Gabriela Biló: 'Quero mostrar que existe poder onde não estamos olhando'
Gabriela Biló, 36, não sabia que fotografia poderia ser uma profissão. Na adolescência, nos tempos de Fotolog, ela tinha uma cybershot e fotografava por hobby. Nem de longe sonhava que uma câmera a levaria para dentro dos Três Poderes 15 anos depois.
Pelo nome, você pode não a conhecer. Mas com certeza já viu alguma de suas fotos nas redes sociais ou estampada na Folha de S.Paulo, onde Biló trabalha como fotojornalista desde abril de 2022.
Eu gostava muito de desenhar quando eu era pequena, gostava muito de pintar, de esculpir. Eu gostava de música, fiz piano clássico há muitos anos. Gostava muito de escrever. Mas não podia ser artista. Isso não podia ser uma profissão.
Gabriela Biló
Ainda na escola, Gabriela começou a escrever um livro, mas tinha dificuldades para organizar as ideias e passar para o papel. Por isso, a decisão pelo curso de jornalismo.
Escolha pela fotografia
Gabriela aproveitou os quatro anos de curso para experimentar: trabalhou com assessoria de imprensa, escreveu textos, apresentou um webcanal. Mas foi no fotojornalismo que o coração bateu mais forte. "Achava a coisa mais legal do mundo", contou ela a Universa.
Foi o que me trouxe realidades mais diferentes, pessoas do extremo do A ao Z. São camadas que eu nunca teria acesso dentro do meu mundo. Foi uma experiência que expandiu minha mente e me colocou em lugares que eu não estaria.
Gabriela Biló
O período coincidiu com as manifestações de junho de 2013, uma de suas primeiras grandes coberturas como fotojornalista. "Esse meu começo é interessante porque eu acho que tem uma pureza do olhar ali, que eu gosto muito", lembra.
Recém-formada, além de trabalhar em horário comercial, ela acordava de madrugada e ficava na escuta da polícia e dos bombeiros para mapear acidentes, incêndios e tiroteios.
Com base no número de veículos mobilizados, ela tinha uma ideia do tamanho da ocorrência e decidia por se deslocar ou não para fazer fotos. A ideia era ser a primeira a chegar e, consequentemente, a primeira a vender a foto para as agências.
"Ganhava cerca de R$ 5 ou R$ 2 por foto vendida", lembra. Como ela ganhava pelo volume, isso fez com que Biló desenvolvesse algumas técnicas para vender mais. Ela era a primeira a chegar, para garantir as primeiras fotos, e já enviava para os portais.
Depois, guardava outras boas para lançar no sistema no fim do dia, perto do horário de fechamento dos jornais. Neste momento, os editores olhavam os emails de trás para frente. Quem mandasse por último tinha maiores chances de ter sua foto escolhida.
A estratégia deu certo, porque ela ganhou visibilidade nas redações e foi chamada pelo Estadão em outubro de 2014.
Chegada em Brasília
Gabriela Biló esteve apenas duas vezes em Brasília antes de ser transferida a trabalho: no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e na posse de Jair Bolsonaro, em 2019. Em 1º de junho do mesmo ano, ela desembarcou de vez no Planalto Central.
E foi motivada pelo mesmo sentimento que tinha em 2013: mostrar através das lentes as manifestações políticas e vontades do povo. "Percebi que isso é muito gritante aqui. Tudo que as pessoas gritam nas ruas, nas capitais, são decididas nessa praça, em Brasília."
Ela chegou e foi estudar sobre os Três Poderes. Quem ocupava cada cadeira, o que acontecia em cada sala, no Palácio do Planalto e no STF. "Pode parecer bobo, mas para quem está entrando neste mundo é importante."
Entre suas fotos viralizadas mais recentes está a da votação da anistia na Câmara dos Deputados. Para fazer a imagem, ela saiu correndo da academia (onde estava com a câmera, objeto que vai com ela para todos os lugares nas semanas mais intensas).
"Eu vi o Sóstenes, ele ia começar a discursar. Eu sei quem é ele, sei da importância dele. Quando vi o Nikolas Ferreira subindo ao lado dele, pensei: 'é o meu momento'. Mudei de lado para fazer a foto de frente, porque sei que seria mais forte."
Dentro do STF, os fotógrafos só têm cinco minutos para fazer suas imagens. No julgamento do Bolsonaro, Biló fez questão de saber, antes, de qual lado cada ministro ficaria, para não perder tempo se posicionando e focar no melhor ângulo.
Minha ideia é democratizar essas informações através da fotografia, mostrar que existe poder até onde não estamos olhando. Em 2013, eu entendia minha missão como dar voz a quem não tem. Hoje, quero informar para que elas tenham suas próprias vozes.
Gabriela Biló
Ela dá um exemplo. Se antes a melhor foto de posse de um ministro seria dele assinando os papéis ao lado do presidente, hoje pode ser diferente. O papel é de informar não que aquilo aconteceu, mas porque e como aconteceu.
"Lembro da posse de algum ministro do Lula do centrão, que o nomeado estava sentado ao lado do Arthur Lira. A notícia ali era: o poder do Lira sobre o ministro. Aquela foto era muito mais significativa. Quando você coloca isso numa beleza estética, você tem a foto ideal."
Cobertura do 8 de janeiro
Gabriela não estava de plantão no 8 de janeiro. E, por pouco, sequer estaria em Brasília. Mas são delas algumas das fotos mais emblemáticas daquele dia. Ela estava em um bar, quando viu o início dos ataques pela televisão. "Sabia que, se eu não fosse, iria me arrepender", lembra. A cobertura dela durou 53 minutos naquele dia.
Ela passou em casa para pegar o equipamento e seguiu rumo a Praça dos Três Poderes. Apesar de estar à paisana, foi parada algumas vezes e ordenada a apagar as fotos que estava fazendo.
Foi só depois que fez a foto da rampa tomada de gente que ela pegou o celular e se deu conta do tamanho do ataque. "Eu já tinha entendido o que era, mas eu não entendia que tinha escalado para a violência física. Quando eu vi que escalou para a violência física, eu falei: 'minha cobertura se encerra por aqui'."
Naquela mesma época, Gabriela estava lançando o fotolivro 'A Verdade Vos Libertará' (Fósforo), com registros do cenário político de 2013 a 2023. A ideia era que a última foto fosse a da subida da rampa, em 1º de janeiro - independente de quem levasse o pleito.
Mas os acontecimentos do dia 8 ordenaram um "pare as máquinas": não tinha como o livro sair sem os registros daquele momento histórico. A decisão atrasou a entrega em um mês. O fato vai ser explorado em uma nova publicação, prevista para o início de 2026.
Foto com múltipla exposição
Foi logo na sequência do 8 de janeiro que Gabriela Biló produziu uma de suas fotos mais famosas: um registro do presidente Lula em múltipla exposição com um vidro estilhaçado bem na altura do seu peito.
Na época, a Secom (Secretaria de Comunicação Social do governo Lula) criticou a foto, que chamou de montagem, e afirmou se tratar de uma imagem "não jornalística, sugerindo violência" contra Lula.
Quando você chama uma múltipla exposição de montagem, que é onde me pega, é uma desinformação. É uma escolha de narrativa. Quando você chama de montagem, você induz o pensamento de que aquilo é uma colagem. Isso é descredibilizar uma técnica que é válida.
Gabriela Biló
"Existe uma regra muito clara no fotojornalismo, que é: você tem que escrever na legenda que aquele é um processo de múltipla exposição. E isso estava em todas as legendas, inclusive na capa da Folha."
Na época, o ataque a Biló ultrapassou as redes sociais -e até a própria foto. A fotojornalista teve seus dados, como endereço e telefone, expostos no Twitter (hoje X) e foi até ameaçada de morte.
Ela não se arrepende da foto, mas também não considera que é seu melhor trabalho. "Essa foto tem tudo: tem a fragilidade, tem a ameaça iminente, tem uma tristeza, mas tem uma resiliência.
Para ela, fotojornalismo pode ou não ser arte. Tudo depende da intenção. Mas a classificação não passa de um reconhecimento de linguagem. Fazer arte, na avaliação dela, não torna nenhum fotojornalista melhor do que o outro.
Não existe arte por acidente. Você pode jogar uma tinta na parede e isso pode ser arte ou não, depende da intenção. É conhecimento, é estudo. Existe talento, existe inspiração, mas existe muito estudo. No fotojornalismo não é diferente.
Gabriela Biló