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Ver uma mulher no topo da maior onda surfada do mundo foi o melhor do novo recorde, diz Maya Gabeira

A surfista Maya Gabeira - Reprodução/Facebook
A surfista Maya Gabeira Imagem: Reprodução/Facebook

27/09/2020 14h11

O Guinness World Records, o Livro Mundial de Recordes, oficializou a marca de surfista carioca Maya Gabeira, que bateu o seu próprio recorde da maior onda surfada no mundo por uma mulher: 22,4 metros. A façanha foi alcançada em fevereiro, na Praia do Norte, em Nazaré, Portugal.

Luciana Quaresma, correspondente da RFI em Lisboa

"É uma conquista, é algo até quase inesperado para mim. Na verdade, não era um foco meu bater o meu recorde, eu estava muito focada em competir pela primeira vez no masculino e isso foi o que acabou elevando a minha performance. Quando eu vi que tinha surfado a onda e que isso realmente poderia acontecer, eu comecei a entender que eu poderia conquistar mais um grande marco na minha carreira!", diz a surfista de 33 anos.

Maya não só bateu o próprio recorde como surfou a maior onda de toda a temporada, entre homens e mulheres - uma conquista com uma relevância que vai além dos números.

"Poder ver uma mulher surfando a maior onda do ano em um esporte extremamente masculino, totalmente dominado pelos homens, é um marco. Até já tinha sonhado com isso quando era mais nova, mas eu nunca imaginei que isso fosse se tornar realidade. É muito importante para as meninas mais jovens poderem ver esta representatividade no topo, mulher no topo", comenta a brasileira. "Isso, para mim, é o que é mais especial nesse recorde: ter sido a maior onda surfada este ano entre homens e mulheres! Como uma atleta mulher ter sucesso em um ambiente de extremo perigo, um esporte radical, muito relacionado ao universo masculino, a força e coragem é sempre uma grande quebra de estigma. Mostra que a mulher pode fazer coisas que a sociedade vê como extremamente masculinas. É muito significativa esta onda quando olhamos desta forma", comenta a atleta.

A surfista de ondas grandes, que mora em Nazaré desde 2015, relembra com detalhes o que sentiu quando estava naquela que entrou para o livro dos recordes. A atleta diz que sabia que estava a arriscar mais do que de costume durante a competição e que, naquela onda, sentiu "uma explosão como nunca antes".

"A onda do recorde me marcou muito pelo barulho quando a crista bateu na água e quebrou. A explosão aconteceu e a água foi para todos os lados. Uma explosão muito forte! Dá para ver nas imagens que eu até desapareço e aquilo foi um barulho imenso, algo que eu nunca tinha vivenciado em Nazaré ou em qualquer outro lugar do mundo", explica Maya.

Maya Gabeira tornou-se a primeira surfista a entrar para o Livro Mundial de Recordes quando, em 2018, surfou uma onda com quase 21 metros, também na Praia do Norte, em Nazaré. Foi nestas mesmas ondas que teve um acidente sério em 2013, quando foi retirada do mar inconsciente. Mas apesar deste episódio marcante, Maya nunca desistiu.

Segundo a atleta, o que a fez seguir em frente foi a paixão pelo surfe. "O que me motivou foi a vontade de continuar a viver uma vida de atleta, continuar buscando me desafiar, evoluir. Apesar do acidente ter sido traumático e as lesões terem sido muito difíceis, eu tive muito oportunidade de evoluir e, com certeza, foi por essas dificuldades e esse tempo que eu me dediquei à evoluir, a aprender com os meus erros. Foi por tudo que estava acontecendo que eu cheguei onde eu estou."

Maya conta que a sua experiência serviu para outras pessoas superarem suas dificuldades e a continuarem a lutar, em momentos difíceis da vida. "Ver que outras pessoas caíram e se levantaram, continuaram e conseguiram atingir um sonho, inspira. E eu também me inspiro com muitas histórias assim. Busquei muito isso na época que eu estava lesionada, assistia documentários e essas histórias sempre me deram forca para continuar."

A surfista relembra o quão difícil foi a recuperação do acidente. "Eu continuei porque aquilo era a minha vida, era muito difícil eu desistir da minha carreira, de tudo que eu tinha construído e sonhado; todo o meu trabalho até então. Nazaré foi uma grande motivação também porque eu vi que abriria um novo horizonte no esporte, um novo nível, uma nova possibilidade, ainda mais real do que nunca de se bater recordes", destaca a atleta. "Olhando de fora o que eu vivi, as minhas lesões, meu acidente, pode parecer que era um sinal para eu desistir mas não vejo assim. Na verdade, todas essas dificuldades me acrescentaram muito e, talvez, tenham sido esses os grandes motivos de eu ter me tornado uma campeã", comenta.

O também brasileiro Rodrigo Koxa, amigo da surfista de longa data, é o atual detentor do recorde masculino, com 24,4 metros, surfados em 2017 também nas ondas da Praia do Norte. "A Maya é um orgulho para gente. É uma mulher destemida, comprometida e que ama o que faz. Ela ama onda gigante, está sempre nos mares, sempre presente e é só mesmo assim que é possível: com muito amor e muita entrega. Continue pegando essas 'bombas', Maya!", disse Koxa à RFI. "Estou sempre na torcida por você e 'go bigger'."

Tanto a onda de Maya Gabeira quanto a onda de Rodrigo Koxa foram captadas pela lente do fotógrafo e cinegrafista Carlos Muriongo. O brasileiro é profundo conhecedor dos melhores locais para filmar as "bombas do canhão da Nazaré", como são conhecidas as ondas da Praia do Norte.

"Lembro muito bem este dia do recorde da Maya. Estava acontecendo o campeonato de ondas grandes da World Surf Legue, WSL, e a Maya estava fazendo equipe com o alemão Sebastian Steudtner. O mar estava realmente muito grande e era até difícil reconhecer os surfistas dentro da água no momento que estávamos filmando. Só quando cheguei em casa que vi que era a Maya", relata. "Na verdade, ela estava tão pequenininha naquela onda monstro que reconheci que era ela porque vi que o jet ski era o do Sebastian, da equipa dela. Foi então que percebi que ela tinha a chance de bater até mesmo o recorde do Rodrigo Koxa - foi por pouco que ela não conseguiu. Esta foi realmente uma onda histórica. Muito bom para as mulheres, para Portugal, para o Brasil e para o surfe!"

O surfe de ondas grandes requer um trabalho em conjunto e Maya faz questão de dividir esta conquista com o companheiro de equipe. "O Sebastian Steudtner que é minha dupla e, pra mim, é o melhor aqui em Nazaré. É um grande piloto e ele me deu esta onda de presente", brinca a campeã. "A confiança que eu tenho nele de buscar a onda certa, de fazer o resgate, de saber que ele arriscaria a vida dele para me resgatar, saber que ele tem total capacidade técnica pra fazer resgates naquela condição limite de mar com é Nazaré, faz muita diferença. Se o meu nível de surfe está chegando ao nível masculino é porque eu tenho o Sebastian como exemplo e inspiração!"

A carioca, filha do ex-deputado federal Fernando Gabeira, trocou o Rio de Janeiro por Portugal e escolheu a vila de pescadores de Nazaré como casa. Walter Chicharro, presidente da Câmara Municipal, é um dos maiores impulsionadores do desenvolvimento da Praia do Norte como um dos melhores destinos do mundo para o surfe de ondas grandes, e já considera a atleta uma cidadã nazarena.

"A Maya Gabeira já é uma de nós. Conheci a Maya logo na época do acidente terrível que quase lhe tirou a vida. É uma atleta corajosa, que bate recordes lado a lado com os homens. Sempre lutei para que as mulheres fossem incluídas nos eventos de ondas gigantes porque sabia que elas estariam no mesmo nível que os homens. Este resultado da Maya prova isso", comenta.

O novo recorde de Maya Gabeira no Guinnes Book foi parar também no célebre jornal norte-americano "The New York Times", em uma reportagem publicada esta semana. A atleta não pensa em novos recordes: agora, o objetivo é continuar treinando. "Quero evoluir e ver onde isso vai me levar", desafia.

A temporada de ondas grandes começa no outono europeu, em outubro, e vai até fevereiro de 2021.