'De um abraço nasceu nosso amor': idosos se conhecem e se casam em abrigo

Num corredor tranquilo do Lar Torres de Melo, em Fortaleza, entre os aproximadamente 200 idosos que lá vivem, o amor floresceu entre dois corações maduros — e mostrou que nunca é tarde para recomeçar. Ela, Maria do Socorro Ferreira, 78, fala baixinho e com doçura, como quem ainda está vivendo um sonho. Ele, Antônio Pereira, 77, é um contador de histórias nato: conversa com brilho nos olhos e planos no horizonte.

Separado de dois relacionamentos, Antônio chegou ao lar "desenganado do amor", como ele mesmo classificou.

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Foi em um dia comum, em 2023, durante as idas e vindas no refeitório da instituição, que o improvável aconteceu: Maria o viu, criou coragem e pediu um abraço.

Perguntei pras meninas: 'Esse senhor é tão idosinho, eu também sou idosa, será que vai dar certo?'. Aí eu peguei e disse a Antônio: 'Me dê um abraço'. De um abraço nasceu o nosso amor.
Maria do Socorro

A chegada ao abrigo

Em 2021, após anos cuidando de sua mãe e sua família, a dona Maria do Socorro decidiu, junto de sua irmã, se inscrever para viver no Lar Torres de Melo, uma instituição filantrópica que abriga cerca de 200 idosos e tem mais de 120 anos de história.

Antes que pudessem fazer a inscrição, ela perdeu sua irmã. Para não viver tão sozinha, decidiu mesmo assim tentar a sorte. Com o sobrinho, foi até o abrigo e por lá ficou. "Gosto muito daqui", diz ela.

Já seu Antônio chegou em 2023, dois anos depois de sua agora esposa, com a vontade de viver dias mais tranquilos. "Minha vida só fez progredir depois que cheguei aqui", conta.

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Oito meses depois veio o pedido de abraço de sua amada. E, após pouco mais de um ano de relacionamento, o desejo de viver o matrimônio.

O casamento

Maria do Socorro e Antônio posando para foto matrimonial
Maria do Socorro e Antônio posando para foto matrimonial Imagem: Arquivo pessoal

Maria do Socorro e Antônio descobriram que dividem até a data de nascimento — 14 de maio — e, como se o destino tivesse reservado esse encontro com carinho, decidiram se casar exatamente nesse dia.

Após expressarem a vontade à equipe do Lar Torres de Melo, a instituição uniu esforços com a família, amigos, funcionários e muita emoção.

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Maria teve um dia de noiva, com direito a spa e maquiagem. Antônio vestiu, pela primeira vez na vida, um paletó. "Foi para casar com ela", diz, orgulhoso.

Maria do Socorro vestida de noiva para a cerimônia
Maria do Socorro vestida de noiva para a cerimônia Imagem: Arquivo pessoal

Conseguimos que eles tivessem um quarto só deles. As coisinhas que estão lá foi a família ajudou a custear. O diretor do colégio do seu Antônio deu uma TV para ele. E foi assim, colaborativo. Foi muito lindo.
Abia Ferreira da Silva, assistente social do Lar Torres de Melo

'Vamos viver na estrada'

Além de amoroso, Antônio é sonhador. Estuda o ensino médio no EJA (Ensino de Jovens e Adultos) e quer cursar direito. "Quero defender as causas do lar em Brasília e no mundo", afirma.

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Ele não esconde a inquietação de quem, mesmo aos 77 anos, ainda tem muitos planos. Aposentado desde 2002, ele fala com entusiasmo sobre voltar ao mercado de trabalho. "Nem que seja carregando defunto, mas quero meu salário", brinca.

Motorista de profissão, diz que tem a carteira atualizada e se vê perfeitamente capaz de voltar à ativa. "O salário mínimo não dá pra ninguém sobreviver, não. Aqui a gente tem tudo, mas quer um dinheirinho a mais, né?", justifica.

O desejo de independência financeira vem embalado por um sonho ainda maior: comprar um caminhão e cair na estrada com Dona Maria. Se Deus me der a oportunidade de comprar um caminhão, nós vamos viver na estrada. Eu amo a estrada.
Antonio Pereira

Ele conta com orgulho que já trabalhou como caminhoneiro, rodou o país inteiro e agora quer compartilhar essa experiência com a esposa. "Agora só quero ela. Caminhoneiro tem fama de mulherengo, mas eu só quero ela agora."

Já Maria, cearense, encontrou na parceria a tranquilidade que sempre buscou. Gosta da rotina ao lado de Antônio e parece não desejar nada além disso.

Estou feliz. Tudo está ótimo. Pra onde ele for, eu vou também.
Maria do Socorro Ferreira

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Entre planos ousados e uma paz doce, os dois seguem lado a lado, mostrando que o amor não tem prazo, nem idade. Tem apenas o tempo certo de acontecer — e, às vezes, ele chega num simples abraço.

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