'Reação faz diferença para viver': grupo LGBTQ+ ensina luta gratuitamente

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Em 2024, foram assassinadas 122 pessoas trans/travesti no Brasil, segundo dados da ANTRA - Associação Nacional de Travestis e Transexuais.
Este índice alarmante de violência contra pessoas LGBTQ+ no país, motivou o casal Julio Cesar, 52 anos, e Juarez Diel, 60, a criar em 2022 o projeto As Braba (@asbraba.defesapessoal), coletivo ensina defesa pessoal gratuita para a comunidade LGBTQ+ de Porto Alegre-RS.
Aprendi que, por vezes, um simples ato de reação a um ataque violento pode significar a diferença para se manter vivo, nisso o coletivo surge com a motivação de interromper esse ciclo de violências, explica Júlio.
Julio é faixa preta em krav-magá, uma defesa pessoal originária de Israel, e Juarez é ativista social e historiador. Juntos há mais de 30 anos, o casal nunca sofreu agressão homofóbica, mas acredita que saber se defender em uma situação de ataque é uma forma também de combater a normalização da violência contra a comunidade LGBTQ+.
As aulas, que combinam diferentes estilos de luta, acontecem uma vez por semana na região central da cidade, conta com 20 alunos fixos (gays, lésbicas, trans, não binários e bissexuais), e outros 50 de passagem, isto é, aprendizes que frequentam as aulas, mas sem regularidade devido a compromissos. O espaço de 200 m², cedido especialmente para o coletivo, possui todos os equipamentos necessários, como tatames; no entanto, o uso de quimono é opcional.
Segundo Júlio, além das técnicas de defesa, são ensinados também situações comportamentais para auxiliar os alunos a manter o autocontrole diante de uma abordagem suspeita.
Defesa e troca

Embora não seja pioneiro no país, é, atualmente o único projeto contínuo, gratuito e exclusivo para pessoas LGBTQ+.
Jeferson Huffermann, 33, doutor em filosofia pela UFRGS e um dos alunos, reforça sua importância: "representa uma ação concreta de empoderamento de grupos minoritários, e é muito importante se fortalecer diante de um mundo que nos antagoniza".
Enquanto Rayane Medeiros, 37, destaca o respeito a sua identidade de gênero (trans), "aqui as pessoas estão compartilhando o conhecimento sobre autodefesa sem preconceitos e com o intuito legítimo de me empoderar e de tornar minha vida mais segura", pontua ela.
Além das aulas práticas, o coletivo também é um espaço de socialização. "Existe um senso pleno de comunidade, as trocas nos encontros são disciplinadas, mas sobretudo afetuosas", diz Huffermann.
Aluna há oito meses, Laris Fouchy, 27, se identifica como uma pessoa não binária, e elogia o acolhimento da turma, e como os ensinamentos melhoraram a sua autoestima, "é autodefesa, mas também é aprender a se impor". A trans Nikaya Vidor compartilha de opinião semelhante, "me sinto mais segura, pois tenho capacidade de me defender de agressões", argumenta ela.
Por enquanto, As Braba não possui um patrocínio, mas tem conseguido dar conta com o auxílio de dois professores voluntários que decidiram abraçar o projeto.
Somos também um movimento político, então nem sempre um patrocinador quer ter seu nome vinculado a algo tão politizado; porque defender corpos LGBTQI+ é defender corpos de uma parcela da sociedade marginalizada, argumenta Juarez.
"Intuito é sobrevivência"

O krav-magá utiliza movimentos curtos e rápidos, cujo alvo são os pontos sensíveis do corpo humano, sendo a única modalidade de luta considerada defesa pessoal.
O objetivo é neutralizar o agressor e evitar um conflito corporal, "não queremos entrar em um combate desnecessário, o intuito é a sobrevivência", explica Júlio.
Embora nunca tenha sofrido nenhuma violência, ele não escapou de 'olhares', a medida que o coletivo foi ganhando visibilidade.
Sempre vai acontecer, mas acho que pelo fato de nós dois sermos homens cisgênero, grandes e barbudos; enfim, as pessoas não encaram.
Na opinião do casal, existe de modo abrangente um grande esforço para que atos de violência contra pessoas LGBTQ+ seja normalizado, quando a situação precisa ser discutida na sua questão estrutural que produz esse comportamento de eliminação de corpos LGBTQ+, principalmente de mulheres trans.
O conceito de que a região sul é um reflexo mais ostensivo do conservadorismo no país, por exemplo, é equivocado ao analisar mais a fundo os dados da ANTRA: São Paulo liderou o número de homicídios de pessoas trans, com 16 registros em 2024; em seguida veio Minas Gerais, com 12 casos, e em terceira posição o Ceará, com 11 ocorrências, conforme o levantamento.
Rayane reitera a informação, "vivenciei poucos casos de hostilização aberta em Porto Alegre, se a minha presença gera desconforto, não é problema meu e sim do outro; em geral, encontrei mais acolhimento do que ódio morando aqui".
Precisamos ter esse foco para que as políticas públicas e as ações da sociedade civil sejam amplas, discutidas e não acreditar que exista um lugar melhor ou pior para pessoas LGBTQ+ viverem no país, pontua Juarez.
A dupla salienta que não busca soluções fáceis para problemas complexos, e que o objetivo sempre foi aproximar a luta deles com os movimentos sociais.
Indagados sobre o futuro do projeto, ambos mencionam ter uma sede própria e maior, com a expansão do coletivo para outras regiões também: "assim atenderíamos mais pessoas LGBTQ+ e mulheres heterossexuais", e complementa, "poderia também estruturar a formação de instrutores e um letramento político para os profissionais", almeja Juarez.
O casal afirma que o intuito do coletivo não é somente encerrar os ataques, mas também solucionar as questões sociais que colocam pessoas LGBTQ+ em vulnerabilidade.
Fazer com que As Braba se torne uma referência, aprendendo a defender os seus corpos, para que cada pessoa que sofreu violência se transforme em uma Braba.
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