Mankeeping: o trabalho invisível que está esgotando as mulheres

Nos últimos meses, um termo vem se espalhando pelo TikTok e ganhando espaço em discussões sobre relacionamentos: mankeeping. A palavra, que significa algo como "manutenção do homem", soa nova, mas descreve uma velha realidade. Trata-se da sobrecarga emocional que recai sobre algumas mulheres em relações heterossexuais, já que elas se esforçam constantemente para manter os homens satisfeitos, engajados e emocionalmente sustentados dentro do vínculo afetivo.

A expressão foi cunhada pelos pesquisadores Angelica Ferrara e Dylan Vergara, da Universidade de Stanford, nos EUA. No estudo, publicado em outubro de 2024 no periódico Psychology of Men & Masculinities,
eles lançam luz sobre como o declínio das conexões sociais masculinas estão levando a uma dependência emocional crescente e desigual das parceiras.

"Mankeeping é definido como o trabalho que as mulheres assumem para compensar perdas nas redes sociais masculinas e reduzir o fardo do isolamento masculino sobre as famílias, o vínculo heterossexual e sobre os homens", diz o estudo.

Segundo Daniela Martins, psicóloga, doutora em sociologia e professora de psicologia da Uneb (Universidade do Estado da Bahia), "o mankeeping é resultado de uma força, aparentemente invisível, que leva as mulheres, como se natural fosse, para o papel de cuidadoras — enquanto os homens aparecem como incapazes de cuidar do outro e até de si mesmos".

O peso invisível

Na prática, o mankeeping pode incluir desde gerenciar relacionamentos sociais e familiares do parceiro (o que inclui lembrar compromissos dele e mediar conflitos) até apoiar e "traduzir" emoções que ele não consegue expressar, funcionando como uma espécie de terapeuta particular disponível 24 horas.

O problema, segundo os especialistas consultados por VivaBem, é que essa dinâmica desequilibra completamente o poder na relação.

Trata-se de um processo de manutenção de lógicas retrógradas de gênero, no qual a mulher é sobrecarregada de demandas que deveriam ser compartilhadas pelo casal. Cristiano Hamann, professor da graduação e pós-graduação em psicologia da PUCRS

Para Hamann, diferenciar cuidado saudável de sobrecarga passa por uma pergunta chave: estou cuidando de mim mesma e sendo cuidada, ou só assumindo a responsabilidade pelo outro?

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Quando o cuidado deixa de ser recíproco e passa a ser unilateral, a mulher perde espaço para si, para suas amizades, interesses pessoais e até para o autocuidado. Com o tempo, como lembra Daniela Martins, performar uma identidade a serviço do outro subtrai a capacidade existencial desta mulher, conduz à redução de sua potência de existir no modo livre e criativo. "Ela se encolhe, torna-se menor, até caber na função destinada dentro da relação", diz.

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Imagem: iStock

Sintomas de exaustão

Do ponto de vista clínico, os efeitos do mankeeping não são leves. Ansiedade generalizada, estresse crônico, insônia e até depressão estão entre os riscos.

"Quando o mal-estar se instala, o corpo pode dar sinais como aumento da irritabilidade, alterações de sono, cansaço persistente e angústia intensa", alerta Ana Thereza Mazzi, psiquiatra colaboradora do IPq - HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP).

A médica explica que sustentar sozinha a vida emocional do casal mina a saúde mental da mulher e pode desencadear quadros do que chama de "burnout relacional". Em casos mais graves, quando a sobrecarga se soma a fatores de violência psicológica ou social, os riscos de isolamento e adoecimento aumentam ainda mais.

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De onde vem essa lógica?

Para entender o mankeeping, é preciso olhar para a construção histórica dos papéis de gênero. Muitos meninos são educados desde cedo a não expressar vulnerabilidade ("homem não chora"), enquanto meninas são estimuladas a assumir responsabilidades de cuidado. O resultado é uma masculinidade que se sustenta na falsa ideia de autossuficiência, e uma feminilidade associada à disponibilidade constante.

"Enquanto sociedade, ensinamos as meninas que as relações de cuidado não são compartilhadas, que se trata de responsabilidade feminina. Este é um equívoco que acaba intoxicando a própria identidade da mulher", aponta Hamann.

Essa desigualdade se reflete até nas redes de apoio: enquanto muitas mulheres recorrem a amigas e familiares para trocar experiências emocionais, homens costumam depender quase exclusivamente da parceira. "Consequentemente, resta à mulher assumir a ponte relacional e emocional deste homem com o mundo", afirma Martins.

Em contrapartida, diz a psicóloga, a mulher, envolvida no ciclo de mankeeping, vive sob a insegurança angustiante de calcular constantemente se está sendo "boa o suficiente" ou "útil o bastante" para sustentar a relação — medindo seu valor não pela sua autonomia, mas pela capacidade de garantir equilíbrio emocional ao outro.

Esses gatilhos internos podem parecer escolhas, mas são resultado da força com que padrões de gênero atravessam gerações e definem subjetividades, levando a mulher à sobrecarga emocional, mesmo quando não deseja ou já está em níveis críticos de exaustão. Daniela Martins, psicóloga, doutora em sociologia e professora de psicologia da Uneb

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Imagem: Pollyana Ventura/Getty Images/iStockphoto

O papel das redes sociais

O tema ganhou força justamente porque as redes sociais estão escancarando esse tipo de dinâmica. No TikTok, mulheres passaram a compartilhar suas experiências, dando nome ao que antes parecia apenas uma sensação de injustiça indefinível.

Mas o efeito é ambíguo. Por um lado, esses relatos servem como conscientização e até encorajam mulheres a questionarem padrões tóxicos. Por outro, a mesma lógica algorítmica pode reforçar conteúdos retrógrados que naturalizam o cuidado como "coisa de mulher".

"Temos visto um aumento de conteúdos de gênero que reiteram a sobrecarga como um espaço inerente à feminilidade", observa Hamann.

Como romper o ciclo

A boa notícia é que existem caminhos para escapar dessa armadilha. A psicoterapia individual ou de casal pode ajudar a estabelecer limites, nomear a sobrecarga e construir acordos mais justos. "É imprescindível trabalhar limites e comunicação, de forma que se possa nomear o trabalho invisível e a exaustão presente", diz Martins.

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Já Ana Thereza Mazzi reforça que o ponto de partida é reconhecer os sinais precoces: "Mais do que olhar apenas para sintomas, é preciso perguntar como essa dinâmica se construiu, rever a rota, dividir responsabilidades e reconhecer que um relacionamento deve ser via de mão dupla".

Diante de um investimento desproporcional de energia e exaustão emocional, muitas mulheres estão optando por abandonar relacionamentos para priorizar a própria saúde mental. "É necessário que os homens aprendam a cuidar de si e de que tenham a oportunidade de cuidarem de outras pessoas", diz Hamann.

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