O amor mora ao lado: casais estão deixando de viver juntos por escolha

Por muito tempo, morar sob o mesmo teto foi sinônimo de compromisso e, dividir a cama, prova máxima de amor. Porém, casais têm questionado esse roteiro tradicional. A escolha, que pode parecer paradoxal, parte de um desejo comum: manter o relacionamento saudável e o afeto vivo sem abrir mão da individualidade.

O fenômeno, conhecido em outros países como Living Apart Together (LAT), vem ganhando força também no Brasil, especialmente entre quem busca equilíbrio entre convivência e espaço pessoal. Rita Lee e Roberto de Carvalho, por exemplo, viveram em casas separadas por muitos anos, chegando a morar no mesmo prédio, mas em apartamentos diferentes. Tudo para preservar a individualidade.

A psicóloga Êdela Aparecida Nicoletti, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, explica que a convivência diária sob o mesmo teto pode gerar desgastes ligados à rotina, às tarefas domésticas e às diferenças de hábitos. Morar em casas separadas surge, então, como uma forma de preservar a individualidade e manter o foco no vínculo afetivo.

Segundo ela, esse tipo de arranjo não indica falta de compromisso, mas uma tentativa de adaptar o amor aos tempos atuais. Essa tentativa, inclusive, foi o que motivou Luara, arquiteta de 29 anos, a decidir sair da casa que dividia com o namorado.

"Eu percebia que a gente já não estava confortável, mas ninguém queria encarar isso de frente. Eu esperava as coisas melhorarem sozinhas, até perceber que permanecer ali era me manter desconfortável. Então saí", conta.

O que parecia o início de um rompimento acabou se transformando em reencontro. "As pessoas acharam que era o fim, mas pra mim foi o contrário: foi um progresso. A relação ficou mais leve e, agora, nos escolhemos em vez de deixar o afeto no automático."

Autonomia e solitude

A psicanalista Ana Lisboa enxerga, nesse movimento, uma busca por autonomia que não necessariamente exclui o amor. Segundo ela, em muitos casos, as relações começam quando as pessoas ainda são muito novas e chega um momento em que não conseguem desenvolver a própria personalidade.

Acabam fundindo a identidade com o outro e, com o tempo, isso gera um sentimento de sufocamento. Então, decidem morar em casas separadas para descobrir quem são fora da relação, cultivar os próprios hobbies, ter o próprio tempo e, assim, evitar brigas ou discussões.

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"O contrário também é válido: pessoas que viveram relacionamentos muito tóxicos e sufocantes, conseguiram conquistar a própria individualidade, a própria autonomia, e agora querem manter essa paz. Sentem-se bem em sua solitude e, geralmente, são pessoas mais maduras, por volta dos 35, 40 anos ou mais", diz.

Segundo Êdela, muitas mulheres relatam sentir alívio ao não precisarem assumir sozinhas a gestão da casa e da rotina. Ao mesmo tempo, manter residências separadas pode ser uma forma de preservar a autonomia em um mundo em que os relacionamentos tendem a exigir intensa adaptação.

Assim, morar separado pode funcionar tanto como resposta a uma sobrecarga quanto como afirmação de identidade. No entanto, vale entender a escolha de morar separado como um privilégio de pessoas de classe média ou alta, já que manter duas casas é algo custoso no Brasil.

O amor dorme ao lado

A decisão também pode assumir formas sutis, como a de Paula, 50 anos, que, depois de oito anos de relacionamento e dois morando junto, resolveu dormir em quarto separado do parceiro.

"Foi libertador. Eu gosto de ler até tarde, ele fica no celular. Eu gosto de um abajur fraquinho ligado à noite toda, ele gosta de tudo escuro. Essa foi a forma de respeitar essas diferenças sem abrir mão da relação", diz.

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Longe de criar distância, a mudança reacendeu o vínculo. "Sentimos que a comunicação melhorou significativamente. Agora, temos mais tempo para refletir sobre sentimentos e necessidades, o que nos torna mais empáticos e compreensivos um com o outro."

A distância física pode se transformar em proximidade emocional se houver comunicação clara e um projeto de relação compartilhado, afirma Êdela Nicoletti. "No entanto, também pode ser uma fuga, se usada para evitar conflitos. O importante é que a escolha venha de um lugar de maturidade."

O diálogo é a chave para manter o entendimento na relação, mesmo em casas separadas
O diálogo é a chave para manter o entendimento na relação, mesmo em casas separadas Imagem: kupicoo/ iStock

Diálogo como ponte

A decisão deve vir acompanhada de acordos claros: como será a rotina de encontros, como lidar com situações de crise, como manter transparência e proximidade emocional. Também é importante continuar cultivando habilidades de diálogo e resolução de conflitos, porque morar em casas separadas não elimina a necessidade de enfrentar diferenças.

"Um risco é que o distanciamento se torne um pretexto para evitar enfrentamento de conflitos importantes. Também pode gerar inseguranças, principalmente se um dos parceiros interpretar o arranjo como falta de compromisso. Além disso, pode surgir um descompasso: enquanto um vê a separação física como fortalecimento do vínculo, o outro pode sentir abandono ou rejeição. A clareza de expectativas é fundamental", acredita Êdela.

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Ana Lisboa complementa: "O amor não deixa de existir quando há espaço. Pelo contrário: ele amadurece. Quando o casal entende que estar junto é uma escolha — e não uma prisão —, a relação se torna mais honesta e duradoura."

No fim das contas, morar separado, dormir em camas diferentes ou ter o próprio endereço não significa desamor. Significa, talvez, uma nova forma de amar. Uma em que o compromisso não é o de dividir paredes, mas o de se reencontrar todos os dias por escolha.

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