Com coleira e dono, ela vive como submissa 24h por dia: 'Amo ser amarrada'

Um relacionamento BDSM, sigla para "bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo", é complexo. E nina de Gladius, 40, sabe bem disso (o nome de uma submissa leva letra minúscula, somente o nome do mestre é escrito em maiúsculo).

Ela estava casada havia 16 anos quando sentiu que precisava de algo a mais. Pensou que, ousando na cama, encontraria o caminho para reacender a conexão. No entanto, descobriu que, na verdade, queria ser submissa o tempo todo.

"Em 2017 comecei a pesquisar sobre sexualidade e fetiches. Foi assim que encontrei o canal do Master Gladius no YouTube e percebi que era isso o que me faltava", conta com exclusividade para Universa.

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nina abordou Gladius e pediu que ele a ensinasse sobre a vida de uma submissa e ele aceitou. Vivendo um casamento aberto, nina mantinha uma relação convencional em casa e, ao mesmo tempo, uma dinâmica de poder com Gladius - mesmo sem contato sexual nos primeiros meses. A partir daí, nina, que morava na capital paulista à época, passou a ir a Santos aos finais de semana para aprender a ser submissa.

O BDSM tem uma regra chamada 'SSC', que significa Sanidade, Segurança e Consensualidade. Meu marido sempre soube de tudo nina

Como parte de seu aprendizado, nina realizava tarefas domésticas — a chamada submissão doméstica —, dava banho e aprendia comandos mais simples, como ajoelhar-se ao cumprimentar o mestre, durante os encontros.

Ela também foi rebatizada. Para separar a vida BDSM da rotina convencional, muitas submissas escolhem um novo nome para usar nesse contexto. Gladius costumava chamá-la de "menina", até que passou a chamá-la de "nina" - com que ela concordou.

Mudança de chave

O ex-marido de nina pediu o divórcio dois anos após ela conhecer Gladius. "Ele percebeu que não havia mais nada que pudéssemos nutrir. Eu já não tinha mais o que oferecer. Terminamos bem. Estivemos juntos por 18 anos e tivemos três filhas", afirma nina.

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Em agosto de 2025, nina e Gladius completam oito anos de relacionamento. Após o divórcio, nina se tornou play partner de seu dono — em suas palavras, "um amigo com quem você se diverte" — por quatro anos. Como Gladius é poliafetivo, eles fizeram ajustes na relação ao longo do tempo.

nina deixou um casamento de 16 ao descobrir sua paixão por ser submissa
nina deixou um casamento de 16 ao descobrir sua paixão por ser submissa Imagem: Acervo pessoal

"Atualmente, ele se envolve pontualmente com outras mulheres, mas não há convivência com elas em nossa vida familiar", explica nina.

Ao assumir o papel de submissa em tempo integral, a relação entre nina e Gladius passou a ter uma equivalência a um casamento — especialmente porque esse modelo só é viável quando o casal mora junto.

Antes disso, no entanto, eles assumiram um compromisso ainda maior: ter um filho. "Eu já tinha três filhas, mas o mestre me perguntou se eu toparia essa aventura com ele. Demorei um mês para aceitar e então planejamos a gravidez", conta.

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nina engravidou durante a pandemia e, com sete meses de gestação, seu médico a alertou que não era mais seguro viajar para Santos. Precisava decidir onde ficaria para garantir sua saúde.

Até então vivíamos uma relação de posse. Conversamos e ele deixou claro que não queria que eu deixasse de ser submissa. Outro tipo de compromisso não era interessante para ele. E nem para mim, que já tinha vivido um casamento tradicional. Não queria outro igual. Foi aí que mudei para Santos.
nina

Como é a relação

As relações de poder podem incluir contratos — chamados de liturgia — para garantir o cumprimento da vontade das partes. "Nós não usamos contratos formais. E é importante lembrar que não há validade jurídica. No entanto, se um dominante ultrapassar os limites e ferir uma submissa, os registros desses acordos podem servir como prova", explica.

Para quem está fora desse estilo de vida, é difícil entender o prazer de ser submissa. Por que alguém gostaria de servir outra pessoa? Com bom humor, nina descreve o que sentiu ao se descobrir nesse mundo.

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Sendo submissa, encontrei meu lugar no mundo. Posso ser frágil, entregar meus conflitos e medos sem julgamento, porque sei que o outro vai cuidar de mim nina

Para ela, é um lugar de paz e tranquilidade.

nina segue certos comportamentos e obrigações. Por exemplo, ela não se senta à mesa com Gladius durante as refeições, mas aos seus pés; oferece-se para dar banho nele diariamente e sempre o chama de "senhor".

Ela também cumpre comandos específicos, como deixar a calcinha em uma posição que a estimule ao longo do dia, a pedido dele, e serve a comida em seu prato. Além de, é claro, cuidar de todos os afazeres domésticos.

Na presença dos filhos, amigos ou familiares, no entanto, comportam-se como um casal convencional. "Todos os presentes precisam consentir. Alguns familiares e amigos não entendem relações de poder. Crianças também não. Por isso, não fazemos nada diante da nossa filha", explica.

nina usa coleira e pulseira, presentes de seu dono
nina usa coleira e pulseira, presentes de seu dono Imagem: Acervo pessoal
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Para conceder esta entrevista, por exemplo, nina não pediu autorização, mas todas as suas atitudes passam pelo crivo de Gladius. "O dono é muito participativo, gosta de estar presente. Não preciso, necessariamente, da aprovação dele, mas tudo passa por sua visão. Ele não veta, mas aconselha", diz nina.

Ela também faz questão de diferenciar fetiche de BDSM. "As relações de poder oferecem muitas possibilidades, mas o principal é a hierarquia. O resto é fetiche. Amo ser amarrada, ser contida, mas isso é à parte do BDSM. O que define uma relação de poder é a hierarquia. Caso contrário, é só fetiche", explica.

É comum que quem esteja fora desse tipo de dinâmica ache a relação estranha. Quando questionada se se sente humilhada, nina responde.

As pessoas convencionais tendem a ver pelo lado pejorativo, como se fosse um rebaixamento moral. Mas, para nós, não é assim. Ajoelhar-me não é um ato de humilhação, é como demonstro reverência e carinho. Deixo meus problemas do lado de fora para viver minha natureza
nina

Mesmo que muitos não compreendam suas escolhas, nina afirma viver uma relação baseada no respeito e no carinho. "Somos muito felizes dentro do que escolhemos. Temos os mesmos objetivos e muito respeito um pelo outro", conclui.

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Preconceito fora do meio

Desde 2013, o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), publicado pela APA (Associação Americana de Psiquiatria), não classifica mais o BDSM como uma patologia.

"A prática é fruto de um acordo entre adultos, sem sofrimento. Pode causar estranhamento, mas entre submissão e dominação existe consentimento. Não se trata de machismo, e sim de um acordo", explica a sexóloga e especialista em sexualidade humana Michelle Sampaio, diretora da Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual.

Segundo ela, a relação de nina e Gladius vai além do aspecto sexual. "O BDSM extrapola a esfera erótica e alcança a esfera psíquica. É um estilo de vida", afirma.

Para o psicólogo Maico Costa, professor no Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein e coordenador do Centro de Gestão do Cuidado da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), é difícil julgar esse tipo de relação.

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"Isso nos convida a refletir sobre as interações humanas. Pode parecer confuso, mas essa vivência que ela tem com o homem que chama de 'dono' funciona bem. Ela está confortável com a submissão e obtém benefícios. É consciente", analisa.

Uma relação de poder não é tóxica. Ela não está presa a esse formato e pode sair a qualquer momento. "Se nina não quiser mais ser submissa, basta dizer. Isso significaria o fim da relação, pois seu dono só se relaciona dentro dessa estrutura", conclui Sampaio.

Estilo de vida virou livro

Vivendo como submissa desde 2017, nina divide sua rotina com mais de 17 mil seguidores no Instagram e resolveu lançar um livro — Diário de nina: Memórias de uma submissa 24/7 BDSM. Com 159 páginas, ela relata "os momentos mais relevantes dos primeiros anos como submissa".

Para quem tem curiosidade sobre os termos usados na relação, Universa preparou um glossário com as principais palavras utilizadas no BDSM.

Glossário
Glossário Imagem: Arte UOL
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