Aos 73, Dona Maria Gameplays vive de lives: 'Jogo ajuda a levar vida feliz'

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Um guarda-roupa marrom, luzes coloridas imitando o universo, uma cadeira gamer e fones de ouvido com headset. É nesse cenário que Maria de Lourdes, 73 anos, dá início às suas lives de gameplay para mais de 1 milhão de seguidores entre Instagram (135 mil), YouTube (160 mil) e TikTok (980 mil).
Moradora de Ilha Solteira, no interior de São Paulo, Dona Maria começou a jogar videogame durante a pandemia. Em meio ao desemprego e à crise sanitária, buscou alternativas para passar o tempo. Primeiro, tentou vídeos de receitas no YouTube, mas percebeu que precisaria de estrutura e equipamentos. Foi quando o filho Lucas sugeriu os jogos. O que começou como brincadeira virou vocação.
Fiz um vídeo normal, de brincadeira mesmo, e postei. Foi nessa postagem que deu certo, conta.

Logo, ela estava produzindo conteúdo com regularidade e publicando também no TikTok. A atividade, que era passatempo, virou profissão. "Agora parei de trabalhar, não faço mais nada além de jogar. É muito bom realmente", afirma em entrevista a Universa.
Quando questionada pela reportagem se imaginava estar nessa profissão aos 70 anos, Dona Maria dá uma gargalhada profunda e responde: "não".
Primeiro, porque, na época em que começou a trabalhar, esse tipo de atividade nem existia. Segundo, porque a profissão que leva hoje é tudo, menos formal. Para quem passou décadas no mercado de trabalho tradicional, a rotina de lives, vídeos, publis e fãs é uma aventura diária.
Trabalho, rotina e autenticidade
Com duas lives por dia, transmitidas simultaneamente no YouTube, Twitch e TikTok — das 12h30 às 13h30 e das 17h30 às 18h30, de segunda a sábado — Dona Maria organiza a agenda como qualquer profissional. "Vai ter preguiça não, eu gosto de mostrar trabalho", diz entre risos.
Os domingos são de descanso, e a constância é levada a sério:
Tem horário de fazer vídeo, horário de fazer live, tudo certinho. Como qualquer outra pessoa.

Nas lives, Dona Maria cumprimenta os seguidores pelo nome, agradece pelos presentes virtuais e responde às perguntas do chat enquanto joga. Sua interação com os viewers são como aquele conhecido querido. "Oi, meu amor, como você está?", diz para quem entra na live. Entre uma partida e outra, ela conversa sobre o dia e dá conselhos práticos.
A naturalidade com que lida com a rotina se reflete também no conteúdo. O sucesso dos vídeos vem da autenticidade: sotaque interiorano, visual simples, batom rosa escuro quase vermelho — sua marca registrada. Ela joga com desenvoltura e atenção aos detalhes.
Nos comentários, é chamada de "nossa analista de cenários de game" por observar paisagens, texturas e atmosferas dos jogos com um olhar próprio.
E é com esse mesmo jeito espontâneo que Dona Maria faz publicidade. Em ações comerciais, ela testa os produtos ao vivo, faz caretas quando algo não funciona direito e dá sua opinião honesta. Nada de roteiro engessado: o humor e a sinceridade que marcam sua presença nos jogos também dão o tom nas parcerias.
De Free Fire a Valorant: uma gamer sem limites

O repertório de jogos de Dona Maria é vasto. No Free Fire, ela domina as estratégias de sobrevivência e não tem medo do combate. Cada eliminação vira uma pequena comemoração: "Peguei!", grita, sempre explicando a jogada para quem assiste. No GTA, ela se diverte explorando a cidade virtual, dirigindo sem muita preocupação com as regras de trânsito. "Vou só dar uma voltinha aqui", diz, transformando missão em passeio.
No Valorant, jogo de tiro tático que exige precisão e estratégia, Maria mostra que idade não é impedimento para reflexos rápidos. Ela estuda os mapas, aprende as habilidades dos agentes e sempre pergunta ao chat qual personagem escolher. "Esse aqui é bom? Me ensina aí", pede, sem qualquer constrangimento. Quando acerta um headshot, a alegria é genuína: "Olha só, bem na cabeça!"
No Fortnite, suas construções podem não ser as mais elaboradas, mas sua determinação em chegar longe na partida conquista a audiência. Ela constrói suas estruturas básicas, comemora cada eliminação e aceita as derrotas com filosofia: "Ele foi melhor, mas na próxima eu pego."
Em jogos de simulação como The Sims, constrói casas e cuida de famílias virtuais. E quando se trata de jogos de terror, enfrenta os sustos com tranquilidade. "Não tenho medo não, é só um jogo", diz enquanto explora cenários e criaturas sombrias.
Quando algo inesperado acontece na tela, ela nem se abala:
Ah, esse aí não me pega não. Já vi coisa pior na vida.
Mas a escolha do jogo é sempre guiada por quem a acompanha. "Eu gosto de fazer eles felizes, meus fãs." Mesmo que já tenha jogado um game no dia anterior, repete se o pedido vier: "Se eles quiserem que eu jogue à tarde, eu jogo para eles." Nas lives, ela anota as sugestões numa folhinha ao lado do computador.
Risadas, sustos e vitórias
A graça de Dona Maria está no inesperado. É comum vê-la se atrapalhar com os comandos, soltar exclamações espontâneas ou comentar sobre algo que viu no jogo. "Me deu até uma friagem aqui, ó", diz após completar uma fase difícil. Mas depois do erro, ela respira, retoma e segue em frente.

É exatamente esse ciclo — tropeço, humor, superação — que a transforma em algo maior que uma streamer: Dona Maria é uma contadora de histórias ao vivo. Durante as transmissões, ela mistura o jogo com memórias pessoais, conta sobre os netos quando cuida de crianças virtuais no The Sims, relembra receitas quando encontra cozinhas nos jogos.
Seus vídeos viralizam por esse humor leve, pelo modo como ela transforma qualquer jogo numa conversa com quem assiste. Muitas vezes, parece mais interessada em observar o cenário do que em completar objetivos. "Mo [sic] paz ver ela jogando, queria ser assim", comenta um seguidor.
Dona Maria não se deixa intimidar por etarismos — comentários pejorativos sobre idade — ou por quem tenta descredibilizar sua atuação no universo gamer. "Às vezes tem algum engraçadinho de gracinha. Mas tô nem aí para ele. Pode falar." Para ela, o jogo também é um recurso emocional:
O jogo me ajuda. Vou levando a vida numa boa, feliz.
Seu rosto já é reconhecido nas ruas — "Às vezes tô passando, passa alguém e fala 'Ah, Dona Maria Gameplay!'" — e seus sonhos seguem firmes. Um deles: ter um carro com sua imagem estampada. "Uhu, botar na rua, todo mundo vê o carro da Dona Maria Gameplay", conta, rindo alto.



























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