'Dedos nas costas me fazem gozar': prazer fora dos genitais existe mesmo?
Uma publicação anônima no X (antigo Twitter) causou alvoroço ao relatar uma experiência sexual inusitada: a sensação de chegar ao orgasmo apenas com um toque na cintura. O post despertou a curiosidade de dezenas de pessoas que se identificaram com o fenômeno.
Foi nos comentários da publicação que Wendel Araújo de Jesus, 31, escreveu: "Me acontece muito isso, no meu caso são as costas, tenho uma sensibilidade muito grande, sensação de que estou tendo orgasmos múltiplos, creio ser um dos únicos a ter isso."
Mas, afinal, a região da cintura ou as costas também podem ser zonas erógenas?
'Fico fora de mim'
A Universa, Wendel detalhou a intensidade do prazer —que não depende de penetração e nem de estímulo genital direto.
Tem vezes que eu fico fora de mim mesmo. Depende da energia da pessoa. Quando há conexão, o toque é mais profundo. Me dá uma sensação de calmaria que quero sentir sempre.
Wendel Araújo de Jesus
'Parece que liga tudo'
Wendel descobriu cedo que seu corpo responde de forma intensa a toques específicos. "Com o tempo, entendi que não era qualquer pessoa que me causava isso."
Ele conta que a experiência se intensificou com práticas de autoconhecimento. Hoje usa sons e toques no próprio corpo para relaxar e atingir estados de prazer. "Às vezes parece que tem alguém me massageando mesmo quando estou sozinho."
O prazer, explica, também depende da conexão com a pessoa e da "energia" entre os corpos. "Tem gente que me toca e é arrepio, grito, êxtase. Mas, se a energia da pessoa for pesada, sinto um peso no corpo e paro na hora", disse.
Para ele, um simples movimento é capaz de disparar sensações intensas: "Dois dedos na [altura da] cintura, bem no centro das costas, podem me fazer gozar. Se pressionar com esses dois dedos, parece que liga tudo."
Funciona mesmo?
Esse tipo de resposta sexual não é tão incomum quanto se pensa, segundo a psicóloga Michelle Sampaio, especialista em sexualidade humana pela USP e diretora da Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual.
Ela explica que diferentes partes do corpo têm terminações nervosas que, quando estimuladas dentro de um contexto erótico, podem provocar reações semelhantes ao orgasmo.
É uma junção de fatores: o estímulo físico em uma região sensível, a associação emocional e a capacidade de se autorizar ao prazer.
Michelle Sampaio
Para a especialista, o orgasmo sem toque genital é possível —e não tão raro quanto parece. Se a pessoa está conectada com o momento e aquilo é erotizado para ela, a resposta pode vir de várias partes do corpo. Além da pele, memórias e experiências também estão envolvidas no processo.
"Além da estimulação nervosa, a resposta envolve a memória emocional e o significado daquele toque para a pessoa. Pode ser uma lembrança boa, até um fetiche."
Nem todos conseguem de fato chegar ao orgasmo sem estímulo do genital, mas, se a pessoa entender aquele estímulo como erótico, estiver relaxada e se permitir, é possível sim
Aos que não chegam lá, é possível sentir uma excitação bastante intensa nestas partes do corpo.
Além da genitália
As zonas erógenas, segundo Michelle, variam de pessoa para pessoa. Algumas têm maior sensibilidade na nuca, atrás do joelho, nas costas, no mamilo ou na parte interna da coxa. Homens e mulheres podem sentir prazer em pontos variados, mas há diferenças comportamentais.
O mamilo, por exemplo, pode ser altamente erógeno nos dois sexos. Mas, culturalmente, a mulher é mais estimulada nessa região do que o homem. Isso influencia na percepção de prazer.
Michelle Sampaio
A sexóloga lembra, porém, que muitas mulheres enfrentam barreiras para explorar o próprio corpo e identificar zonas erógenas além dos genitais.
"Mesmo hoje, ainda carregamos gerações que reprimiram a masturbação feminina e que reforçam padrões de corpo inalcançáveis. Isso faz com que muitas mulheres tenham menos aceitação e menos exploração do próprio corpo", afirma. "Prazer, seja sozinho ou acompanhado, passa pelo quanto conseguimos nos permitir essa descoberta."
Segundo Michelle, a ausência de descobertas ocorre devido à redução da sexualidade ao genital, o que empobrece a vida sexual e aumenta a frustração quando algo ali não funciona como esperado. Por isso, ela defende a "desgenitalização" do prazer.
"Sugiro sempre aos pacientes: comece no banho, prestando atenção ao toque da bucha, do sabonete, do creme. Perceba onde o corpo responde melhor. É assim que a gente descobre zonas erógenas que estavam ali o tempo todo."
A especialista ressalta que ainda faltam pesquisas científicas sobre essas zonas "menos óbvias" —como costas ou cintura— e que a literatura segue concentrada em genitais e mamilos. Isso, porém, não significa que o fenômeno seja raro, apenas que é pouco estudado. "O corpo tem uma potência erótica enorme. Só precisamos aprender a explorá-lo."
Quando você entende que o corpo inteiro pode dar prazer, você tira o peso do genital. Isso é fundamental para quem passa por disfunções sexuais, mudanças hormonais ou simplesmente quer expandir sua vivência erótica.
Michelle Sampaio