Balada com 700 mães? Elas fazem festas pra curtir sem filhos ou julgamentos

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"A maternidade é pesada com todas as cargas. Parece que a gente só tem um papel, vira uma militar de presença para dar conta de tudo". A frase é de Monise Maroço Garcia, 39, e carrega um dos fardos da realidade materna, uma solidão misturada com culpa. Mas a missão de Monise é lembrar que, apesar dos perrengues, é importante se divertir e ter prazer (perto ou longe dos filhos) - por uma noite que seja.
Você se sente só na maternidade? Saiba que existe uma rede de apoio para mulheres que buscam acolhimento, tempo para relaxar e encontros entre elas. É o que faz Polyana Occiuzzi, 44, de Campinas, interior de São Paulo, que administra desde 2011 a rede Mães Amigas, pioneira em eventos exclusivos para mães no estado.
É importante resgatar nossa individualidade, conversar com outras mulheres que também se sentem sobrecarregadas e estancar as comparações que aumentaram com as redes sociais. A energia é única e voltamos para casa renovadas.Polyana Occiuzzi, 44, mãe e fundadora da rede Mães Amigas
Com a mesma intenção, Monise, que mora em Vinhedo, criou outro grupo em 2023: o Solta o Coque. "É aquela máxima: nasce uma mãe, nasce um coque", lembra a idealizadora do projeto focado em proporcionar uma noite para que as participantes possam desfazer o penteado e dançar, cantar, conversar, sem seus pequenos por perto. "Não é algo inovador, mas é algo necessário", diz.

A ideia de Polyana, empresária e mãe de Miguel, 14, e Murilo, 10, nasceu em um grupo de e-mail, quando ela buscava a escolinha ideal para o filho mais velho depois da licença-maternidade. Do e-mail, a conversa entre as mães foi para o Facebook e, um ano depois, Polyana organizou um encontro num buffet. A primeira festa foi suficiente para pedirem mais, e desde então o movimento atrai mais amigas de amigas de amigas. "Os homens queriam o dia do futebol, a gente queria o nosso dia."
Para Monise, a necessidade de trocar sobre a realidade materna começou quando ela, hoje mãe de três - os gêmeos Bernardo e Théo, 6, e Pedro, 4 - teve dificuldade em engravidar. Durante a Fertilização in Vitro (FIV), a sensação era de que os conteúdos sobre maternidade na Internet eram fantasiosos demais. Quando se tornou mãe, sentiu que a desinformação piorou.
Senti uma falta de honestidade. No Instagram é muito bonito, mas a realidade vem como pancada. Fui entendendo que não dá para ser assim, né? Não dá para falar numa maternidade leve, falar que não é difícil, não ter tempo para o respiro.Monise Maroço Garcia, 39, mãe e idealizadora do movimento Solta o Coque
Trocando com outras mulheres reais, Monise ficou mais leve para cuidar dos filhos. "Quando estava me encaixando com os gêmeos, voltando ao controle, o Pedro nasceu. Mas aí o maternar foi muito mais leve porque eu já tinha entendido que está tudo bem se eu quiser sair com meu marido e nesse dia dar fórmula. Existe uma vida além do que é imposto", conta.
O luto da mulher que já fomos pode ser libertador

Depois de se adaptar a rotina com os três filhos, Monise começou a fazer terapia e ginástica, entendendo que precisava voltar a olhar para si. "Meu terapeuta dizia para fazer o que me fazia bem, e eu sabia que eram encontros reais, de sentar, bater papo, tomar um café com outras mulheres". Num dia qualquer, percebeu que compartilhar a dor, seja ela pela maternidade ou por outra questão, ajuda todo mundo a se sentir melhor.
Aconteceu um episódio no colégio dos meninos, onde uma mãe teve dificuldades e, em forma de apoio, cem mães foram levar flores. Aquilo para mim deixou claro como a gente, mãe, se movimenta. Nesse dia pensei: 'vou marcar um jantar de amigas', e coloquei num grupo'.Monise Maroço Garcia, 39, mãe e idealizadora do movimento Solta o Coque
Em outro caminho, Polyana já concretizava seu grupo de Mães Amigas, escolhendo uma árvore como símbolo por semear amor, ter raízes fortes e galhos que alcançam quem precisar de uma sombra, oferecida em diferentes formatos. Do Happy Hour nos bares da região (como tudo começou) a mais de 500 eventos, como rodas para gestantes, chás pós-parto, e diversas "baladas" chamadas de Happy Mães Amigas.

A verdade é que toda mãe vive um luto, para além de qualquer perda familiar: o luto da mulher que fomos antes de dar à luz. A ideia, tanto de Monise quanto de Polyana, não é trazê-la de volta, mas honrá-la, resgatando o autocuidado e leveza para esta nova versão.
Você não precisa dançar ou beber, só precisa sair da toca, ter um momento seu, em um lugar seguro, onde se sinta livre, sem se preocupar. Na maternidade, a gente acaba se vendo num lugar só dedicado aos filhos, mas a mãe ainda é mulher, e ver isso faz bem para toda família.Polyana Occiuzzi, 44, mãe e fundadora da rede Mães Amigas
Maridos não entram, mas apoiam
O Solta o Coque começou em um jantar para trinta e cinco mães, idealizado por Monise e "patrocinado" pela sua mãe e pela a diretora da escola dos seus filhos: elas acreditavam que mães precisavam se encontrar. A noite foi tão boa que a organizadora pegou a ideia como causa. "Você vê as mães se abraçando, teve mãe que conversou, que dançou. Minha amiga contou que tinha sido o primeiro dia em que o marido fazia a filha dela dormir", lembra.
Em seguida, veio o perfil no Instagram, onde ela posta depoimentos sem julgamento, e divulga o evento a cada três meses. Os eventos vão se desdobrando em degustação de vinho, palestra com sexóloga, baladas com DJ, bateria materna de carnaval, viagem. Em dois anos, foram quase 1100 coques soltos: o último encontro reuniu 270 mães.
Monise e Poliana contam que têm todo o apoio dos maridos, mas que já perceberam desconforto de outros parceiros ou pré-julgamentos.
Uma vez me falaram 'vem aqui fora'. Era o marido de uma que ficava passando na frente da festa. Tem marido que já me parou para falar que era um absurdo o que a gente fazia. É um preconceito que tá tatuado.Monise Maroço Garcia, 39, mãe e idealizadora do movimento Solta o Coque
Polyana narra algo parecido. "Uma das vezes que reservamos o espaço para o evento, o garçom falou 'nossa, achei que era um monte de senhorinha e coloquei até a mesa na janela pra vocês tomarem um ar'. Olha a imagem que as pessoas têm das mães".
Nada que reduza a importância das iniciativas. O próximo Solta o Coque, inclusive, vem com uma ideia ainda mais agregadora: vai acontecer ao lado de um centro de atividades para crianças atípicas, para que todas as mães, sem exceção, possam se divertir sem preocupação. "Se a criança precisar, a mãe pode ir lá, cuidar e voltar, sem culpa".

Monise pensa em transformar a causa em projeto profissional, mas não quer perder o propósito. "Recebo muitos depoimentos de mulheres que, no primeiro evento que participaram, não entravam no vestido e voltaram a fazer exercício, a se cuidar. Outras que dizem que o casamento melhorou", conta.
Ela própria viveu uma transformação. "Tinha perdido a alegria, e hoje tenho amigas que a maternidade me trouxe, que o Solta o Coque me trouxe, porque nosso propósito é o mesmo".

Polyana também viveu a metamorfose e decidiu encerrar os eventos (foram 90 edições só dos chamados "Happy's"). O foco agora está no aplicativo Mães Amigas, que reúne cupons de descontos, dicas de passeio e viagem, guia de saúde e uma comunidade materna.
A despedida, em dezembro de 2024, reuniu 700 mulheres e já deixou saudades e pedidos de retorno. "Pode ser que tenha algo especial ainda. Por enquanto estou numa nova fase, no climatério, sinto a necessidade de um tempo diferente, e os eventos exigem bastante, já que o grupo cresceu e tem mais participantes. Então, decidi focar no app, por acreditar que ele é um guia na palma das mãos, capaz de unificar a rede de apoio pra todas as mães", diz Polyana.
A lição que essas duas mães trazem parece clichê, mas é real, e vivida por muitas: juntas somos mais fortes. "Acho que quem já esteve no fundo do poço sabe. Você tem duas opções, ou você dá seu maior pulo, ou fica lá e não curte seus filhos crescendo", avalia Monise, emocionada.
Polyana assina embaixo, também com voz embargada. "Podemos aprender a olhar para nós mesmas, e ver que é importante ter esse tempo, não só pra gente, mas para os filhos, o parceiro? Por que não deixar os filhos na escola e tomar um café sozinha?"
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