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Crianças e adolescentes são vítimas invisíveis da pandemia, diz chefe de educação do Unicef

A demora para adaptação adequada e reabertura das escolas deve ampliar o fosso da desigualdade educacional no país - Getty Images
A demora para adaptação adequada e reabertura das escolas deve ampliar o fosso da desigualdade educacional no país Imagem: Getty Images

30/12/2020 14h54

Com quase nove meses de escolas fechadas em boa parte do Brasil e 4,9 milhões de estudantes que não receberam material para fazer atividades à distância, as crianças e os adolescentes foram as vítimas invisíveis da pandemia no país. Esta é a avaliação de Ítalo Dutra, chefe de Educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil.

A educação, como o resto de nossas vidas, foi gravemente afetada pandemia da Covid-19. No entanto, a falta de prioridade dada à implementação das atividades remotas para todos os alunos, principalmente os provenientes das classes mais pobres, e a demora para adaptação adequada e reabertura das escolas deve ampliar o fosso da desigualdade educacional no país, alerta Ítalo Dutra.

"2020 foi um ano muito desafiador para a história da humanidade, uma crise humanitária talvez sem precedentes. E apesar de sabermos que as crianças e os adolescentes se infectam menos e sofrem menos com os sintomas da Covid-19, elas são as vítimas invisíveis desta pandemia. Especialmente porque estamos desde meados de março com a grande maioria de nossas escolas fechadas. Apesar do esforço progressivo das escolas e secretarias de implementarem atividades remotas, segundo a Pnad Covid de outubro, havia 4,9 milhões de crianças e adolescentes que estavam matriculados no começo do ano e não estavam recebendo atividades remotas", explica, em entrevista à RFI.

O Unicef está preocupado não apenas com a aprendizagem, mas também com a segurança alimentar, a saúde mental e a maior exposição à violência doméstica das crianças ao longo de 2020. "A gente sabe que a escola serve como uma espécie de escudo protetor [das crianças] para identificar casos e serem referenciados na rede de atendimento de assistência social", detalha.

Reabrir o mais rápido possível

Os problemas estruturais das escolas e as desigualdades da educação brasileira foram a primeira barreira para um retorno rápido das atividades. Um relatório da Unicef publicado em agosto apontava que 16 milhões dos estudantes brasileiros não tinham como lavar as mãos com água e sabão em suas unidades escolares.

Meses depois, Dutra considera que é preciso usar os conhecimentos adquiridos sobre a doença e os recursos transferidos pelo Ministério da Educação e pelos governos municiais e estaduais para voltar às aulas. Para ele, a primeira preocupação de 2021 deve ser a de "reabrir o mais rápido possível e de forma segura as escolas".

"A gente precisa fazer uma avaliação criteriosa das escolas. Os professores de grupo de risco precisam estar protegidos, mas já sabemos por estudos que as crianças não têm impacto na pandemia. Existem muitos protocolos de segurança à disposição, houve transferência de recursos específicos para o enfrentamento da Covid pelo Programa Dinheiro Direto da Escola [do Ministério da Educação]. Talvez não em quantidade suficiente, mas houve. Precisamos fazer este planejamento. Não vamos resolver em um curto período de tempo todos os problemas de água e saneamento básico, mas é possível, sim, fazer um planejamento e priorizar a educação de nossas crianças para não ampliar ainda mais as desigualdades", pontua.

Educação precisa ser prioridade não só no discurso

Ele lembra que a volta à escola pode ser em regime de rodízio e terá de ser adaptado conforme as necessidades de cada escola e de sua comunidade, já que condições como ventilação das salas, tamanho dos espaços e idade dos professores são questões que devem ser consideradas no plano de retorno.

Para Dutra, esta decisão deve ser local e envolver a comunidade escolar, tanto pais como professores. "Não tem solução que possa ser implementada de forma igual em todos os lugares. Então esse planejamento de retorno deve envolver a comunidade escolar, as famílias, os alunos e as comunidades em que essas escolas estão inseridas. E preciso coordenar essas forças".

"As crianças estão correndo tanto ou mais riscos de serem contaminadas pelo vírus estando fora da escola", assinala. "Socialmente, a gente precisa acreditar que a educação é uma prioridade, como em todo e qualquer discurso. Isso preciso ser transformado em ações concretas. E preciso priorizar a educação das crianças e adolescentes, entendendo o papel da escola neste contexto como um papel importante para a sociedade como um todo", conclui.