Após uma longa jornada e separação, casal engravidou ao mesmo tempo
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"Suzanne e eu estávamos juntas há 9 anos quando, em 2014, veio a vontade de vivermos a maternidade — ambas aos 34. Entre esse desejo e a gravidez, foram 2 anos de clínicas, hormônios, contratos e palavras que pesavam mais do que pareciam.
Eu nunca esqueço da primeira vez que li "três tentativas" no contrato. Aquilo soava como um aviso: "você provavelmente não vai engravidar da primeira vez".
Foram cinco procedimentos ao todo: duas inseminações e três FIVs (Fertilização In Vitro) em mim. Em cada um deles, a gente mudava algo. No começo, escolhemos um doador brasileiro, porque aqui a doação é voluntária e sem remuneração.
Só que a lista era uma planilha fria, com quinze nomes e poucas informações: cor dos olhos, tipo sanguíneo, profissão e hobby. Foi desafiador sentir conexão com os doadores.
Escolher alguém para gerar vida a partir de uma planilha foi uma experiência bem desconfortável.
Cada negativo era um mergulho fundo. Os hormônios te afetam de forma física e emocional. Você precisa acreditar que está grávida e, quando o exame atesta negativo, parece que o chão se abre.
Na última FIV me preparei muito para receber dois embriões pela primeira vez. Precisava sentir plenamente que dois filhos, ao mesmo tempo, eram bem-vindos e não somente, como dizem nas clínicas, "serviam para aumentar a probabilidade de engravidar".
Copo cheio
Não engravidei e senti que tinha chegado ao fundo do poço. Foi um momento de ruptura e de reencontro, inclusive dentro do nosso relacionamento.
Eu dizia para a Su que me sentia como um copo cheio, transbordando. E pensava: como uma vida vai entrar em um lugar que já está ocupado? Eu precisava me esvaziar.

Nós duas precisávamos nos afastar uma da outra para que pudéssemos nos reencontrar fora daquele ambiente de procedimentos. Antes de nos reconectarmos como casal, precisávamos nos reconectar individualmente.
Entendemos que não estávamos vibrando juntas, que assim não haveria vida e que era preciso abrir espaço para o desconhecido.
Depois dessa decisão, fui para a Chapada Diamantina, meu lugar de cura. Depois de um mês, participei de um ritual, como já havia feito outras vezes na vida, e pedi por respostas. Não recebi nenhuma com clareza. Aceitei e fui dormir.
Na manhã seguinte, ao acordar, olhei em volta e percebi que algo tinha mudado. Peguei o telefone, liguei para a Su e disse: "Estou voltando". Ela apenas respondeu: "Tá bom".
Quando cheguei, descobri que, na mesma noite em que eu fiz o ritual, Su tinha se encontrado com Naoli Vinaver e Johnny Kilburn, os futuros doadores dos nossos filhos. Ela contou para eles que estava preparada para seguir sozinha se eu não voltasse. Su me liberou e esse ato foi exatamente o que permitiu o meu retorno.
Nossa volta foi muito bonita e, rapidamente, decidimos que ainda queríamos ser mães e formar uma família. Porém, decidimos que não voltaríamos para a clínica. Aquela experiência já não fazia sentido para nós. Escolhemos abrir espaço para todas as outras possibilidades de engravidar.
Caminhos
Quando estávamos na clínica, nunca pensamos em alternar quem engravidaria. A ideia era: primeiro eu engravidava e, depois, a Su.
Nós já éramos muito amigas da Naoli, uma parteira mexicana que vive no Brasil e sempre acompanhou nossa história. Após um encontro com Naoli e Johnny, seu parceiro, os dois voltaram para casa, olharam um para o outro e decidiram nos ajudar.

Ainda naquela noite, recebemos uma mensagem: eles queriam conversar sobre a possibilidade de o Johnny ser nosso doador de esperma. Foi um gesto espontâneo, cheio de amor e de sintonia com tudo o que estávamos vivendo.
A gente já tinha procurado um doador conhecido, mas Johnny foi o primeiro que se ofereceu.
Pela primeira vez nos abrimos para engravidar e viver a maternidade das duas ao mesmo tempo. Com a escolha pela inseminação caseira, o caminho ficou mais leve.
Ninho de amor
Fizemos testes de ovulação para saber quando estaríamos no período fértil. Primeiro foi a Su e, depois de uma semana, eu. Combinamos de fazer esse novo procedimento duas vezes em cada ovulação. Íamos na casa da Naoli e cada casal ficava fazendo amor em seu quarto.
Quando o Johnny ejaculava, Naoli colhia o esperma em um copinho, colocava numa seringa e vinha nos entregar em nosso quarto. Nós o inseríamos e continuávamos nos amando, tendo orgasmos para facilitar a fecundação.
Pouco tempo depois, optamos por não fazer teste de gravidez, mas sentimos as mudanças no corpo chegarem, anunciando os bebês.
A gente engravidou com uma semana de diferença, ambas aos 39 anos. Sentimos que os bebês queriam vir juntos. Tivemos a companhia uma da outra para viver esse processo e foi de uma cumplicidade imensa.
Enfim, mães
Descobrimos o sexo dos bebês no nascimento. Com 37 semanas e 2 dias eu pari o Benjamim em um parto domiciliar acompanhado pelas parteiras Marcela Flueti, nossa cunhada, e Ana Paula Andrade, ambas do grupo Ama Nascer em Florianópolis. Naoli não chegou de viagem a tempo para estar presente.
No segundo dia do pós-parto, me senti preocupada de não conseguir dar o apoio necessário para a Su quando fosse a hora dela parir.
Fui tranquilizada pela equipe e, quatro dias depois, a Su entrou em trabalho de parto — com 38 semanas e 6 dias. Durante o parto, além de Marcela e Naoli, Benjamim também estava presente, deitadinho, testemunhando o nascimento da irmã, Eloah. Eu a recebi e a entreguei para a Su.
Foi uma das experiências mais emocionantes que já vivi. Nossa família estava completa.
Um dos momentos mais difíceis da maternidade é a solidão do puerpério e nós vivemos isso juntas, o que foi muito acalentador. Nunca tivemos problemas com a amamentação e nós duas amamentamos os dois bebês. Ou seja, uma vida de gêmeos de barrigas diferentes.

O Johnny exerce toda a participação afetiva na vida das crianças, que sabem que ele é o papai delas. É uma relação de muito carinho e cumplicidade entre nós quatro, Naoli e Johnny, que são os dindos das crianças.
No entanto, todas as responsabilidades jurídicas e legais são nossas enquanto mães.
Hoje, quando olho para nossos filhos e para a família que construímos, vejo que tudo teve uma razão. Cada exame, cada choro, cada investimento. Tudo foi parte do caminho que nos trouxe até aqui.
Aprendemos a honrar a imprevisibilidade da vida e a força que existe no desapego. Aprendemos a nos abrir para formatos de família que destoam da narrativa convencional e expandem vínculos de afetos duradouros para além do vínculo sanguíneo."
Vívian Scaggiante e Suzanne Shub são fotógrafas de parto humanizado desde 2008 e sócias da empresa Além D'Olhar



























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