'Fui demitida': TPM é tabu e prejudica mulheres no mercado de trabalho

O mercado de trabalho no Brasil absorveu a mão de obra feminina ao longo das últimas décadas. Apesar disso, ainda não criou condições específicas para o bom desempenho das mulheres nas empresas.

O ritmo de trabalho é pensado para os homens, que têm um nível de hormônios relativamente estável. No caso das mulheres, devido às diferentes fases do ciclo menstrual, os hormônios flutuam drasticamente, causando mudanças físicas e emocionais.

Nos dias que antecedem a menstruação, por exemplo, a maioria das mulheres sente pelo menos um dos sintomas da TPM, que podem ser físicos, como cólicas e dores de cabeça, e emocionais, como irritabilidade e tristeza. Algumas têm ou já tiveram sintomas incapacitantes, que as impedem de exercer atividades cotidianas, inclusive trabalhar.

A profissional de TI Graziela Crispim, 32, natural de Taubaté (SP), é uma delas. Desde que teve a primeira menstruação, aos 15 anos, até pouco tempo atrás, quando deu início a um tratamento, ela sofria de cólicas intensas e sintomas emocionais como tristeza, irritabilidade e mudanças de humor.

Os sintomas vinham à tona com toda força na semana da TPM. Nas outras três semanas do mês, desapareciam. Eventualmente, ela descobriu que sofria de Transtorno Disfórico Pré-Menstrual (TDPM), uma espécie de TPM exacerbada.

Em consequência disso, Graziela passou por diversas situações desagradáveis no trabalho. A pior delas foi uma demissão, quando ela tinha 17 anos e trabalhava em um bazar.

Um dia, no auge da TPM, Graziela começou a passar mal, com cólica intensa, fraqueza e tremedeira. Então, procurou a dona do bazar para contar o que se passava com ela.

A dona disse para eu ir para casa e me cuidar. Agradeci e fui. No dia seguinte, fui demitida. Ela olhou para mim e disse: 'Olha, Grazi, pelo que eu percebi, você não vai dar muito certo aqui, porque você tem essas questões'. Ainda jogou a responsabilidade em mim, como se a culpa fosse minha.
Graziela Crispim

Em outra situação, ocorrida anos depois, também na semana da TPM, Graziela discutiu com um cliente que foi grosseiro com ela. Com ar de superioridade, ele disse que gastava "em um dia no shopping" o que ela ganhava "em um mês".

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Graziela se exaltou e proferiu ofensas contra ele. Depois, chorou arrependida da atitude, que considerou um ato de impulsividade. Ela tomou uma advertência pela conduta, mas se manteve no emprego.

"Antes de começar a passar com psicólogo e psiquiatra, trabalhar era horrível para mim. Na semana da TPM, eu só queria chorar", relata. "Tudo que acontecia no trabalho, por mais trivial que fosse, virava um problema enorme. Era uma luta."

'Pensei que fosse vomitar'

A cirurgiã-dentista Bárbara Dias, 23, natural de São Paulo (SP), não sofre de sintomas emocionais na TPM de forma tão exacerbada quanto Graziela. Apesar disso, também sentia cólicas intensas até colocar um DIU — dispositivo intrauterino —, em 2022.

Em 2018, quando trabalhava como jovem aprendiz em um escritório de uma loja de departamentos, Bárbara passou por uma situação no trabalho que a marcou, e virou até assunto de vídeo no TikTok. Ela estava na semana da TPM e começou a sentir uma cólica intensa. Em meio às contrações, o chefe dela a chamou para uma sala.

Meu chefe estava na sala com um fornecedor, que havia trazido algumas peças infantis. Então, ele me chamou para olhar as peças e opinar sobre os produtos. Enquanto conversávamos, senti uma dor muito forte. Então, me veio um refluxo. Pensei que fosse vomitar e saí correndo em direção ao toalete, Bárbara Dias.

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Constrangida, Bárbara teve que explicar ao chefe o que tinha se passado. Ele foi compreensivo e se mostrou preocupado, mas, para a jovem, um homem nunca será capaz de entender completamente essas questões. Sempre há aquele medo de não ser levada a sério.

"Hoje eu entendo que não precisava ter tido vergonha daquela situação. Acho que precisa haver mais diálogo nesse sentido", afirma Bárbara, acrescentando que os sintomas associados à TPM e à menstruação ainda são tabus no mundo corporativo.

"Se menstruação fosse uma questão biológica do homem, as empresas já teriam instituído uma espécie de licença menstrual faz tempo. Seria algo normal, que sequer estaria em discussão", acrescenta.

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'Menstruação é aliada'

Segundo a ginecologista Juliana Teixeira, a maioria das mulheres vai sentir ao menos um sintoma associado à TPM ou à menstruação ao longo da vida, o que é completamente normal. O ponto de atenção devem ser os sintomas incapacitantes, sejam eles físicos ou emocionais, que gerem sofrimento intenso ou atrapalhem a vida da mulher.

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Independentemente de quais sejam, o fato, para Juliana, é que, na sociedade atual, especialmente em grandes centros urbanos, espera-se que as mulheres deem tudo de si todos os dias. Por causa das flutuações hormonais, a expectativa é inalcançável.

"Na fase lútea, que acontece entre a ovulação e a menstruação, muitas mulheres sentem mais cansaço, irritabilidade, além de sintomas depressivos e até autodepreciativos. Só que não é colocada em prática uma solução que una as metas das empresas a essa realidade da mulher. Somos obrigadas a nos silenciar para conseguir continuar entregando sempre 100% de nós", afirma.

A especialista em saúde íntima, reprodutiva e sexual Caroline Amanda defende que, ao contrário do que muitos podem pensar, o ciclo menstrual não é um "vilão". Trata-se de um "aliado", que mostra que algo no corpo não vai bem.

Caroline lembra que mulheres, em geral, vivem com muita sobrecarga, uma vez que, além do trabalho remunerado que exercem, também são responsáveis pelo cuidado de crianças, idosos e pessoas doentes ou com deficiência da família. Por isso, nos momentos em que o corpo pede descanso, podem acabar apresentando graves somatizações.

"A menstruação não deixa nenhuma mulher vulnerável. O que as deixa vulneráveis é o sistema em que vivemos", diz Caroline, que é também cientista social, psicanalista e mestra em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "

A menstruação é uma aliada, que está ali dizendo: 'Está ruim, está insustentável. Você precisa parar, precisa descansar.'

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Licença menstrual

Há quem argumente que uma licença menstrual traria prejuízo às empresas, uma vez que as funcionárias teriam que se ausentar ou diminuir o ritmo por alguns dias no mês. Segundo essa lógica, o benefício seria mais um empecilho na hora da contratação, resultando em uma política que mais prejudicaria do que ajudaria as mulheres.

Para Caroline, esse discurso cai por terra na medida em que se coloca em pauta a deterioração da saúde mental das mulheres. Ela avalia que oferecer uma licença menstrual representaria um investimento para evitar o afastamento de funcionárias por burnout (esgotamento) e outros transtornos psicológicos.

A empresa de consultoria em gestão empresarial MOL, que passou a oferecer licença menstrual em 8 de março de 2023, revelou a Universa, um ano depois, que a concessão do benefício não havia afetado a produtividade. Até janeiro de 2024, a empresa cedeu 29 licenças, sendo que mais de 65% delas foram de apenas meio período.

Em muitos países, principalmente na Ásia (Japão, China, Taiwan, Indonésia, Coreia do Sul e Vietnã), a licença menstrual já é uma realidade. Na Espanha, o benefício foi introduzido em 2023, tornando o país o primeiro do Ocidente a adotar a medida.

No Brasil, a licença menstrual ainda não é uma lei federal, mas o assunto é debatido e projetos de lei estão em tramitação. No Distrito Federal, uma lei em vigor, de autoria do deputado Max Maciel (PSOL-DF), garante licença menstrual remunerada de até três dias consecutivos por mês para servidoras públicas que apresentem sintomas graves associados ao fluxo menstrual.

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"Temos um gabinete formado majoritariamente por mulheres. Acompanhei de perto as dificuldades enfrentadas por algumas delas", afirma Maciel à reportagem.

A menstruação ainda é tratada como um tema invisível. Trazer esse debate para o Legislativo é uma forma de reconhecer a saúde menstrual como uma questão de direito e dignidade.

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