Amor de mãe é instantâneo? Como esse vínculo é formado?

A ideia de que o amor materno é instintivo para todas as mulheres e surge de forma arrebatadora no exato momento em que vemos o nosso bebê pela primeira vez está profundamente enraizada no senso comum de várias culturas. Na prática, no entanto, a experiência da maternidade pode ser muito mais complexa e diversa.

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Enquanto, para algumas mães, o vínculo de fato acontece imediatamente, para muitas outras, ele se constrói aos poucos, no dia a dia, no contato repetido, no cuidado e no reconhecimento gradual daquele novo ser que acabou de chegar em sua vida.

"Culturalmente, é quase um sacrilégio admitir que não amou imediatamente a criança", explica a psicóloga e psicanalista Barbara dos Santos, da Clínica Holiste, em Salvador. "Mas o amor não é um dado natural de nenhuma relação, é algo que vai sendo costurado, ponto a ponto."

Amor materno também é construção

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Psicólogos e psiquiatras apontam que o amor materno não é um instinto automático, mas sim um processo que envolve fatores emocionais, sociais, hormonais e subjetivos para se formar aos poucos, como acontece em outras relações.

Por isso, o psiquiatra Eduardo Perin, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) pelo Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), destaca que é comum que muitas mulheres não sintam o "amor arrebatador" logo ao ver o bebê.

"Isso pode acontecer por razões biológicas, como alterações hormonais intensas; emocionais, diante da nova realidade; ou circunstanciais, como um parto difícil, internação do bebê ou cansaço extremo, por exemplo", explica.

Essa percepção é corroborada pela psicóloga Luciana Oliveira, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), de São Paulo. Segundo ela, a sociedade idealiza a maternidade como algo instintivo, mas a realidade pode variar muito.

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"A construção do vínculo entre mãe e filho acontece desde os primeiros minutos de vida, mas é algo gradual. E cada mulher tem seu tempo. Ela precisa de apoio, mas também de liberdade para ter o seu momento com o bebê", afirma.

Como o vínculo se constrói

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Uma vez que o bebê esteja na família, o amor de mãe vai se formando no dia a dia. É durante o cotidiano que ele vai acontecendo, por meio de pequenas trocas com contato pele a pele, amamentação ou amamentação, olhar nos olhos, responder ao choro, acalmar, embalar e conversar.

E sim, existe uma razão química por trás disso. É que todas essas trocas e contatos estimulam a produção de ocitocina, hormônio que também age como neurotransmissor ao ativar áreas do cérebro para estimular a criação de vínculos afetivos e empatia, reforçando as conexões familiares.

Nesse contexto, vale lembrar ainda que o aprendizado é uma via de mão dupla. "O bebê não nasce sabendo amar, e a mãe também não nasce sabendo ser mãe", lembra Barbara dos Santos. "Tudo é construído na resposta à demanda que um faz ao outro, no reconhecimento, no tempo compartilhado", afirma.

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Essa construção é chamada por especialistas de "responsividade suficiente", ou seja: não existe a necessidade de que a mãe seja perfeita, mas sim que tenha presença emocional e disponibilidade para atender, na maior parte das vezes, às necessidades do bebê.

Quando algo atrapalha

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Como dissemos, o amor de mãe precisa de tempo e disponibilidade para ser construído. No entanto, alguns fatores podem atrapalhar essa construção do vínculo, como um parto traumático, a exaustão física e emocional ou a falta de rede de apoio.

A psicóloga Adriana de Lima Souza, do Hospital e Maternidade Pro Matre Paulista, aponta que até 90% das puérperas experimentam o chamado baby blues nos primeiros dias após o nascimento, um estado marcado por tristeza, irritabilidade e choro fácil.

"O quadro surge entre o segundo e o quinto dia após o parto e pode durar até o primeiro mês", diz ela. Por isso, é comum que algumas mães experimentem momentos de distanciamento emocional ou dificuldade de conexão - mas felizmente isso costuma ser transitório.

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Entretanto, quando a experiência de parto é marcada por violência obstétrica, dor não elaborada ou frustrações profundas e traumáticas, a vinculação com o bebê pode ficar comprometida. Nesses casos, a mulher pode se retrair emocionalmente, impedindo sua capacidade de se vincular e impactando negativamente a vivência da maternidade.

Por isso, sentimentos de tristeza, apatia ou indiferença persistente não devem ser ignorados - pela puérpera ou pelas pessoas ao seu redor. "A diferença entre uma dificuldade momentânea e um quadro preocupante está na intensidade, duração e no impacto na vida da pessoa", explica Luciana Oliveira.

Se a falta de prazer ou vontade de cuidar do bebê ou sentimentos de culpa intensa, irritação e tristeza persistirem por mais de duas semanas, pode se tratar de um quadro mais delicado, como depressão ou ansiedade pós-parto, que exigem acompanhamento profissional.

Segundo o psicólogo Vagner Vinicius Morais de Araújo, profissional da área de psicologia do AmorSaúde, rede de clínicas parceiras do Cartão de TODOS, de Goiás, não sentir amor imediato pelo bebê não define a qualidade da maternidade. Mas, quando há sinais de sofrimento profundo e contínuo, é essencial buscar ajuda.

"O vínculo materno saudável depende da capacidade da mãe em estar 'emocionalmente presente', o que existe equilíbrio interno e suporte externo", explica o especialista. "Nesse sentido, o apoio emocional, com psicoterapia, grupos de apoio e rede familiar, é extremamente importante para essa construção", afirma.

Como acolher sem julgar

Os primeiros meses após a maternidade são dias de muita vulnerabilidade, adaptações e mudanças para mãe e bebê. Nesse processo, é importante que a mulher se sinta compreendida e segura para expressar o que sente, sem cobranças ou romantizações a respeito dessa nova fase.

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"Quando essa mãe fala que não ama seu filho, essa fala não é sobre desamor, é sobre a dor que ela está sentindo", pondera Luciana Oliveira. Para ajudar, profissionais e familiares podem:

  • Escutar com empatia, validando os sentimentos, sem minimizar ou comparar;
  • Oferecer apoio prático, como dividir tarefas domésticas e garantir descanso;
  • Apontar os pontos fortes da mãe, reforçando sua capacidade naquele novo papel;
  • Evitar julgamentos, frases como "isso não é nada" ou "outras mães conseguem", que apenas aumentam a culpa;
  • Estimular a busca de apoio profissional, sem impor nem ameaçar.

Barbara Santos lembra ainda que o compartilhamento de experiências pode ser um grande aliado. "Ler, conversar com outras mulheres, saber que não está sozinha ajuda muito. Porque não é só sobre não sentir, às vezes é sobre sentir de outra forma e achar que deveria ser diferente", afirma.

O amor de mãe, portanto, não segue um roteiro único. Ele pode ser imediato para algumas mulheres, mas para muitas outras será fruto da convivência, da paciência e da construção diária. O mais importante, afirmam os especialistas, é reconhecer que o vínculo se faz no tempo, sem pressa e sem padrões inalcançáveis.

"Pesquisas demonstram que o vínculo pode se desenvolver nas semanas ou meses seguintes ao nascimento", afirma Luciana Oliveira, reforçando a importância de se dar tempo para que mãe e bebê formem seus laços afetivos. "O amor materno é um processo, não uma explosão instantânea."

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