Petit, a grande

Como Julia Petit criou e fez da Sallve a marca de skincare mais badalada das redes sociais

Júlia Flores De Universa, em São Paulo Carine Wallauer/UOL

Julia Petit tentou em vão corrigir algumas fake news em currículo na Wikipedia, como ter levado o Leão de Cannes por um comercial que não fez. "Aí pensei: quer saber? Deixa o mito lá", diz a Universa, em entrevista por videochamada de sua casa em São Paulo.

O que está correto em seu CV são os diferentes negócios que a paulistana de 48 anos já comandou em mais de duas décadas. "Pode até ser falta de juízo, mas me dou a chance de tentar fazer coisas novas." A única coisa que não muda a cada empreitada é o machismo que enfrenta. "O mercado publicitário é sexista. Já fui interrompida um bilhão de vezes em reuniões e enfrentei situações de assédio."

Julia tem um talento para a comunicação e sabe muito bem como atingir seu público-alvo — seu pai, o catalão Francesc Petit, era sócio-fundador da agência DPZ. Aos 15, ela começou a estagiar na agência. Dali passou para o marketing até migrar para a produção de conteúdo digital e fazer seu nome, rosto e cabelos conhecidos.

Em 2018, porém, decidiu largar tudo e tirar um ano sabático. Mas a pausa não durou muito. Já ligada que a próxima tendência de beleza seria o cuidado com a pele, se uniu aos sócios Márcia Netto e Daniel Wjuniski na criação da Sallve, marca acessível de skincare sucesso nas redes sociais.

Com um faturamento quatro vezes maior em 2020 do que no ano anterior, a Sallve se prepara para dar o próximo passo rumo a ser uma das grandes marcas de beleza do país, como almeja Julia. A empresa já planeja a venda de seus produtos em lojas físicas próprias ou de terceiros.

Se a Petit influenciadora ensinava truques de beleza, a empresária mostra como transformar milhões de seguidores em milhares de consumidores.

Dicas de Petit para liderar uma equipe

Arrisque. Se der errado, tudo bem, pelo menos você tentou.

Sobre inovar

Trabalhe em equipe, seja desafiada e conheça o seu público.

Sobre comunidade

Aproveite suas conquistas -- com festas, inclusive.

Sobre metas

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Deixa a vida me levar... a ser blogueira

Julia começou sua trajetória profissional na publicidade aos 15 anos, seguindo os passos da família, e chegou a cursar design de joias em Barcelona, mas desistiu de ter um diploma para seguir uma carreira "freestyle".

Aos 22 anos, abriu ao lado de amigas sua primeira empresa, no ramo de eventos e shows. Depois, fundou em 2000 e 2007, respectivamente, outros dois negócios voltados para a edição de trilha sonora de campanhas publicitárias: o estúdio Ludwig-Van e a Menina Produtora.

E então começou a investir na criação de conteúdo digital. Surgia assim seu site Petiscos, com dicas de beleza, moda, lifestyle. Na mesma época, Julia começou a fazer tutoriais para o YouTube com dicais descomplicadas de maquiagem e se tornou uma das influenciadoras digitais mais populares do Brasil.

Quando comecei o Petiscos, meu desafio foi encontrar meios inovadores de produzir conteúdo. O jeito de comunicar as coisas estava mudando e precisava trazer publicidade para o site. E comecei a perceber que se formavam muitas comunidades nesses ambientes -- isso bem antes de toda essa revolução de redes sociais

Sua produtora de áudio Menina encerrou as atividades em 2015. Dois anos depois, Julia decidiu acabar com o Petiscos, já de olho no crescimento do mercado de skincare. Durante o ano sabático, ela conheceu Márcia Netto e Daniel Wjuniski, seus sócios na Sallve.

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Adiós, make: a cara limpa da riqueza

Em 2015, Julia lançou uma coleção colaborativa com uma das principais marcas de maquiagem do mundo, a MAC, desenvolvida partir do desejo e das necessidades dos seguidores do Petiscos. Em pouco tempo, os 27 mil produtos se esgotaram. "Depois dessa parceria, fiquei pensando qual seria o caminho dali para frente", lembra. Foi então que decidiu se afastar da produção de conteúdo e comunicou aos fãs, no final de 2017, que encerraria o Petiscos e tiraria um ano sabático para pensar no futuro.

Ela conta que um ano antes de dar esse tempo na carreira de influenciadora, já pensava em explorar o mercado de skincare. "Comecei a fazer pesquisas de mercado, queria investir em cuidados com a pele, começar um negócio no ramo, mas não entendia muito bem qual seria o caminho e como iria montar isso. Até que conheci meus sócios, por meio de amigos, que também estavam em um momento de mudança profissional."

Ela diz que o encontro com Daniel e Márcia veio salvar seus planos. Ele, um empresário com experiência no mercado de investimentos, convidou Márcia, "engenheira com alma publicitária", a entrar na empreitada. Assim surgiu a Sallve.

"O primeiro investidor foi o Daniel que trouxe. Ele é o cara que conhece o mercado, o CEO, já trabalhou em empresas do ramo de saúde, é a pessoa que faz os negócios. Em nossa primeira rodada de investimentos, em 2018, recolhemos R$ 10 milhões. Depois, um pouco antes do lançamento do primeiro produto, em 2019, fizemos outra rodada e arrecadamos R$ 60 milhões. Agora entramos em uma nova série de investimentos, mas não sabemos de quanto vai ser", conta,sem abrir o faturamento da Sallve.

Márcia é diretora de crescimento e Julia, diretora de criação. "Sou responsável por todo o arco criativo da marca. Muito do ponto de vista de branding", diz ela, que tem uma equipe de 30 pessoas.

"Skincare é nova obsessão, mas exagero leva à opressão"

Quem estava acostumado a ver as dicas de make da ruiva, se surpreendeu ao vê-la ensinando uma rotina de skincare. A mudança, segundo Julia, foi planejada. "Não sei se agora o mundo precisa de mais maquiagem."

Ela conta que, em 2013, identificou que as pessoas estavam em busca de cuidarem mais de si. Isso, mais a democratização do acesso a tendências e a produtos pela internet, deixaram claro que o cuidado com a pele ganharia espaço. "Skincare não é o mercado novo, é o novo mercado", afirma.

O mercado de skincare sofreu um boom na pandemia. Segundo a Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal), a venda de produtos de cuidados com a pele cresceu 21,9% em 2020. Nesse período, o volume de vendas da Sallve, feitas apenas online, cresceu mais de cinco vezes e o faturamento foi quatro vezes maior do que em 2019.

A Sallve não vende autoestima, ela desenvolve produtos úteis, para necessidades reais de pessoas reais (sem retoques). Isso e o fato de nos comunicarmos de forma simples e didática com essas pessoas, acaba melhorando a autoestima delas por um processo de identificação

A empresária, no entanto, é totalmente contra quem vende cuidado com a pele como autocuidado, algo que define como perigoso. O cuidado com a pele, diz, pode ser o momento de desligar e fazer coisas divertidas, mas não vai resolver sua vida.

O skincare pode ser a nossa nova obsessão pela beleza, mas tudo que é exagerado oprime. Não usar a inadequação é uma das preocupações da Sallve. É horrível falar para as pessoas que vamos corrigi-las

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"Para entender a comunidade, preciso ser essa comunidade"

Se Julia está em todas as plataformas digitais e até na Wikipedia, no LinkedIn sua frequência não é muita ativa. Ela diz que nunca teve um CV e que prefere o Twitter ao LinkedIn. "Eu prefiro estar onde se perde um emprego do que onde se encontra um", brinca.

Mas não é por isso que Julia não leva seu papel de chefe a sério. "Eu dou bronca, sim", fala. "Temos uma política de diversidade na Sallve. Se quero entender a comunidade, preciso ser essa comunidade. Não adianta só bater papo com as pessoas." Dos 82 funcionários da empresa, 56 são mulheres e 36, negros, pardos e amarelos.

De tempos em tempos, a empresária gosta de ter "conversas sinceras" com a equipe. Esses bate-papos também acontecem fora da empresa, quando ela promove encontros com o público para entender as necessidades de seus consumidores. "Tudo da Sallve está ligado à comunidade. Um produto nasce de uma conversa com nossos fãs -- paramos para ouvi-los, descobrir o que querem e aí então ele segue para o laboratório."

Para Julia, assim se cria de forma mais inteligente, "indo direto às necessidades das pessoas". A Sallve tem 11 produtos para cuidados de pele (nós já testamos alguns deles!), que são fabricados em uma fábrica terceirizada, a Fareva, e a ideia é ampliar a cartela de opções. "No site da Sallve, existe um 'quiz da pele'; com ele, já reunimos 600 mil respostas diferentes. Isso nos dá uma boa amostra das peles do Brasil."

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"Quero que a marca Sallve vá além de mim e vire uma das maiores de beleza"

Nesses dois anos de existência da Sallve, Julia conta que o momento mais desafiador foi quando embalagens do esfoliante enzimático da marca começaram a estufar, provavelmente pela presença de uma bactéria, e tiveram que fazer um recall do produto, recolhendo todas as unidades do mercado.

"Naquela mesma semana a gente tinha acabado de receber um investidor, presidente da L'Óreal americana. A primeira coisa que ele falou foi: 'Tenham calma, isso acontece'", lembra. A empresária diz que todos os 15 mil clientes que compraram o esfoliante foram ressarcidos e, que a partir dali, a empresa passou por uma reestruturação. "Investimos no departamento de pesquisa e desenvolvimento e trocamos de fábrica. A Sallve evoluiu cinco anos em três meses."

O primeiro lançamento após esse episódio aconteceu em março de 2020, no começo da pandemia. "Nosso primeiro passo, depois de mandar os funcionários para casa, foi perguntar para a nossa comunidade em conversas virtuais se havia clima para um novo produto. Foi uma fase de mudanças, mas a empresa cresceu porque tinha que crescer", lembra. Agora, a marca estuda como disponibilizar seus cosméticos para venda presencial, em lojas próprias ou de terceiros.

As pessoas têm muita vontade de poder encontrar a Sallve nos lugares. É inevitável que, de algum jeito, a Sallve vá para a rua assim que for possível. Somos uma marca nativa digital, mas temos necessidade de estar mais próximas do público

Mudar, porém, não é um medo de Julia. A empresária revela que já ter faturado seu primeiro milhão de reais e de também ter perdido grande parte desse dinheiro algumas vezes. "Faturar R$ 1 milhão não significa ganhar R$ 1 milhão. É normal que esse dinheiro entre e saia do caixa da empresa algumas vezes", diz. "Só me arrependo de não ter comemorado mais quando cheguei a essa cifra."

Por enquanto, ela não pretende investir em outro negócio, mas tudo pode mudar. "Não pretendo ser 'tal' pessoa daqui a 'tanto' tempo. Minha missão é transformar a Sallve em uma das grandes marcas de beleza do Brasil. Uma marca além de mim: quero que nem lembrem que eu estou lá."

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Uma mina puxa a outra

  • Quem te ajudou em suas conquistas?

    Sempre trabalhei com muitas mulheres e não me espelho em famosas. Me inspiro em pessoas com quem trabalho no dia a dia. Quando criei o Petiscos e consegui entender a mulher de vez, foi uma delícia. Somos complexas, temos dificuldades diárias diferentes. A convivência feminina é o meu adubo. Tenho sementes de cada uma delas.

  • Como ajuda outras mulheres?

    É obrigação da mulher puxar outra mulher no mercado de trabalho. Me preocupo sempre com quantas tenho em minha volta. Não sou uma pessoa de discursos, aprendi que posso influenciar outra mulher com coisas simples sem ser "palestrinha". Me preocupo em inspirá-las a ser livres. Aceitação é uma coisa, liberdade é outra.

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