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Situação irregular é entrave para que mulher brasileira vítima de violência busque ajuda na França, diz advogada

Violência contra a mulher:  O "DJ Ivis" dentro de cada um de nós aceita a banalização da violência - Shutterstock
Violência contra a mulher: O "DJ Ivis" dentro de cada um de nós aceita a banalização da violência Imagem: Shutterstock

31/08/2021 14h01

A advogada brasileira Ana Perivolaris é uma das coordenadoras do núcleo francês do Grupo Mulheres do Brasil, que funciona como uma rede de apoio para brasileiras no mundo todo, e do seu Comitê de Combate à Violência contra a Mulher. Perivolaris explica como funciona este comitê na prática, o caminho que a vítima deve percorrer para ficar em segurança e quais as diferenças jurídicas fundamentais entre o combate à violência contra a mulher na França e no Brasil.

A advogada brasileira Ana Perivolaris é uma das coordenadoras do núcleo francês do Grupo Mulheres do Brasil, que funciona como uma rede de apoio para brasileiras no mundo todo, e do seu Comitê de Combate à Violência contra a Mulher. Perivolaris explica como funciona este comitê na prática, o caminho que a vítima deve percorrer para ficar em segurança e quais as diferenças jurídicas fundamentais entre o combate à violência contra a mulher na França e no Brasil.

O grupo Mulheres do Brasil foi criado em 2013 pela empresária Luiza Trajano, sua presidente, e mais 39 mulheres de diferentes segmentos, em São Paulo, e está presente em dezenas de cidades e países - são 156 núcleos, no Brasil e no exterior. O grupo contava com quase 100 mil associadas em agosto de 2021.

O núcleo traz informação em português para a comunidade brasileira na França. "Nós elaboramos no ano passado a Cartilha da Mulher, um documento gratuito, disponível nas nossas redes sociais que trata de três pilares no enfrentamento à violência contra a mulher: o psicológico, no qual a gente identifica o ciclo da violência, o jurídico e o prático, onde e como esta mulher pode buscar ajuda", explica a advogada.

O Comitê de Combate à Violência contra a Mulher está presente em todos os núcleos. "Nosso comitê atua em duas frentes: a sensibilização quanto ao tema e o acompanhamento de casos de brasileiras que têm chegado a nós. Eu as considero igualmente importantes, porque a sensibilização não só nos permite uma melhor compreensão do tema como ela também atua na prevenção. Quanto mais informação esta mulher tem, melhor ela vai conseguir identificar, por exemplo, se ela está em um relacionamento abusivo", diz Perivolaris.

Diferenças entre França e Brasil

No Brasil, a Lei Maria da Penha "foi um grande divisor de águas". "Ela não só trata do aspecto cível da matéria, ou seja, das medidas protetivas para a mulher vítima de violência, como também traz uma responsabilização, uma penalização mais importante ao agressor", explica.

"Na França, nós temos uma lei que trata das medidas protetivas, no cível, mas para que um caso de violência chegue no penal, esta mulher precisaria ter o que a gente chama aqui de ITT, que é um documento fornecido por um médico, um atestado de incapacidade total temporária. Ocorre que na maioria dos casos a mulher não consegue esse ITT, e a situação de violência que ela vai reportar na delegacia acaba entrando como uma violência leve e isolada", lamenta.

Além disso, explica, na França não existem Delegacias da Mulher como no Brasil. "Na França não temos nem delegacias especializadas, nem um setor dentro das delegacias para atender mulheres."

Mas, segundo ela, houve uma mudança recente na legislação francesa "que já é um passo importante": quando a mulher denunciar uma situação de violência será recebida com prioridade.

"O que a gente observa aqui é que muitas vezes a mulher até vai à delegacia, mas não consegue fazer o boletim de ocorrência, a denúncia que dá um seguimento jurídico e policial para o caso. Aqui, ela acaba sendo orientada a fazer uma simples comunicação, que pode ser desde 'eu me sinto incomodada pelo meu vizinho' a 'eu sofri violência conjugal'. Então, de fato, não é o instrumento mais adequado e não gera nenhum seguimento pela polícia", conta.

"Agora, o que a gente entende, é que vai ser aplicada uma priorização destas denúncias e que será feito um boletim de ocorrência", espera.

Para a advogada, o enfrentamento à violência contra a mulher tem que ser multidisciplinar. "No nosso comitê, temos psicólogas, além das advogadas e juristas. Mas ainda falta um terceiro pilar muito importante, as assistentes sociais. A gente não tem ainda uma assistente social que fale português", diz Perivolaris, que busca voluntárias. "São elas que conhecem os mecanismos da administração francesa, como a forma mais rápida e eficaz de conseguir um advogado do Estado, por exemplo".

Entraves e soluções

Segundo Perivolaris, um dos entraves para que a mulher brasileira vítima de violência busque ajuda é a barreira da língua. "Quando ela vem associada a uma dependência econômica ela entra no ciclo da violência, porque provoca o isolamento da vítima, que é uma estratégia do agressor. Esses dois juntos também criam uma dependência administrativa para a mulher no exterior. Ela nem sabe quais são os direitos que ela tem".

A advogada acha importante lembrar que mesmo mulheres em situação irregular (sem documentos) sofrendo violência em território francês podem e devem procurar ajuda. "Não importa a nacionalidade. Inclusive, se ela obtiver uma medida protetiva, ela pode conseguir um documento de residência", informa.

Além disso, Perivolaris diz que o aplicativo Linha Direta, que facilita a assistência a pessoas vulneráveis, foi aprimorado para ajudar as brasileiras vítimas de violência a se geolocalizarem e a filmarem e gravarem suas agressões sem que o agressor perceba, entre outras facetas. A nova versão tem lançamento previsto previsto para 9 de setembro.