a operação funcionando. Percebi logo cedo como a distância me aproximou dos colaboradores. Conheci os filhos, os bichos e a sala deles. E comecei a trazer palestras e bate-papos, além de apoio oficial, para quem precisasse de ajuda psicológica quando senti que todos estavam sem perspectiva. Tivemos que reprogramar 100% do que a gente tinha planejado para nossas marcas.

Agora, tenho três papéis. Um é entender o momento certo de poder voltar ao escritório. Outro é apoiar nossas marcas para que elas possam sair dessa crise, se possível, melhores. O terceiro é conscientizar a população sobre gravidade da doença.

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A publicidade tem muitas mulheres, mas poucas em cargos de CEO. Por quê?

Se isso acontecesse só no universo da publicidade seria mais fácil de mudar. O problema é que a gente tem um machismo estrutural, uma questão natural de uma sociedade em que as mulheres começaram a votar e trabalhar há menos de 100 anos. Gosto de contextualizar porque caso contrário parece que a gente não evoluiu nada. Tem muita coisa para levantar a bandeira. Temos pouquíssimas lideranças criativas femininas, por exemplo. Dois pontos me chamam atenção. Um: por que é tão difícil mudar? O primeiro fator é que precisa existir uma política de equidade de gênero. É preciso criar ambientes, de fato, inclusivos para que as pessoas possam crescer e se desenvolver. Isso leva tempo, tem que ter investimento, suporte da corporação, suporte global, suporte das suas marcas.

E qual é o segundo ponto?

Esse é o que diz respeito a nós. Na sociedade, mais de 50% das rendas familiares vêm de mulheres, e quando a gente olha as nossas campanhas na rua tem sempre um homem dirigindo um carro e decidindo sua compra, por exemplo. Por que será? Será que a gente também, no nosso dia a dia, não está errando? Sempre me coloco essa pressão, porque também sou responsável por colocar campanhas na rua que moldam a nossa sociedade. A diversidade tem que ser um exemplo diário. Mas como eu normalizo o que as pessoas estranham hoje?

As agências estão muito em São Paulo e, quando a gente começa a discutir como trazer o Brasil inteiro para dentro delas, juntamos esses dois pontos. Como em São Paulo posso ter a pretensão de fazer uma campanha no Nordeste se não tiver pessoas do Nordeste aqui? A diversidade é necessária, mas não podemos tratá-la como um número. Não é opcional.

Você já duvidou da sua própria capacidade em sua jornada?

Não por ser mulher, mas tenho convicção de que posso estar mais bem preparada a cada dia. Como acredito que feedback é um presente, por isso sempre busquei esse retorno.

Como continuar sendo relevante na publicidade com tantos produtores de conteúdo?

Vai parecer um papo de maluco, mas isso vale para todo o mercado de comunicação: acho que a gente vive o melhor dos tempos, pelo menos dos últimos 20 anos. Desde que a internet chegou com força, no anos 2000, nós erramos nas perguntas e, por isso, não tivemos as respostas corretas. E aí veio a pandemia. Entre as várias coisas que ela nos mostrou, evidenciou que se a comunicação não existisse a gente não saberia até agora que deveria usar máscara, manter o distanciamento e lavar as mãos. A pandemia é a primeira vez em que vivemos uma guerra mundial com internet conectando tudo. O desafio é fazer as perguntas corretas. Na minha humilde opinião, elas estão na rua, com as pessoas. Nosso papel é entender como a sociedade está se transformando.

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Você não tem filhos. Ser mãe está nos seus planos?

Para ser bem sincera, tenho 38 anos e não sei ainda se vou ter ou não filhos. E isso não é um drama. Não acredito em amarras que a sociedade impõe, do tipo ter que casar e ter filho. Acredito em ser feliz. Sou uma alma muito livre, gosto de viajar, de mergulhar. Gosto da solidão acompanhada. Minha vida é muito cheia de pessoas e de família. Namorei muitos anos meu melhor amigo de infância. Conheço ele desde os 7 anos, namorei dos 15 até quase 28, casamos e há cinco anos, quando todo mundo esperava que eu fosse engravidar, separei. Somos melhores amigos até hoje, nos amamos de paixão, mas tínhamos vidas totalmente opostas e, desde a minha separação, aconteceu uma loucura positiva na minha carreira. Se você me perguntar se vou casar de novo, digo que não sei. Se vou ter filho? Não sei.

Não é que vou conforme a vida me levar. Eu vou tentar desenhar uma vida que me faça feliz todos os dias como eu sou hoje. Já me tacharam de tudo, mas eu ligo muito pouco. Para mim isso não é um defeito, é uma escolha de vida - e que pode mudar a qualquer dia. Hoje estou bastante feliz e completa, mas não tenho nenhuma decisão tomada.

Desde quando você mergulha?

O mergulho surgiu quando eu tinha 14 anos. Tive bronquite minha infância inteira, então essa coisa respirar embaixo da água me dava pânico. Desde então, posso deixar de fazer muita coisa, mas não deixo de mergulhar. É uma prioridade. No mundo que vivemos hoje, tão cheio de ruídos, é um escape: lá o ruído é de um peixe nadando, de um coral. Eu me escuto, equilibro minha respiração, meu pensamento, consigo me conectar comigo mesma. Não tem nada que não seja curado com um mergulho no mar.

Quando se chega no topo, com o que mais se sonha?

Equilíbrio, no sentido mais amplo da palavra. Equilíbrio nas atitudes, nas escolhas, equilíbrio para gerir e dar o exemplo. Equilíbrio com o corpo, a mente e a alma.

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Uma mina puxa a outra

  • Que mulheres te ajudaram a crescer?

    Primeiro, minha irmã, Luciana Esteves. A Sylvia Panico, chief operating officer global da rede David, é outra. Nossa chief financial officer Sheila, do grupo TBWA no Brasil, também. Elise Passamani, nossa chief culture & operation officer, e também Raquel Messias, nossa chief strategy officer. Não posso deixar de mencionar ainda Marlene Bregman, da Leo Burnet Tailor Made. E a Juliana Azevedo, CEO da P&G Brasil.

  • Como você ajuda outras mulheres?

    Criamos condições para que possam se desenvolver e assumir papéis de liderança. As empresas precisam repensar jornadas e atividades para que as mulheres realizem seus trabalhos de forma produtiva e saudável durante a pandemia. Neste momento, estamos preparando um programa de suporte para mães, com horários mais flexíveis. Criar condições é entender o cenário e adaptar rotinas.

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